Geral
Constituição veta cartelização da mídia
Por Luis Nassif, em seu blog:
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres ambiciona a unanimidade, a radicalidade, a plenitude - palavras que, como poeta, gosta de exercitar.
Nas discussões da Lei de Imprensa, é o que o leva a discorrer sobre os dois ângulos básicos – os direitos fundamentais e as responsabilidades inerentes – e permitir ao interlocutor utilizar o que bem lhe aprouver. Parece não se importar muito com o resultado final da explanação: a maneira como seu discurso chega à opinião pública.
Nos últimos meses são recorrentes entrevistas onde trata o direito de imprensa como valor absoluto – superior a todos os demais, inclusive os direitos individuais.
Na entrevista que me deu, explica que sempre expõe os dois ângulos da questão. Mas a “grande mídia” só divulga um deles. Ora, se a palavra do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) chega a todo o poder judiciário através de suas entrevistas na mídia, porque permite que as entrevistas sejam sempre instrumentalizadas?
Em uma hora e meia de almoço agradável em Brasília, Ayres expôs seus pontos de vista sobre a Lei de imprensa e sobre as mudanças na mídia - que ele taxa como mudanças de ruptura, devido ao advento da Internet.
Cabe ao STF zelar pela Constituição e Ayres Britto é fundamentalmente um constitucionalista. Então, sua visão sobre a liberdade de imprensa corresponde ao que entende que a Constituição reza, além da análise comparada com o direito em países de democracia madura.
Diz Ayres Britto que o país atravessa momentos de ruptura em todas as áreas. E que o STF está atento a essas mudanças, tomando a dianteira de uma série de bandeiras modernizantes, como a morte dos anencéfalos, o casamento homossexual e assim por diante. É fato.
Diz também que a imprensa atravessa o mais importante momento da sua história, a grande ruptura com a democratização dos meios de comunicação, através da Internet.
Feito o preâmbulo, expõe seu raciocínio sobre a liberdade de imprensa.
Liberdade de imprensa como direito absoluto
A Constituição estabeleceu o essencial e o lateral para a liberdade de imprensa.
O essencial, a radicalidade – diz Ayres – é que sob qualquer forma a liberdade de imprensa não poderá sofrer nenhuma restrição, “observado o disposto nesta Constituição” – ou seja, a liberdade de imprensa sujeita-se diretamente à Constituição, não às leis. O parágrafo 1o já é definitivo: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir em embaraço à plena liberdade de informação jornalística”.
Significa que, sob nenhuma hipótese, haverá censura prévia, veto à manifestação do pensamento, criação, expressão e informação. E a Constituição chamou a si esse dispositivo, tirando do campo das leis. Ponto.
Há dois blocos de direitos fundamentais, diz ele: um constituído pelos bens jurídicos - intimidade, vida privada, honra e imagem; bloco de bens de personalidades. O segundo bloco é a manifestação do pensamento, criação, expressão e criação. Os dois blocos tendem ao tensionamento, diz Ayres.
A Constituição fez sua opção: no limite, no entrechoque, vou preferir a liberdade de imprensa. Depois, vou cobrar no plano das consequências: direito de resposta, indenização, injúria, calúnia, difamação.
É como se Constituição dissesse: eu vou pré-excluir a apreciação do juiz em relação aos dois blocos.
Os limites à liberdade absoluta
Publicada a notícia, entra-se no campo das responsabilidades. É aí que se definem os limites ao poder absoluto da mídia.
Respeitado o sigilo de fonte, a Constituição prevê o direito de resposta, proíbe o anonimato, criminaliza os excessos que caracterizam calúnia, injúria e difamação, diz Ayres Britto.
A questão é que em todas as manifestações públicas de Ayres, há a defesa intransigente da liberdade de imprensa como valor absoluto, e nenhuma das responsabilidades inerentes ao exercício desse poder.
Diz Ayres Brito:
- Sempre atendo ao convite da grande imprensa para falar sobre o tema. Mas nunca deixo de dizer que ela pratique a mesma democracia que exige externamente. Só que, quando faço advertências, a imprensa não publica.
Há poucos dias Ayres falou em São Paulo a convite do Ives Gandra da Silva Martins. Segundo suas palavras, sua mensagem foi a seguinte:
- Ninguém é ingênuo para ignorar que a imprensa é constitutiva de um grande poder social. Como dizia Montesquieu, quem detém poder tende a abusar dele e só esbarra quando encontra limites externos. Disse com todas as letras: é preciso que discutamos sobre o poder social da liberdade da imprensa na perspectiva do controle. E que não pode ser controle estatal.
Divulgou-se apenas o direito absoluto, não a necessidade de formas de controle social.
- Quando faço advertências, a imprensa não publica. O que me cabe é explicar o voto, e o voto tem dois lados. Imprensa só coloca o lado que interessa.
Cartéis e monopólios
A palavra do presidente do STF chega a todo o poder judiciário através das entrevistas que ele dá – muito mais do que das súmulas, de alcance restrito. Se a imprensa divulga apenas parte do discurso, há algo de errado.
Ayres Brito concorda.
- A Constituição é cautelosa. No parágrafo 5o diz que os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. A Constituição proíbe oligopólio e monopólio.
Ora, então tem-se uma situação de fato que conflita com o disposto no espírito que rege a liberdade de imprensa.
Explico meu caso: meses e meses sofrendo toda sorte de abusos da revista Veja, de colunas difamatórias na revista a toda sorte de difamação nos blogs. Quando recorro ao Direito de Resposta, a juíza Luciana Novakoski Ferreira postergou por três anos o julgamento, alegando que a revogação da Lei de Imprensa acabou com o Direito de Resposta.
Ayres Britto é taxativo: não acabou.
Na semana passada ele anunciou a criação de um fórum no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) visando impedir que juízes de primeira instância sobreponham os direitos individuais, os chamados bens jurídicos, ao primado da liberdade de expressão.
Ayres Britto diz que houve má interpretação sobre esse fórum. Sua intenção será estudar as relações entre poder judiciário e liberdade de imprensa, mas tematicamente. Não lhe cabe, nem é da função do CNJ, entrar no mérito das decisões judiciais.
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