"VOCÊ NÃO SE ARREPENDE POR NÃO TER SIDO MÃE?"
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"VOCÊ NÃO SE ARREPENDE POR NÃO TER SIDO MÃE?"


A R. me enviou este email:

Escrevo, pois estou a ponto de explodir e acredito que aqui seja um espaço para que eu possa buscar um pouco de luz para a maior dúvida da minha vida: devo ou não ser mãe?
Bom, tenho 38 anos, vivo um casamento cheio de amor há mais de dez anos, sou bem sucedida na minha profissão e até ontem acordava feliz todos os dias e cheia de sonhos na cabeça. Contudo, de dois/três anos para cá, não penso em outra coisa que não essa questão que vem dilacerando a minha alma.
Sei que você optou pela não maternidade e gostaria de saber como isso funcionou ou funciona para você, se foi ou se ainda é um fator de conflito ou se demandou muita reflexão.
Sabe, não consigo encontrar motivos para ter filhos, a não ser os motivos que povoam o senso comum: ter a minha família, ter companhia nos próximos anos, “amar incondicionalmente”,  participar de outros círculos familiares, etc.  Na verdade o que eu mais gostaria nessa vida era poder ter nascido com esse desejo da maioria das mulheres que conheço, ou seja, de parir por parir, de parir por um querer mais “natural” que racional -– se pensarmos racionalmente é um absurdo trazer alguém para esse mundo pelos nossos motivos.
Gostaria de poder conhecer mais pessoas, de encontrar espaços onde eu pudesse partilhar esse sentimento sem me sentir uma pessoa tão estranha e tão sozinha -– me sinto cada vez mais numa caverna, pois todas as minhas amigas já tiveram ou estão se preparando para ter filhos, não temos nem mais assunto ou o que compartilhar sem cair na tecla de sempre.
Recentemente descobri um blog que me deixou surpresa, um espaço onde mulheres deixam os seus desabafos sobre como odeiam ser mães, e de como gostariam que as mulheres não silenciassem sobre esse sentimento, pois poupariam muitas de entrar nesse caminho sem volta, nesse universo por vezes bem sombrio.
Mas, mesmo lendo esses desabafos, fico na dúvida se no futuro ficarei arrependida, aliás, o que me faz achar que devo ser mãe é justamente o futuro, um futuro que tem deixado o meu presente tão angustiante.
Sei que tudo isso parece uma questão banal, tão boba perto de tantos conflitos que leio por aqui, mas, enfim, já que a terapia não tem me ajudado, nem as medicações, nem terapias alternativas (não consigo encontrar uma profissional que não seja mãe para criar uma empatia nesse aspecto, pois quase todas dizem que eu devo ser mãe por ser o natural da vida), talvez trocando experiências com quem passou dos 40/50 sem conhecer a maternidade possa ser um caminho para que eu encontre um pouco de paz.

