COMO LIDAR COM A PRESSÃO PARA TER FILHOS
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COMO LIDAR COM A PRESSÃO PARA TER FILHOS


"Não quero ter filhos. Isso não me faz menos mulher, nem uma pessoa ruim"

A N., de 24 anos, me enviou este email:

"Oi, Lola! Eu era uma pessoa 'normal' na vida, cometendo normalidades atrozes como ofender as feministas com todos aqueles adjetivos que vc deve conhecer tão bem; rindo de piadas preconceituosas. A única causa que eu defendia era a gay, e apenas a defendia por ser bissexual. Tive que ouvir muito nessa vida que eu era confusa, que tinha que me decidir ou que estava seguindo onda. Me doía e defendia, mas poxa, e a dor dos outros? Dói diferente da minha? Então eu passei a me policiar cada vez mais nos preconceitos, até naqueles mais 'inocentes', como o musical.
Mas ano passado, com a Marcha das Vadias, eu fui atrás porque gosto muito de saber o porquê das coisas, e vi uma causa legítima. E vi que eu falava mal do feminismo por não conhecê-lo. E não me lembro bem como cheguei no seu blog, mas foi em meio a vários links que levam de um lugar ao outro. Li muito dele, salvei e baixei livros feministas, e mesmo às vezes não podendo atuar na causa de forma mais ativa, sinto que me informando melhor já melhoro como pessoa. E afinal, uma pessoa melhor no mundo não faz um mundo melhor?
Essa minha breve explicação de como cheguei no seu blog é pra embasar a minha real questão. Li num post seu que vc cita o fato de não querer ter filhos mas apenas como um fato, sem estender. Hoje eu sou casada com um homem, mas a minha decisão desde sempre é que também não os quero. Tanto que na infância eu tinha pesadelos sobre estar grávida e mesmo antes da primeira relação sexual eu tinha receios quando meu período atrasava. Vê se pode!
Meu marido concorda plenamente comigo e já pensava assim antes de nos conhecermos; até aí tudo ok. Acho que os motivos não são relevantes. O real motivo desse email é o seguinte: como lidar com a pressão social sem mandar todo mundo à m*rda e dizer: NÃO QUERO E PONTO! MEUS MOTIVOS NÃO SÃO DA SUA CONTA! Sou bem enérgica e muitas vezes pareço grossa mesmo sem dizer palavrões ou ofensas diretas. Estou tentando mudar isso também e não quero criar indisposições com ninguém, tô tentando crescer, como já disse.
Porque pros amigos, pros colegas de trabalho eu só solto um "não tenho suporte financeiro ainda, preciso de mais estabilidade", e cola. Ou ainda que não é a hora. Mas a família (mais a dele que a minha) cobra incessantemente, e quando me perguntam quando eu terei meus filhos, já soltei alguma coisa próxima com: "Talvez na próxima encarnação". A cobrança foi ficando maior. Eu já pensei até em falar que somos incompatíveis geneticamente, ou que um de nós é estéril. Mas tem aquela né, pra quem não queria, andou pesquisando a fertilidade demais. 
Como se defender de gente que acha que eu sou obrigada a por filho no mundo só porque eles fizeram? Você pode falar sobre o assunto? Sobre mulheres em geral que optaram não ter filhos e porque elas não são a face do mal que há no mundo?
Outra parte do assunto é além disso o meu medo pavoroso e galopante de engravidar. Eu odeio camisinha (e sei que não estou certa), mas pra mim é incômodo e desconfortável, e se tiver ela na jogada, meu prazer some. Eu tomo pílula de 24 comprimidos, mas se eu esqueço uma eu fico o resto do mês sem sexo, só de medo. E as injetáveis, já ouvi muitas histórias que se aplicada de forma errada, ou se faltar uma gota, já tem um risco. Um gineco me indicou o DIU de hormônio que diz ter validade de 5 anos. Mas eu temo tudo! Sempre acho que aquele 0,0001% vai ser eu. Como lidar?
Excelente seu blog, você é uma pessoa linda e que precisamos de muitas assim no mundo. Tudo de ótimo pra você. Só tenho a agradecer, várias vezes, por seus textos."

