Pensamento binário
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Pensamento binário



Rodrigo Constantino

O homem tem mania de rotular. O rótulo atende a algumas funções importantes, como facilitar a compreensão de certas características de forma mais rápida. Por exemplo, quando alguém diz que Fulano é um hippie, automaticamente formamos um esteriótipo do sujeito, com inúmeras características de seu estilo de vida e mentalidade.

Mas os rótulos também são perigosos, justamente porque simplificam demais. Nem sempre (ou quase nunca) será possível enquadrar alguém, com todas as suas crenças, em um único rótulo. Infelizmente, o brasileiro tem a mania de fazer isso, e vai um passo adiante: raciocina de forma binária. Enxerga tudo como se fosse preto ou branco.

O exemplo mais evidente desta prática é a disputa entre PT e PSDB na política. Quando você ataca o petismo, você é logo tachado de “tucano”. Mas muitos, como a quase totalidade dos liberais, condenam tanto o petismo como o tucanato. Este pode até ser visto como mais light, mas nem por isso merece elogios dos liberais. Reduzir o debate político nacional a um duelo entre PT e PSDB é limitar ao extremo as opções, excluindo na largada a alternativa liberal, a melhor de todas e que nenhum partido hoje defende como bandeira.

Só que não é apenas aí que a coisa complica. Mesmo entre a tal “direita” (na falta de termo melhor), há tanta divergência que seria impossível compilar crenças tão díspares em um único rótulo. Liberais e conservadores, para começo de conversa, advogam coisas bem diferentes, com algumas interseções. Mas mesmo entre conservadores existem tipos tão diferentes que seria injusto aplicar o mesmo termo para defini-los.

Os que chamo de conservadores de boa estirpe, por exemplo, merecem total respeito dos liberais. São os seguidores de Edmund Burke, Oakshott, Ortega y Gasset, entre outros. Indivíduos que valorizam a tradição, a família, o gradualismo na evolução dos costumes, pois são céticos com utopias racionalistas, com revoluções. Colocar no mesmo saco estes conservadores e aqueles que, no fundo, idealizam a Idade Média e adorariam resgatar uma teocracia católica autoritária parece absurdo e injusto.

O típico pensamento binário dos brasileiros se mostra evidente no debate de certos temas polêmicos. Quando liberais pregam a legalização das drogas, por compreenderem que tanto do ponto de vista dos direitos individuais como dos resultados catastróficos da guerra contra as drogas isso é o certo a se fazer, esses conservadores medievalistas os acusam de “esquerdistas”, de inocentes úteis da revolução cultural gramsciana. Nada mais falso. É totalmente viável condenar a fracassada guerra anti-drogas e ainda assim valorizar a família, as boas tradições (até porque a guerra contra as drogas não é tão antiga, e começou com Nixon apenas).

Da mesma forma, é evidente que nem todo critico da Igreja Católica aplaude o suposto racionalismo da Revolução Francesa. O mundo não se resume a uma disputa entre catolicismo e iluminismo, até porque existiram mais de um iluminismo. O escocês, por exemplo, não tem nada a ver com o francês, este sim vítima do que Hayek chamou de “arrogância fatal” dos racionalistas. Logo, os liberais têm todo direito de criticar o legado negativo do catolicismo, que é bem grande, sem precisar aplaudir Rousseau e companhia.

Esta abertura do mundo das idéias em mais do que duas dimensões simplistas não interessa aos conservadores religiosos mais radicais. Para estes, é interessante se apresentar como única alternativa aos petistas no poder, ou ao fanatismo islâmico em nível global. Desta forma, todos aqueles insatisfeitos com esta agenda petista ou preocupados com a ameaça muçulmana teriam que se curvar diante desses que defendem uma espécie de resgate da era medieval, com todo seu ranço misógino, sua homofobia, seu moralismo exacerbado, a censura e a união entre Igreja e Estado novamente, cuja separação foi conquistada a duras penas e muito sangue.

Os liberais não têm que evitar críticas a esses moralistas medievais para poder atacar a esquerda em geral e o PT em particular, ou para repudiar o atraso cultural em muitos países com predominância islâmica. O mundo não se divide apenas em fundamentalistas religiosos de um lado e socialistas materialistas do outro, ou em uma teocracia contra outra. A direita tacanha ocidental é tão condenável quanto a esquerda revolucionária. E o mundo, felizmente, não é binário.




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