Minha resposta: Acho que é um caminho sem volta. Quando você é mãe, você é mãe, ué. Não dá pra desistir no meio, não dá pra voltar atrás e dizer "Que droga, não quero mais ser mãe!" Pelo menos enquanto o filhote morar com você, você é mãe. Depois, vocês podem até se afastar. Por isso, não sei o que pensar de um blog em que mães expõem como odeiam ser mães. Parece um sofrimento desnecessário, já que elas não podem deixar de ser mães. 
Podem, óbvio, diminuir a importância da maternidade em suas vidas, empenharem-se em outras atividades, mas, sei lá, ficar falando de arrependimento? Entendo que até pode ser válido um blog falar sobre isso, já que é um grande tabu, assim como a depressão pós-parto (é incrível como pouca gente fala de depressão pós-parto, que é tão comum -- aliás, se alguém quiser enviar um guest post sobre isso, publico).
Não conheço as histórias dessas mães que se arrependem. Se eu tivesse filhos que dessem muito problema, acho que me arrependeria também. Porque a vida é tão simples sem filhos! Sei que é mesquinho da minha parte pensar assim, mas às vezes vejo crianças e adolescentes problemáticos, que gritam em casa, que ameaçam os pais, que praticam bullying com os coleguinhas, que maltratam animais, que têm mil e um preconceitos que você não sabe de onde vieram, já que os pais são gente boa -- e aí eu agradeço muito não ter filhos.
Sinceramente, não foi uma decisão difícil pra mim. Eu nunca sonhei em ter filhos, nunca fez parte do meu projeto de vida. Nunca tive "instinto maternal", se é que isso existe. Quando eu brincava de boneca, na minha infância, não trocava fralda ou dava papinha. Minhas bonecas tinham carreiras. Uma era dona de banca de jornal (ou era jornalista?) e eu desenhava um monte de capa de revista, com chamada e tudo, pra ela vender. Era muito mais interessante que ficar desenhando modelitos de roupa.
Isso não me faz melhor ou pior que ninguém. Só estou querendo dizer que nunca tive o desejo de ser mãe. E tive a sorte de me apaixonar por um homem que também nunca teve desejo de ser pai. Estamos juntos há 24 anos, e nunca nos arrependemos dessa escolha. Teria sido horrível, e duvido que nosso casamento tivesse durado, se um de nós quisesse filhos, e o outro não. Mas nunca aconteceu. 
Houve uma vez, uma vez apenas nesses 24 anos, que minha menstruação atrasou e eu fiquei com medo de estar grávida. Foi há uns 6 ou 7 anos, antes de viajarmos pro meu doutorado-sanduíche. Até fiz um teste de farmácia, mas no fundo eu sabia que não estava grávida. Na época, eu e o maridão chegamos a falar sobre o que faríamos se eu estivesse mesmo grávida. Teríamos o filho, mas falamos nisso sem nenhum entusiasmo com a ideia. Porque nunca foi nosso projeto. A gente planejou não ter filhos, e a gente não teve filhos. Conseguimos! Missão cumprida.
Porém, eu vejo crianças lindas, eu vejo mães e pais super felizes com suas escolhas de terem filhos. Acredito mesmo que pode ser ótimo pra algumas pessoas. Outro dia conversei com uma senhora de 86 anos numa clínica onde fui fazer exame de sangue, e ela estava muito bem de saúde e disposição. No final, ela contou que tem dez filhos (teve todos de parto natural) e que se arrepende de não ter tido mais, porque são todos maravilhosos.
Não digo que meu coração já balançou alguma vez, mas meu convívio mais próximo com duas crianças foi muito lindo. O primeiro foi o Jimmy, filho da Ju. Era fantástico jogar pôquer com ele, dançar com ele, conversar com ele sobre mil e um assuntos, ele pulando na minha barriga... Mas só estou lembrando do lado bom, né? A Ju sofria pra fazer com que ele comesse. E uma vez, uma vez só, ela me pediu pra que eu o ajudasse a fazer a lição de casa, e foi um inferno, porque ele simplesmente não queria estudar coisa alguma.
Mais recentemente, conheci a Juh, filha da Kah e do Bruno. Passei belos dias com eles em João Pessoa no ano passado. A Juh também pulava na minha barriga (parece que é passatempo infantil número 1), tentava arrebentar meu maiô, me forçava a jogar bola com ela e ler historinhas antes d'ela dormir (não que ela tivesse a menor intenção de dormir). 
E acho que sempre vou amar essas duas crianças, Jimmy e Juh, que tocaram tanto a minha vida. Mas uma coisa é passar uns dias com eles, outro é ser mãe deles. Isso eu não quis.
A gente tem substitutos (pobres) pra isso. Temos dois gatos queridos (sinto falta de cachorro). Lógico, nunca vou ensinar os gatos a jogar pôquer, o que não deixa de ser frustrante. Mas também nunca vou ter que forçá-los a fazer lição de casa.
Depois de ler seu email, fiquei pensando no que me arrependo na minha vida. E é muito pouca coisa, sabe? Não ter tido filhos definitivamente não é uma delas. Mas me arrependo de ter largado a faculdade quando tinha 20 anos. Teria sido muito melhor mudar de curso. Isso teria me poupado anos de graduação no futuro. (Não façam isso, crianças, não abandonem a faculdade. Troquem de curso, se não estiverem gostando, mas não desistam).
Será que me arrependo de não ter aproveitado a chance de ter ido pros EUA quando eu era jovem, e ter cursado a faculdade lá? Hmm, acho que não. Eu não queria ficar anos longe do meu amado pai. Foi por isso que não fui. Se tivesse viajado, não teria estado com ele em seus últimos anos de vida. Aliás, um dos motivos pra não ter filhos é que eles nunca iriam conhecer um avô fenomenal.
Ah sim, me arrependo de não ter começado o blog antes, lá por 2000 e pouco. 
E fim dos arrependimentos.
Creio que ter filhos pra que no futuro alguém tome conta de você pode trazer grandes frustrações. Porque, né, o que mais tem é filho que não faz isso. E é incrível como tem gente que tem filho pensando nessa "garantia". Filho como uma apólice de seguro: não recomendo. De resto, eu não preciso de filhos pra ter tudo isso que você aponta. Tenho a minha família (maridão, gatos, mãe, que mora com a gente). Sinto muito amor. Não sei se é incondicional, talvez eu nunca saiba. Mas não sinto falta de ter que organizar festinhas de aniversário ou ir a festas infantis (se bem que tem os brigadeiros. Muito melhor que casamentos).
Mascu fez um dossiê completo contra
mim. Segundo ele, isso vai me render
10 anos de cadeia. Um dos meus
crimes: não ter filhos. Ele até tirou
prints do meu blog como provas.
Mas querida, essas coisas todas só se referem a mim. Não posso te dizer o que fazer. Se você não quer ter filhos, por que se forçar a tê-los? Só porque todas as suas amigas têm? Só porque você acha que, no futuro, pode sentir falta? (Se for o caso, você pode adotar). Só nos sentimos "estranhas" porque a sociedade faz o que pode pra gente se sentir assim. Eu, honestamente, não vejo nada de estranho na minha decisão (que também foi a decisão do meu marido, e, no entanto, sou muito mais cobrada do que ele). Mas muito mais estranho, pra mim, é seguir um roteiro pré-fabricado que nunca foi meu.
Portanto, escolha seu caminho baseado nos seus interesses, não nos dos outros. E não olhe pra trás.