Minha resposta: A pressão pra ter filhos realmente é grande, e maior pra mulher que pro homem. Eu me lembro de muitas vezes que fui cobrada por quase desconhecidos pra "cumprir meu papel de mulher", mas o maridão raramente ouviu uma cobrança parecida. Acho que a cobrança aumenta entre os 30 e 40 anos, porque as pessoas veem o período como uma última chance de te salvar. E também quando a gente está perto de grávidas. É batata que alguém vai perguntar: "E o seu, vem quando?", como se você fosse uma mulher incompleta por não ter filhos.
Hoje estou com 45 anos e devo confessar que já faz um tempinho que as cobranças diminuiram. Não sei se é porque estou começando a sair da idade fértil, porque a galera já me vê como caso perdido mesmo, ou se eu parei de ligar. Hoje as perguntas são mais no passado, porque ainda não é tão comum estar numa relação estável de tantos anos (22 anos no meu caso) sem se reproduzir.
Nunca fez parte do meu projeto de vida, nem do maridão, ter filhos. Nunca me imaginei mãe, nunca foi um sonho. Talvez por eu ser feminista desde tão jovem, eu nunca acreditei na ideia de que mulher precisa ser mãe pra se realizar, nem que mulher sem filho é "seca", nem em instinto maternal (uma construção social, como qualquer pessoa que estuda o mínimo de história pode constatar). Todo esse condicionamente passou longe de mim. Também tem um pouco de conformismo e até egoísmo na minha decisão com o maridão: nossa vida tá boa como está, pra que mudar?
A realidade é que o número de casais sem filhos só aumenta. Hoje já somos 21,7% dos lares, de acordo com o IBGE. Aliás, a "família tradicional" (pai, mãe, filhos) já não é mais maioria no Brasil, o que pros conservadores é sinal que o apocalipse está próximo. Segundo o Censo 2010, as brasileiras têm cada vez menos filhos e são mães mais tarde. A taxa de filho por mulher caiu quase 22% na última década, e hoje é de 1,86 filho por mulher (o que pode ser um problema, porque nossa população vai encolher, mas aí já é assunto pra outro post).
As mudanças são rápidas, mas a mudança de mentalidade, nem tanto. Muita gente ainda fala do Brasil como se fosse comum, hoje em dia, ter cinco, dez filhos. Quando você apresenta essa estatística pra eles (média de filhos por brasileira de 1,86), simplesmente não acreditam. Se não creem em números concretos, como é que vão acreditar que mulheres podem ser o que quiser na vida, inclusive não ser mães? Que o "valor" de uma mulher não está associado a sua capacidade de se reproduzir (ou de decorar o mundo, ou de manter-se virgem)? Você conseguiu abrir sua cabeça, mas tem gente que vai levar pro túmulo os mesmos valores de seus tataravós. Essa gente vai morrer frustrada, porque viu que foi incapaz de brecar as mudanças. Vai morrer crente que o mundo está um lixo mesmo, lamentando deixar pros filhos o legado de sua miséria.
A miséria dessa gente, no caso, é que o mundo mudou pra melhor e eles não acompanharam. 
Acostume-se, porque a pressão da parte de familiares ainda virá por muito tempo. Deixe claro que você não quer filhos, seu marido também não, e que esta é uma decisão que cabe apenas ao casal. Também saiba diferenciar: nem sempre o "Vocês têm filhos?" é uma cobrança. Às vezes é o jeito que as pessoas iniciam um bate-papo. Comigo geralmente a pessoa pergunta se tenho filhos, respondo que não, a pessoa pergunta: "Por que não?". E eu digo o que digo aqui, que nunca fez parte do meu projeto de vida. 
De vez em quando a pessoa fica muito decepcionada com a resposta, como se eu estivesse deixando o planeta na mão, sabe, e aí eu emendo que talvez eu ou meu marido sejamos estéreis, porque a gente já tá junto faz tanto tempo e nunca engravidou. Mas esta não é uma boa alternativa, porque a pessoa pergunta: "Você já fez exames?", e eu digo que não, já que nunca quis ter filhos, e a pessoa termina com um "Mas você sempre pode adotar". Ou seja, fica um diálogo de surdos, com a boa alma querendo resolver um problema que nunca foi um problema.
E lembre-se que, se você tivesse um filho, alguém te cobraria pra ter mais um. Se você tivesse dois meninos, alguém iria falar pra você tentar ter uma menina. Se você tivesse três, alguém te diria que é filho demais. E se você estivesse grávida, todo mundo iria passar a mão na sua barriga. Ou seja, intrometidx é o que não falta.
Agora, isso que você descreve de pânico de engravidar é algo que tenho ouvido com certa frequência ultimamente.
Não entre em pânico! Tome todas as precauções. Infelizmente, você fazer uma ligação de trompas ou seu marido fazer uma vasectomia é muito difícil. Muito médico se recusa a realizar essa cirurgia em alguém sem filho. Continue tomando sua pílula, torça pra que a pílula masculina venha logo, acompanhe o ciclo do seu corpo, e tenha cuidado com qualquer medicação que possa alterar o funcionamento da sua pílula. Assim as chances de engravidar são pequenas. Mas nada de paranoia. Prevenção é uma coisa, pânico de engravidar é outra.
Voltarei ao assunto de não ter filhos, pois é uma pergunta constante, que várias leitoras fazem. Ah, já falei um pouquinho sobre ter filhos como missão aqui.




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