Por Vilson Vieira Jr., no Observatório do Direito à Comunicação:
Se depender do governo Dilma, o ano de 2013 será como os anteriores para a regulação da radiodifusão brasileira. Ou seja, passará em branco. Vejam o porquê do pessimismo. Em sua terceira Mensagem ao Congresso Nacional - em que o(a) chefe da República faz um balanço acerca das ações implementadas pela gestão no ano anterior e prevê outras para o ano que se inicia - o Governo Federal deixou de lado o setor de radiodifusão (rádio e TV) no que tange à possibilidade de um novo marco regulatório.
Na Mensagem ao Congresso, é notória a indiferença do Governo frente à necessidade de um novo aparato normativo que reorganize o modelo de comunicações vigente. Esse comportamento aparece tanto na prestação de contas sobre a área no ano de 2012 quanto às perspectivas para o novo ano. Ou melhor, o documento praticamente não faz qualquer projeção para o setor de rádio e TV aberta em 2013, ficando restrito a alterações pontuais.
No item sobre Radiodifusão, a Mensagem começa destacando algumas mudanças de âmbito meramente administrativo, que, segundo o Executivo, resultaram em mais celeridade aos processos de concessão e autorização de outorgas, bem como a redução do número de processos pendentes: "A redução do estoque de processos de radiodifusão é um dos objetivos do Governo. Nesse sentido, foram desenvolvidas melhorias de gestão, como a realização de mapeamento de processos, projeto de desenvolvimento de sistema para automação dos processos de radiodifusão e da parceria firmada com a Anatel para análise de processos técnicos de engenharia referentes à fase de pós-outorga dos serviços de radiodifusão e seus ancilares e auxiliares".
O documento enviado ao Congresso no início do mês de fevereiro ainda sublinha aquela que pode ter sido uma das mais importantes realizações no intuito de fortalecer a comunicação pública e comunitária no país: a criação do Canal da Cidadania, por meio da Portaria nº 489, de dezembro de 2012. Segundo a Mensagem, o objetivo desse Canal - que vai operar com multiprogramação, em sinal digital, e terá reserva de duas faixas a serem exploradas por associações comunitárias - é "estimular a diversidade, a pluralidade e a competição entre meios e agentes da área das comunicações.
Feitas as devidas ressalvas em relação a determinados pontos da Portaria, este, talvez, pode ter sido o maior feito da gestão Dilma, desde quando tomou posse, no sentido de iniciar um processo efetivo de democratização do sistema público de comunicação social e diminuir, assim, a gigantesca assimetria existente entre os sistemas comercial, estatal e público. Mas vale lembrar que o Canal da Cidadania já estava previsto no decreto nº 5.820, de 2006, que estabelece as diretrizes da TV Digital.
Radiodifusão comunitária e ação fiscalizatória
Dando sequência às ações na área de radiodifusão no ano passado, a Mensagem presidencial chega ao segmento comunitário. Sobre ele, o conteúdo não difere muito do anterior. O documento cita iniciativas que supostamente conferiram maior agilidade às autorizações de outorgas de rádios comunitárias, como a divulgação do Plano Nacional de Outorgas (PNO 2012-2013): "Em 2012, foram outorgadas cerca de 100 novas autorizações para a execução do serviço de radiodifusão comunitária, com redução de aproximadamente 500 processos de outorga no estoque. Com a divulgação do novo Plano Nacional de Outorgas (PNO 2012-2013) para o serviço de radiodifusão comunitária, pretende-se levar o serviço para todos os Municípios ao final do biênio, num avanço à política de universalização com o atendimento de 1.425 Municípios, sendo 822 ainda não cobertos pelo serviço".
No entanto, não há qualquer menção a respeito da repressão implacável dos órgãos de fiscalização do Governo Federal sobre as emissoras comunitárias. Segundo o documento, foram aplicadas, em 2012, 622 multas e 129 suspensões a emissoras de radiodifusão e retransmissoras de TV no que se refere a infrações de conteúdo e jurídicas, mas sem considerar as infrações técnicas, de competência da Anatel.