Resposta da R.: Nossa, você não imagina como é bom conversar com alguém, que não seja um terapeuta, sobre isso. 
Entendo absolutamente tudo isso que você falou, também nunca tive esse sonho, sempre sonhei em ter uma bela carreira e viver um grande amor, filhos eu até imaginei que teria um dia, algo como consequência, mas nunca foi algo sonhado ou desejado. 
Sempre fui adiando e dando desculpas a todos: primeiro a graduação, depois o mestrado, depois o doutorado, enfim, etapas formacionais concluídas (já tô no pós-doc). Não me restam mais desculpas, e o tempo me pegou na esquina. Sofro pressão de todos os lados (menos do maridão, que é maravilhoso), mas acho que sofro mais ainda com a minha pressão interna.
Ano passado estava tentando tomar pílula (só uso camisinha) devido a meu problema com acne e passei por umas três médicas. Todas me disseram que não passariam remédios para mim pois eu deveria mesmo era engravidar. Uma delas (procurei pelo lattes a melhor profissional da cidade) me disse que eu nunca conheceria o amor de verdade se não fosse mãe de três como ela; saí dessa maratona com uma bateria de exames pré-gravíticos e me sentindo uma ET, uma transtornada mental por não desejar gerar. 
Sabe, sei que sou rodeada de amor: maridão, mamis linda, irmãos, meus gatos, minha profissão, e ainda assim fico com essa tortura, e me sinto ridícula sentindo e falando sobre isso enquanto o mundo tá cheio de problemas, mas é que estou mesmo sufocada, depressiva e precisando absurdamente desabafar. 
Grata por ter esse espaço de alento para nós mulheres, grata por compartilhar suas experiências, grata por nos ouvir.




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