Canal Cidadania e TV comunitária
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Canal Cidadania e TV comunitária


Por Claudia de Abreu, no Observatório do Direito à Comunicação:

Após muita expectativa das entidades que participam das emissoras comunitárias no Brasil, finalmente saiu a regulamentação do Canal da Cidadania, uma emissora em sinal aberto, que poderá ser captada por todas as TVs com o processo de digitalização. O Ministério das Comunicações publicou no dia 18 de dezembro a portaria nº 489/12, regulamentando o Canal da Cidadania, previsto no decreto que criou o Sistema Brasileiro de TV Digital (5820/2006).

Como o sinal digital ocupa menos espaço no espectro eletromagnético, será possível a veiculação de pelo menos quatro faixas de programação no referido canal. Ou mesmo cinco: “A Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica poderá, a qualquer tempo, determinar a inclusão de uma quinta faixa destinada à programação de órgãos e entidades vinculados a União...” (Artigo 4.2.3). Serão duas faixas com programação produzida por associações comunitárias, uma para o Estado e uma para o Município. O Distrito Federal terá três faixas comunitárias.

Reivindicação antiga

A responsabilidade sobre a programação do canal da cidadania vem sendo reivindicada há muito pelas emissoras comunitárias do país, regularizadas pela Lei do Cabo (8.977/95). Há anos que estes canais reivindicam espaço no sinal aberto. Após o decreto da TV Digital, representantes do Ministério da Comunicações garantiram que pelo menos uma parte da programação seria realizada pelas atuais emissoras comunitárias. A surpresa fica por conta de ser, não uma, mas duas faixas de caráter comunitário por cidade. Pela portaria 489, quem vai programá-las são “associações comunitárias”, que serão escolhidas pelo Ministério das Comunicações, após a publicação de avisos de habilitação.

As atuais emissoras do cabo, organizadas em associações municipais, terão 60 dias - após o aviso de habilitação - para enviar uma série de documentos, incluindo “prova de quitação eleitoral de todos os dirigentes das entidades”, muitas certidões negativas e manifestações oficiais de apoio de associações comunitárias e instituições de ensino superior”. Quem não cumprir este prazo estará inabilitado.

E nem mesmo estará garantida a “outorga” a esta emissora, mesmo que cumpra toda a burocracia, pois a portaria afirma que, no caso de mais de duas associações reivindicarem a autorização, o Ministério irá propor um acordo entre as partes e, no caso destas não aceitarem, será usado um critério de pontuação definido da seguinte forma: “um ponto por manifestação de apoio de associações comunitárias, entidades associativas e instituições de ensino superior instituídas há mais de 2 anos no município, totalizando, no máximo, 20 pontos” e 10 pontos para as associações comunitárias que ocupam o cabo. Ou seja, ainda que toda a extensa documentação esteja em dia, o Minicom é quem dá a palavra final sobre quem vai gerir o canal em cada cidade. A portaria prevê ainda que no caso de empate de pontos a decisão será por sorteio. E exige que as associações sejam “autônomas, não se subordinando administrativa, financeira ou editorialmente a nenhuma outra entidade”.

A portaria determina que o estatuto social da associação comunitária que reivindicar a programação desta faixa deve “assegurar, em seu estatuto social, o ingresso gratuito , como associado, de todo e qualquer cidadão domiciliado no município, bem como de outras entidades associativas ou comunitárias sem fins lucrativos nele sediados”. Levando em conta que as atuais emissoras comunitárias são constituídas por entidades, no mínimo será necessário realizar alterações estatutárias para garantir a possibilidade de disputa.

A portaria é confusa ao afirmar que “as autorizações para operação do Canal da Cidadania terão prazo de duração indeterminado(5.1)”, o que tornariam as concessões definitivas, e depois, no 5.1.1 que “o Minicom promoverá a cada 15 anos um novo processo seletivo para definir as entidades responsáveis por programar as faixas...”. A portaria deixa claro que as autorizações não serão dadas diretamente às associações, pois o canal é da União.

Sustentação financeira

Em relação à sustentação financeira do canal, estão previstas dotações orçamentárias específicas apenas para os canais programados pelo poder público. Para as emissoras comunitárias se propõem doações de pessoas físicas e jurídicas, apoio cultural, publicidade institucional e acordos e convênios com entidades públicas ou privadas. É vetada qualquer tipo de publicidade comercial.

No caso dos canais que serão geridos pelo Estado e Município é exigida a “constituição” de um Conselho de Comunicação. Mas sem nenhuma referência ao perfil do conselho, ou mesmo sua real existência política, que poderá até ser criado em vários municípios ou estados apenas para cumprir a exigência da portaria. Ou mesmo ser um conselho formado apenas por representantes do poder executivo e/ou legislativo.

Para cada canal explorado por associação comunitárias se exige a criação de um respectivo conselho local, com representação de “diversos segmentos do Poder Público e da comunidade local” e a instituição de um Ouvidor, eleito por este conselho, que também deverá garantir “as condições necessárias ao desempenho das atividades do Ouvidor”. É no mínimo estranha a exigência de representantes dos poderes públicos em uma emissora comunitária. Serão, portanto, dois conselhos locais e um conselho de comunicação em cada cidade interessada em ocupar o espaço eletromagnético com o sinal digital.

Ao contrário do que acontece com as concessões comerciais, as associações poderão ter “revogação da outorga”(5.1) se receberem três multas em um biênio e, nesse caso, o Ministério das Comunicações “selecionará nova associação para programação das faixas”. As multas podem ser aplicadas no caso da emissora descumprir qualquer item da referida portaria.

O Ministério das Comunicações não garante que todos os municípios terão espaço imediato para o Canal da Cidadania. Em entrevista a um site especializado em comunicação, Octávio Pierante, diretor do Departamento de Acompanhamento e Avaliação de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério, afirma que "na maior parte, já existem canais tecnicamente viabilizados, mas em algumas cidades (cerca de 900) o espectro é congestionado, e é possível que a viabilização dos canais só venha com a digitalização completa das emissoras".

O que fica claro é que a sociedade precisa se organizar o mais rápido possível para ocupar este importante espaço de comunicação na TV aberta, não permitindo que grupos ligados às elites locais se apropriem deste canal. É hora de pressionar os parlamentares estaduais e municipais para a instituição de conselhos de comunicação democráticos e de organizar associações da sociedade civil amplamente representativas.

Pela primeira vez a sociedade civil pode ter acesso direto a canais de TV aberta, reivindicação feita há décadas pelos lutadores pela democratização da comunicação. Para garantir que seja um canal realmente democrático e plural é importante que os movimentos sociais participem deste processo. Só a sociedade organizada pode garantir que estes canais sejam a expressão das comunidades e dos que não tem voz nos canais comerciais.




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