Mas o aumento da ação fiscalizatória do poder concedente, conforme matéria divulgada por este Observatório, teve como principal alvo as rádios comunitárias. Foram 377 emissoras desse tipo de serviço punidas no ano passado, o que representa mais de 50% das sanções aplicadas pelo MiniCom. Um dos principais motivos para as multas foi a veiculação de publicidade comercial na programação das emissoras, prática proibida pela lei nº 9.612, de 1998. Para este ano, o Ministério das Comunicações já preparou o Plano Anual de Fiscalização (PAF), que vai adotar o procedimento de sorteio para definir os municípios nos quais as entidades que exploram o serviço de radiodifusão serão fiscalizadas, a exemplo do que foi feito em 2012.
Para 2013, o Governo prevê a implantação da Norma de Sanções Administrativas, "que regulamentará todos os procedimentos relativos à aplicação de sanções administrativas às entidades exploradoras dos serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares, no que se refere a infrações relativas ao conteúdo da programação veiculada e aspectos legais, contratuais e societários", o que apenas será feito após as contribuições da consulta pública realizada no ano passado serem analisadas.
No âmbito das outorgas de emissoras educativas de rádio e TV, a Presidência da República também destacou as alterações de cunho administrativo empreendidas pelo Ministério das Comunicações, como a criação do Plano Nacional de Outorgas, que funciona como uma espécie de calendário dos Avisos de Habilitação a serem publicados ao longo de dois anos consecutivos, além de trazer alguns números: "De acordo com dados do Plano Nacional de Outorgas 2011-2012, 64 localidades foram atendidas, o que aumenta para 387 Municípios (7% do total) com pelo menos uma rádio educativa e para 169 (3% do total) com pelo menos uma geradora de televisão", pontuou a Mensagem.
TV Digital e universalização do acesso
Embora o Governo Federal afirme que "66% das emissoras e quase 40% das retransmissoras analógicas já foram consignadas a operar, simultaneamente, com tecnologia digital, e 2% delas já foram licenciadas na nova tecnologia", ele reconhece a necessidade de universalizar o acesso à tecnologia para boa parte da população.
Segundo a Mensagem, as ações para que a implementação da TV Digital tenha êxito "não se resumem ao esforço do aumento da cobertura. A baixa penetração de receptores é também indicativo da necessidade do estabelecimento de uma política específica para evitar que a população em geral, em especial a de baixa renda, não fique sem acesso ao serviço de TV aberta e gratuita". No entanto, o Governo não deu pistas sobre quais medidas concretas irá tomar para evitar a exclusão de segmentos mais pobres da população em relação à TV Digital.
Aparecem na Mensagem ao Congresso apenas ações para incrementar o uso do Ginga, middleware de interatividade, nos receptores de televisão produzidos no Brasil. "A partir de janeiro de 2013, 75% das TVs de LED e Plasma fabricadas deverão incluir o Ginga. Até 2014, o número de TVs fabricadas com Ginga deverá ser de 90%", prevê o documento. Outra iniciativa para a TV Digital mencionada foi a criação do Programa de Estímulo ao Desenvolvimento do Padrão Nacional de Interatividade da Televisão Digital Brasileira (Ginga Brasil), forjado para dar "condições e capacitar equipes de emissoras públicas para a inserção de recursos de interatividade na programação", entre outras atribuições.
Padrão digital do rádio: decisão em 2013?
É a pergunta que ficou no ar desde o fim dos testes realizados no ano passado com os dois sistemas de rádio digital em disputa: o Digital RadioMondiale – DRM (europeu) e o sistema In-Band-On-Channel –IBOC (norte-americano).
Ficará a cargo do Conselho Consultivo do Rádio Digital, implantado em 2012 e composto por representantes de setor de radiodifusão, governo e indústria, avaliar os resultados dos testes já realizados e, segundo a Mensagem presidencial, decidir "tecnicamente" qual modelo funciona melhor, entre outras atribuições. Sobre quando a decisão será tomada, o documento não traz qualquer previsão. Ou seja, o tema rádio digital foi outro que não passou de um simples balanço governamental.
