COMO FALAR BOBAGENS E SER PUBLICADO NUM BLOG FAMOSO
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COMO FALAR BOBAGENS E SER PUBLICADO NUM BLOG FAMOSO


Jogo dos 7 erros: feminazis emasculam leão

Na terça, quando vi um post da Cynthia explicando como o uso da palavra feminazi é condenável, não entendi por que ela estava falando disso bem naquele momento. Foi depois que vi um texto da Bárbara, remetendo a uma discussão que ela teve com um tal de André no blog do Nassif. E eu não sou fina como Cynthia e Bárbara: como já disse aqui e no Twitter diversas vezes, nunca conheci alguém que usa termos como femininazi e gayzista, ou que diga que o verdadeiro preconceito hoje em dia é contra o homem branco, que não fosse um completo idiota.
Pois então, se alguém ainda precisa de exemplos de como os homens, mesmo os ditos progressistas, são capazes das mais ridículas besteiras machistas, aqui tem. Não sei como o Nassif foi publicar o post de um rapaz que defende o uso do termo feminazi (aliás, tenho uma vaga ideia de que sei, sim. Todos eles quando falam de feminismo derrapam feio, não sabem do que estão falando, e obviamente não demonstram nenhuma vontade de aprender. Neste vídeo há uma mostra de como um dos maiores blogs de centro-esquerda dos EUA, o Huffington Post, é sexista). Em “O Poder das Mulheres” (título que só pode ser irônico, mas não é), André diz que feminazis são feministas radicais, sem definir exatamente o que seria esse radicalismo. Ele parte da dúvida “Seria Dilma uma feminazi?” (pois Dilma, numa entrevista pro Washington Post, disse que era contra o apedrejamento de mulheres). Mais adiante, nos comentários, ele diz que sim, a declaração de Dilma poderia ser interpretada como de uma feminazi, já que ela condenou apenas a morte de mulheres, não de homens. Ou seja, sempre que estivermos falando de estupro, devemos dizer que somos contra os estupros de homens também. Caso contrário, estaremos nos manifestando a favor do estupro de homens. Hum, sério, você já conheceu alguém que fosse contra o estupro de mulheres, mas não o de homens?
André não fala coisa com coisa, e isso fica ainda mais visível quando ele se atrapalha nos comentários. É incapaz de uma argumentação linear. Por exemplo, quando alguém lhe ensina que o termo feminazi foi criado em 1992 pelo ultraconservador Rush Limbaugh, André diz que só porque algo foi criado por alguém não muito bem-credenciado não significa que haja um erro, e, como exemplo, diz que, se não fossem os americanos, não haveria internet, ou que o rap não deve ser odiado por ser popular entre “a bandidagem”. Hã? O que esse menino anda fumando? Já liberaram?
O mal de André com as feminazis é que, pelo que pude entender, algumas mulheres não gostam dele e o veem como inimigo, só porque, em outro post também publicado pelo Nassif, ele defendeu o Dia do Homem, tadinho. Tipo, pra ele as profissões mais mal pagas cabem aos homens. Tsc, tsc. No grande livro que é Backlash, Susan Faludi explica justamente o contrário. Na nossa sociedade, um dos trabalhos que um homem com menor qualificação pode ter é auxiliar de pedreiro. Para a mulher, é empregada. Em geral, um auxiliar de pedreiro ganha mais que uma empregada. Um pedreiro ganha mais que uma cabeleireira. Assim como um chef ganha mais que uma cozinheira. Um estilista de moda ganha mais que uma costureira. Precisa continuar? Fazer com que certas profissões sejam identificadas apenas a um gênero (a maior parte dos psicólogos é mulher; a maior parte dos psiquiatras é homem — quem ganha mais, um psicólogo ou um psiquiatra?) é uma forma de fazer com que mulheres recebam menos que homens. Adoraria ver uma estatística que provasse que não, mulheres têm salários maiores no nosso mundo. Ha, não tem nem quando exercem a mesma função!
André também acha que a violência sexual que homens sofrem nas cadeias é “tão grande numericamente quanto a violência sexual sofrida pelas mulheres”. Sei. 30% da população total de mulheres (esse é um dado internacional, inclusive) sofreram algum tipo de abuso sexual em suas vidas. Sério que 30% dos homens sofreram abuso sexual? Qual a porcentagem da população masculina na cadeia? Chega a 1%? E nunca vi feminista defender estupro de homens, na cadeia ou fora dela. Mas, sendo que o estupro na cadeia é o único tipo de estupro que apavora os homens (pois estupro de mulheres é assunto nosso; os homens de bem não têm nada com isso), gostaria de saber o que os homens vêm fazendo contra essa realidade. Campanhas? Mobilização? Exigência de direitos humanos na prisão? Ahn, não. Tudo que vejo é homem fazendo piadinha sobre o perigo que é se abaixar pra pegar sabonete. E queria lembrar que mulheres não estupram homens. Homens estupram homens. E homens estupram mulheres. Admitir isso não é dizer que todos os homens estupram. Mas é pedir demais que vocês considerem o estupro um problema seu também, e que vocês também lutem para combatê-lo, como nós feministas extremamente radicais fazemos?
André lamenta que o câncer de próstata mate tantos homens quanto o câncer de mama mata mulheres, e que as verbas públicas para o câncer de mama sejam maiores. Dados, por favor? O que qualquer pessoa que trabalha no serviço de saúde sabe é que homens procuram bem menos atendimento médico que mulheres. E essa é uma das provas de como o machismo não faz mal apenas à mulher, como faz ao homem também. Homem tem complexo de superherói. Aprende desde cedo que não pode chorar, não pode sentir dor, que fragilidade é coisa de mulherzinha. Aí eles ficam doentes e acham que é frescura, que vai passar logo. O exame de próstata (o maridão já fez, diz que não dá nem pra sentir) dói menos que o papanicolau a que mulheres se submetem sempre. É esse exame de toque do reto que pode detectar o câncer de próstata, e providenciar um tratamento rápido. Mas como detectar, se os homens acham que tal exame vai contra a sua virilidade, e se todos os programas de humor fazem gracinha em cima disso? O governo gasta um dinheirão fazendo campanhas implorando que homens depois dos 50 anos façam o exame. Eles não fazem, porque tem toda uma estupidez cultural por trás. E aí a culpa de homens morrerem de câncer de próstata é das feminazis?
Nos comentários, André especifica que feminazis são mulheres que querem o extermínio de todos os homens. Hã, talvez tais mulheres existam (eu nunca conheci, mas tem louco pra tudo), mas digamos assim, elas são representativas de alguma coisa? Mais adiante ele diz que feminazis não são apenas as que querem exterminar o gênero masculino, e fornece exemplos sobre as suecas (é, elas estão na moda). Segundo André, feminazis suecas conseguiram que “uma estátua de leão fosse capada”, conseguiram “obrigar que um doador de esperma [fosse] responsabilizado pelas crianças geradas pelo esperma doado”, e conseguiram “ameaçar a realização de concursos de beleza” (André vê como mal terrível pra humanidade se concursos de miss desaparecem). Na realidade, se você clicar em cada um desses links (todos de um site que tem notícias sobre a Suécia em inglês) verá uma história um pouco diferente. Sobre o leão capado, na realidade não foi uma estátua (sei que seria mais simbólico imaginar que feminazis foram até a estátua e zap, emascularam o leão), mas uma insígnia. O brasão do exército sueco trazia um leão com aquilo roxo, como já disse um dos nossos piores presidentes. E as feministas, se bem que não tá nem explicado que seriam feministas, apenas soldados mulheres (soldadas?), acharam que, como tem mulher no exército, aquela representação tão máscula não as representava. E o artista apagou o pênis do leão. É uma perda irreparável, eu sei.
No segundo exemplo, um casal de lésbicas teve três filhos com o mesmo doador de esperma e, depois que elas se separaram, uma delas pediu ao pai pensão para as crianças. A palavra feminista não é mencionada uma só vez no artigo, muito menos feminazi. Logo, por que elas seriam feministas? Ah, porque são lésbicas, é mesmo! Esqueci que toda lésbica é feminista e toda feminista é lésbica e toda feminista é feminazi. Que memória a minha!
O terceiro link é sobre o cancelamento do concurso de miss na Suécia. O artigo não cita qual movimento feminazi, ou sequer feminista, foi contra o concurso. É que entrevista apenas uma fonte, um “rei do biquíni”, o dono dos direitos do concurso (André desconhece que as feministas, nos anos 60, não queimavam sutiãs, mas já atrapalhavam concursos de misses, aquelas femininazis horríveis, proibindo que empresas de maiô lucrassem os tubos, quero dizer, que mulheres pudessem ter o direito de se liberar mostrando seus corpos).
Mas André cita esses três casos como mostra irrefutável que, sim, as feminazis estão dominando o mundo. Que tanta asneira ganhe espaço no blog de um progressista como o Nassif é mais um exemplo de que ninguém precisa ser um fascistóide como o Rush Limbaugh para ser preconceituoso. O post do André pode ser um estudo de caso: como falar um monte de besteiras sem citar uma só estatística e ser publicado como post num dos blogs mais acessados do país.

