Ceticismo saudável
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Ceticismo saudável


Rodrigo Constantino, para a revista Banco de Ideias do IL 

Rótulos como “direita” e “esquerda” são sempre limitados e perigosos. Não é possível enquadrar todo o arcabouço de idéias políticas, sociais e econômicas em um único termo. Feita esta ressalva, há uma direita que eu considero digna de todo meu apreço e respeito. Ela está (muito bem) representada por pensadores como João Pereira Coutinho, Luiz Felipe Pondé e Denis Rosenfield.

Por isso recomendo a leitura do novo livro que os três lançaram em conjunto, explicando em curtos ensaios porque viraram à direita. A marca característica desta direita seria o ceticismo diante de toda utopia racionalista, de todo projeto revolucionário que oferece “um mundo melhor”, um sistema “justo” e acabado. Ser conservador, para eles, significa adotar postura cautelosa frente a esta arrogância.

Rousseau seria o pai do totalitarismo moderno de esquerda, ao adotar postura canalha e sentimentalista que falsifica a realidade. Incapaz de amar o próximo, incluindo seus filhos que foram abandonados, Rousseau se declarou um amante da Humanidade, abstração que não nos obriga a encarar as imperfeições e desencontros em qualquer relacionamento com outro ser humano de carne e osso. Com base nesta farsa, Rousseau passou a pregar um estado totalitário, retirando a responsabilidade dos indivíduos.

Coutinho lembra que há direitas e direitas, ou seja, uma ala da dita direita pretende igualmente desqualificar o presente imperfeito em prol de um passado idealizado. Conservador, para ele, não pode ser o mesmo que reacionário. Se este quer fugir da realidade, aquele aceita o mundo como ele é, de forma realista frente a toda complexidade que o define. Mentalidades radicais, de direita ou esquerda, preferem modelos simplistas e dogmáticos como rota de fuga.

A linhagem de céticos vem de longa data, com pensadores como Edmund Burke, David Hume, Michael Oakeshott, Isaiah Berlin, entre outros. O principal alerta deles seria contra modelos que pretendem redesenhar o mundo de uma hora para outra. Normalmente paridos em torres de marfim acadêmicas, tais modelos ignoram toda a complexidade da realidade, mascaram a natureza humana e depositam fé onipotente na razão.

Já os conservadores preferiam o caminho da cautela, do respeito às tradições sobreviventes por tentativa e erro em um processo muito maior do que cada um de nós pode compreender com sua limitada inteligência. Criticar os hábitos e costumes dos antigos que chegaram até nós, sim, mas com humildade, com ímpeto reformista e não revolucionário.

A vida em sociedade pressupõe limites, um convívio civilizado com pessoas que possuem valores diferentes dos nossos, muitas vezes incomensuráveis. Há que se ter o cuidado de não cair no extremo oposto, qual seja, o relativismo moral e cultural exacerbado, incapaz de julgar com qualquer objetividade os costumes de um povo. A esquerda que faz vista grossa aos atos bárbaros de regimes totalitários islâmicos cai nesta armadilha, por exemplo.

Mas adotar postura de tolerância diante da pluralidade de valores, eis uma bandeira conservadora respeitável. O ser humano é frágil perante um mundo muitas vezes sem sentido, e esta visão trágica da vida, presente em Pondé, por exemplo, faz com que devamos ficar alertas contra utopias que nada mais são do que máscaras para nossa vaidade e nosso orgulho.

Denis Rosenfield resgata sua experiência com o PT em Porto Alegre, para nos lembrar como estes impulsos totalitários podem vir embalados por nomes nobres e mentirosos. Quando o estado se torna o ente que vai realizar a busca desta perfeição terrena, o indivíduo sempre acaba sacrificado no altar da causa impossível.

O livrinho, que tem 110 páginas apenas, merece ser lido por todos. O investimento de alguns minutos será altamente recompensado.




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