Telecomunicações e banda larga em evidência
Ao contrário da falta de ousadia do Governo quanto ao setor de radiodifusão, a área de telecomunicações foi o carro-chefe do capítulo de Comunicações da Mensagem da Presidência ao Congresso Nacional. Na verdade, esse foi o campo das comunicações que mais atenção recebeu do Estado brasileiro, considerando, obviamente, suas limitações legais.
Destaque para o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), a "menina dos olhos" do Governo Dilma na tentativa de tirar o Brasil do atraso no que tange ao acesso da população à rede mundial de computadores, bem como à implantação de uma infraestrutura de rede que massifique a banda larga por meio de parcerias com grandes operadoras de telefonia e de ações diretamente estatais via Telebras e isenções tributárias. O Governo Federal comemora o crescimento do número de acessos, os quais, segundo a Mensagem, alcançaram 86 milhões. Mas o Programa impõe barreiras ao usuário, como limites de download mensais e redução da velocidade de 1 Mega caso eles sejam ultrapassados; baixa velocidade de upload (128 kbps) e possibilidade de venda casada na contratação do serviço; pontos não mencionados na Mensagem presidencial.
Medidas regulatórias a fim de proporcionar um pouco mais de equilíbrio na relação extremamente desigual entre usuários e empresas de telecomunicações também mereceram relevo no documento enviado ao Congresso Nacional. Segundo ele, a Anatel publicou 19 resoluções "com grande impacto sobre os direitos dos usuários e a qualidade dos serviços prestados".
A licitação das faixas de 450 MHz e de 2,5 GHz, as quais, respectivamente, levam os serviços de telecomunicações à área rural e inauguram a modalidade 4G na banda larga móvel; a aprovação do Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) que implementa dispositivos da Lei nº 12.485 (a nova lei da TV por Assinatura); medida cautelar da Anatel que suspendeu a venda do Serviço Móvel Pessoal de prestadoras com o pior desempenho em cada estado, juntamente à exigência que as operadoras apresentassem um Plano Nacional de melhorias quanto à qualidade do serviço e das redes de telecomunicações estão entre as iniciativas que tiveram, ou ainda terão, um relevante impacto nesse setor estratégico para o país, porém dominado por conglomerados privados.
Para 2013, outros regulamentos estão previstos para serem concluídos e postos em prática pela Anatel, como as revisões dos regulamentos do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), do Serviço Móvel Pessoal, do Plano Geral de Autorizações do Serviço Móvel Pessoal e do Regulamento do STFC, sobre o qual se propõe alterar regras de publicidade, "tornando mais acessíveis e objetivas as informações sobre serviço aos usuários". Outra revisão citada na Mensagem é a do Regulamento de Conselhos de Usuários, "que amplia a atuação de tais Conselhos, bem como o seu fortalecimento", afirma o documento.
Radiodifusão não é prioridade
Como tem sido em sucessivos governos desde a criação do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), em 1962, e curiosamente desde a redemocratização do país, em 1988, o setor de radiodifusão também não parece estar nos planos do governo Dilma Rousseff. A não ser se for para deixar tudo como está, para o alívio do empresariado de rádio e TV.
À exceção de medidas fiscalizatórias que vem sendo adotadas, somadas à relativa transparência no trato das informações a respeito dessas ações e do controle societário das concessões - tarefas estas das mais básicas a serem cumpridas por Ministério das Comunicações e Anatel - o setor de radiodifusão continua desprovido de um olhar democrático tanto por parte do Poder Executivo quanto do Legislativo, e, de quebra, sem quaisquer perspectivas acerca de um marco legal que reorganize de forma democrática o setor.
Ou alguém acredita que na Mensagem ao Congresso Nacional de 2014 (ano eleitoral) pelo menos a consulta pública sobre o novo marco regulatório da radiodifusão vai figurar no balanço do ano que passou!?
* Vilson Vieira Jr. é jornalista, associado ao Coletivo Intervozes e mestrando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
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