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CLÁSSICOS MODERNOS: Louca Obsessão, uma introdução
Kathy Bates e James Caan em jantar romântico. Eu adoro Misery, ou Louca Obsessão, e considero-o um dos melhores filmes dos anos 90. Quando o vi pela primeira vez, em 1990, gostei, mas não tanto assim. Continuo achando superior Um Sonho de Liberdade, outra história baseada numa obra do Stephen King. Só que cada vez que revejo Misery, mais eu gosto. Tirando o final. Chegarei lá. Pra quem não conhece, Misery é o nome da protagonista de uma série de subliteratura criado por um famoso escritor, Paul Sheldon. Paul―o nome lembrou Sidney Sheldon?―está cansado da série e, no seu último livro, mata a personagem para poder escrever um romance de verdade. Vamos descontar que o Stephen King também deve ter essas ilusões de que está atado a um só tipo de literatura que o impede de tornar-se um grande escritor (eu já falei que não considero o King muito bom, apesar d'ele ser um ótimo inventor de tramas que, nas mãos de diretores competentes, viram clássicos do cinema). Paul sofre um terrível acidente de carro durante uma nevasca no meio do nada, e é resgatado por uma enfermeira, Annie Wilkes, que diz ser sua fã número um (“I'm your number one fan”). Annie o leva pra sua casa e cuida dele, até que ela lê o livro mais recente de Paul, recém-publicado, descobre que sua personagem favorita, Misery, foi morta pelo autor, e força Paul a ressuscitá-la. As coisas vão piorando a cada momento. Paul tenta fugir, e percebe que Annie é uma psicopata. O filme é uma delícia cheia de suspense (veja trailer aqui), e não seria tão memorável se não fosse por uma cena que todo mundo se lembra. Aquela cena. Sabe, aquela em que Annie, pra impedir que Paul fuja, põe uma tábua entre seus tornozelos e dá uma martelada, num procedimento conhecido como hobbling (você pode ver a cena aqui, se tiver estômago). Misery é do Rob Reiner, diretor de excelentes filmes como Harry e Sally e This is Spinal Tap, e de obras menores, mas ainda assim marcantes, como Conta Comigo e Questão de Honra, e que neste milênio ainda não fez nada que preste (Antes de Partir, Dizem Por Aí). Mas qualquer um que fez Harry e Sally, pra mim, é um diretor muito acima da média. Acontece que Rob nunca havia chegado perto do gênero terror/suspense. Nem nunca se aventurou nisso novamente, após Misery. Na realidade, quem estava cotado pra dirigir o filme era o George Roy Hill (de Golpe de Mestre e Butch Cassidy). Os direitos do livro tinham sido comprados e o festejado roteirista William Goldman (de Butch Cassidy e Todos os Homens do Presidente) já havia escrito o roteiro (inclusive, algumas das informações que coloco aqui eu peguei dos comentários do diretor e do roteirista no dvd, e do livro Which Lie Did I Tell?, do William). George havia topado fazer o filme, até ler aquela cena no roteiro. Aí desistiu. O Warren Beatty, que foi sondado para dirigir e até aceitaria ser o protagonista se não fosse seu envolvimento com Dick Tracy na época, deu um toque ao William. Warren entendia que William havia sido fiel ao romance de King. No livro, Annie não apenas quebra os pés de Paul. Ela corta mesmo os dois pés do escritor, na altura do calcanhar. Corta a machadadas e cicatriza com uma tocha. Warren reclamou com William: “Ela não pode cortar os pés deles, porque isso é irreversível! Mesmo que ele sobreviva, será um loser sem pés pro resto da vida”. William não queria mudar a cena, porque era essa brutalidade que o havia levado a querer adaptar o livro. Mas, depois de notar a recusa de diretor após diretor, e também de ator após ator, decidiu mudá-la.Ah, ficou curioso(a)? Quer saber quais astros disseram “No, thanks” pro papel de Paul? A lista é longa: William Hurt, Kevin Kline, Robert Redford, Robert De Niro, Al Pacino, Michael Douglas, Jack Nicholson (porque já tinha feito Iluminado, outra adaptação baseada em obra do King), e Richard Dreyfuss (que já tinha recusado o papel que foi pro Billy Crystal em Harry e Sally, também do Rob Reiner, e deve se arrepender até hoje). Quem William Goldman acha que estaria perfeito: Richard Gere. Cof cof. Você consegue visualizar o Richard no papel? Pra mim é impossível. Mas Richard sequer foi cogitado, já que estava morto e enterrado em 1989, ano em que o elenco foi escalado (isso foi antes d'ele renascer das cinzas com o sucesso de Justiça Cega e Uma Linda Mulher). James Caan aceitou. Fazia tempo que ele não tinha um papel de destaque e ele vinha de um sério problema com drogas. Foi irônico ter um cara super ativo e físico como ele (pense nele em Poderoso Chefão, onde ele não fica quieto um segundo) no papel de alguém que fica preso a uma cama o filme todo. Eu acho que ele está muito bem, mas, sinceramente, também sinto que Misery é inteirinho da Kathy Bates (que levou o Oscar). Ah, sim, como falei que iria falar do final, lá vai: não gosto de como Annie morre. Acho que é só pra atender a uma demanda de mercado, que exige que vilões sejam punidos de forma horrenda. O fim é cruel e misógino. Não precisávamos ver Paul 1) furando os olhos de Annie, 2) batendo sua cabeça no chão, enquanto a chama de vadia; 3) batendo com a máquina de escrever em sua cabeça; 4) derrubando-a com as pernas (se bem que essa cena é importante: ele ainda pode usar as pernas que ela mutilou!); 5) fazendo-a engolir papel queimado; 6) quebrando seu crânio com uma estatueta de porco. Imagino que um ou dois dessa lista já seriam suficientes pra matar uma pessoa. No próximo post sobre Misery eu chuto por que todos aqueles astros recusaram o papel, e tento convencer vocês a respeito do que o filme realmente tá falando.
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