UPDATE: Além da Mari Moscou, que lembrou o que eu sempre tento desconsiderar (que "progressista" também tem preconceitos), a Cynthia publicou um apanhado geral do dia no blog dela, e eu deixei lá este comentário: Cynthia, só estou voltando agora ao computador (meia noite e meia), e nem sabia que Nassif tinha me chamado de barraqueira. Obrigada pelo resumo muito pertinente, que representa um excelente registro do que faz um blogueiro-estrela ao ser questionado. Sandálias da humildade pro Nassif! Ele tinha mil e uma maneiras de lidar com as críticas: podia admitir o erro, podia pedir desculpas, podia publicar o seu post, ou o meu (o seu certamente está mais educado), podia dizer que sente-se intimidado com o feminismo, mas que deseja aprender para tentar mudar. Mas não. O jeito que ele enfrentou a situação foi desqualificando quem criticou. Impressionante! E vc falou muito bem: ele está fingindo que combater o machismo (a que ele deu destaque no blog dele) é papel das mulheres "brabas", não dele ou de outros homens. E não tinha me dado conta que o blog dele foi o primeiro "progressista" a publicar o termo feminazi. Mas parabéns, Nassif. Hoje vc se equiparou a seu pior inimigo na blogosfera, Gravataí Merengue. Ele sim usa "feminazi" direto, principalmente contra mim, esta barraqueira que já te defendeu contra ele. Não mais. Vejo que a opinião dos dois sobre feministas, e, óbvio, sobre mulheres em geral, é bastante parecida.




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