Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984) é fantástico, pelo menos na sua primeira metade. Desde o início em Singapura, com Indy imitando James Bond, e a Kate Capshaw/Willie brilhantemente proporcionando toda a diversão, passando pelos elefantes, a noite na floresta, o menininho imitando o Indy, e provavelmente o banquete mais asqueroso já visto no cinema, até a deliciosa sequência romântica que é puro slapstick, seguido por mais nojeira (a Kate tendo que colocar a mão naquele buraco cheio de bichos pra puxar uma alavanca e salvar a vida do Indy – ainda bem que não dependia de mim, ou seria o fim da carreira do famoso arqueólogo) - tudo é perfeito, e nessas horas até entendo como a Pauline Kael pôde gostar mais de Templo da Perdição que de Caçadores. Pra mim, as risadas mais gostosas geradas por qualquer Indy estão nesses quarenta minutos.
No entando, quando os três personagens centrais chegam ao templo, a aventura morre. Morre violentamente. Nem parece ser o mesmo filme. Fica escuro, cruel, sem diálogos, e sem a trilha sonora do John Williams. Ou seja, não existe absolutamente nenhuma marca registrada da série naquilo lá. Há uma longa sequência de sacrifício e coração sendo arrancado em que nossos heróis simplesmente desaparecem. Vemos de vez em quando alguns closes de suas reações observando o ritual, mas são loooooongos minutos sem que eles participem da ação.Depois vem uma série de besteiras que não funcionam, como Indy virando mau, vodu, crianças escravizadas, lutas, carrinho de minério lembrando uma montanha russa... Aquilo tudo é um lixo (perdão pela heresia), e dura quase metade do filme!
A aventura só se levanta um pouco com a cena da ponte (Indy no meio, cortando a ponte de cordas), embora ela também seja longa demais. Falta edição. Mas vou ser benevolente e considerar que a cena da ponte é a única coisa que se salva em toda a segunda metade (uma hora!) de Indy 2.
A mensagem também é a pior possível: o exército do império britânico representa o bem, lutando contra os selvagens colonizados. Willie diz pro exército: “Já estava na hora!” (de vocês atirarem nesses indianos nojentos?). Há dois tipos de colonizados: os mais selvagens - assassinos, bebedores de sangue, arrancadores de coração, praticantes de vodu – e os atrasados bonzinhos, que precisam do herói branco (e do império britânico) para resgatar suas criancinhas. Triste, triste.
E cá entre nós, tem cena demais de bons selvagens mirins festejando sua liberdade, não? A cena final, de Indy e Willie se beijando, cercados por criancinhas pulando, é tenebrosa. Um enorme contraste com a cena que abre o filme, um musical kitsch com Willie cantando “Anything Goes” (e melhor nem entrar no contraste que, no início, uma Willie livre é a estrela do show, enquanto no fim, Indy a enlaceia com seu chicote). Aquilo em Singapura é assumidamente falso (e há um momento mais falso ainda que os outros, quando as dançarinas, que fizeram o split até o chão, revertem o troço até ficarem de pé. Dá pra ver que está em velocidade avançada, no reverso. Não tem como alguém fazer isso. Só no cinema, e elas estão num palco). É como se Spielberg piscasse pra gente dizendo: “Sei que isso não tem nada a ver com a cultura deles. É a visão do Ocidente sobre o que deve ser o Oriente”. A própria canção do Cole Porter indica que “vale qualquer coisa”. Mas a última cena se leva a sério. Montes de nativos comemorando que o Ocidente veio salvá-los deles mesmos. Uga uga argh.