CORPOS PERFEITOS
Geral

CORPOS PERFEITOS


Sei que esta notícia já é antiga (coisa de uma semana, o que é antiguidade em se tratando de internet), mas não queria deixar passar em branco. A esta altura quase todo mundo deve ter visto esta "matéria" da revista Marie Claire (clique para ampliar). 
A matéria, ou nota, publicada em 1 de outubro, tinha como título: “Izabel Goulart se despede do Rio e mostra corpo perfeito” E dizia: “Izabel Goulart, sensação do último fim de semana no Rio de Janeiro, se despediu da cidade, na cobertura do Hotel Fasano com uma linda foto de biquíni. Na imagem, compartilhada em seu Instagram, a top brasileira mostra o corpo perfeito que encanta na Victoria´s Secret. Ao fundo, a vista paradisíaca da 'Cidade Maravilhosa'. Entre os fãs da Angel, muitos elogios ao corpo perfeito da top. 'Perfeita... me mata de orgulho' e 'Tchau, vida, vou morrer com essa barriga' foram alguns dos comentários dos seguidores de Izabel. Quem não sonha com esse corpo, não é?”

Pois é, quem não sonha com esse corpo "perfeito"? A julgar pelos comentários na matéria, muita gente:
"Corpo perfeito? essa matéria está ensinando as meninas de hoje a serem doentes, essa mulher precisa é de uma ajuda de nutricionista, logo."
"Parece uma doente terminal de câncer, só faltou estar careca... Não sei onde um saco de ossos é dito 'corpo perfeito'."
"Isso não é beleza, é doença".
"Parece aquelas cracudas do Lins aqui no Rio".
"De perfeito não vejo nada, toda reta, muito magra pra tanto músculo, chega a ser feio, de roupa tudo bem, mas olhe lá!"

A revista acusou o golpe, e uma semana depois (demorou!), se retratou. Mudou o título para "Izabel Goulart se despede do Rio de Janeiro e fãs elogiam: 'corpo perfeito'". No texto, saiu o adjetivo "linda" antes da foto. "A top brasileira mostra o corpo que é conhecido na Victoria's Secret" (não mais que encanta). 
A matéria deixou o adjetivo "perfeita" na boca de fãs da modelo, não mais da revista. E, a parte mais problemática de todas -- "Quem não sonha com esse corpo, não é?" -- foi substituída por "Você concorda com os elogios?" Logicamente, uma pergunta retórica. Afinal, a Marie Claire só reescreveu a matéria porque viu que a maior parte dxs comentaristas não concordava.
A revista incluiu também um update: "Após a publicação desta nota, acompanhamos a reação das leitoras nos comentários e nas redes sociais e, de fato, reconhecemos que muitas delas (vocês) tinham razão. O texto não estava de acordo com a linha editorial de Marie Claire, que é a favor da diversidade e de um padrão de beleza saudável. Por isso fizemos ajustes e pedimos desculpas. Estamos em contato com os representantes de Izabel Goulart para que ela também responda aos comentários das leitoras de Marie Claire."
Há dois pontos bem interessantes neste update: primeiro, o óbvio, que a pressão das leitoras funciona. Segundo, que a nota originalmente publicada tinha sido nada mais que um press release, uma divulgação feita pelos empresários/agentes da modelo ou por alguma empresa, como o Victoria's Secret ou, talvez, até o Hotel Fasano. São os "publieditoriais" disfarçados de matérias jornalísticas que poluem revistas e jornais. Provavelmente uma nota dessas não foi paga. Mas foi publicada pela revista sem que ela pensasse duas vezes. 
Isso fica claro quando a revista explica, no update, que pediu aos "representantes de Izabel Goulart para que ela também responda aos comentários das leitoras".
Apesar da atitude da revista ter sido deplorável (escrever ou meramente publicar uma nota em que um corpo é tido como perfeito e sonho obrigatório de todas e todos), a reação das leitorxs não foi bonita. Nessas poucas mensagens que colhi na primeira página de comentários, vemos o típico body shaming, ou seja, xingar um corpo por suas características (no caso, ser magro).
Perceba como os comentários que publiquei (e que, insisto, peguei de cara, sem procurar) associam a modelo a doenças: anorexia, câncer, vício em crack. Isso não é muito diferente de quem insulta gordas fingindo estar preocupado com sua saúde, é? Você conhece: gordas vão morrer (pessoas magras e com o "peso ideal" -- ideal pra quem, cara pálida? -- vivem para sempre), têm colesterol alto, não conseguem se mexer, são "bolas de sebo", não deveriam ir à praia, muito menos de biquíni, eca! 
Existem muitas mulheres (e homens) magras com um corpo parecido ao de Izabel. A maior parte delas não é modelo. Mas você deve conhecer várias. Muitas comem bem e fazem de tudo pra engordar, mas não conseguem. É o biotipo delas. E, acredite: elas são incrivelmente criticadas por terem o corpo que têm. Parentes, amigos e conhecidos pensam que essas moças são anoréxicas ou bulímicas, que elas estão doentes, frágeis, feias. "Quem gosta de osso é cachorro", dizem pra elas (eu mesma já escrevi essa frase em várias das minhas crônicas de cinema). E não há nada de errado em ser magra. Errado é impor a magreza como único padrão de beleza. 
Algumas moças tentam aproveitar sua magreza para virarem modelos. E, sei que não é fácil de acreditar, mas a primeira coisa que uma agência diz pra elas é que elas devem emagrecer ainda mais. Mesmo que, na vida real, o pessoal as associe a "esqueletos ambulantes", a maior parte delas ainda será gorda demais pra desfilar numa passarela. É só ver como tantas modelos contam que eram bullied na escola, consideradas desengonçadas, demasiadamente altas e magras. 
E por falar em escola, semana passada fiquei sabendo que alguns colégios americanos mandam "boletins do IMC" (índice de massa corpórea) pra casas de alunas. Uma mãe ficou indignada que sua filha de onze anos, muito atlética, jogadora de vôlei, recebeu uma nota dizendo que ela estaria acima do peso. Convenhamos: receber cartinhas institucionais monitorando seu corpo é meio caminho andado para desenvolver um sério distúrbio alimentar.
O IMC é um péssimo indicador para atletas, já que, por causa dos músculos, atletas entrariam na categoria de obesos. Se estamos mesmo preocupados com saúde, bom, pouca gente pode fazer tanto com seu corpo como um esportista. Ainda que os profissionais do esporte vivam feridos, operados, lesionados, digamos que seus corpos são mais "modelos de saúde" que os corpos de top models. E, ainda assim, veja a diversidade desses "corpos perfeitos":
Todos são atletas olímpicos. Dá pra dizer que o corpo de alguma delas não seja perfeito? Ou que um é mais perfeito que o outro? Baseado em quê, fora os nossos julgamentos estéticos, que não são bem nossos, mas moldados por uma cultura que determina quais corpos são perfeitos ou não?
Então é pra se pensar: o que é um corpo perfeito? Existe um? Ou o corpo perfeito é aquele que nos permite fazer o que quisermos fazer? Mas mesmo esta não seria uma definição um tanto capacitista -- em outras palavras, uma definição que deixa de fora pessoas com necessidades especiais?
Talvez, em vez de avaliar corpos alheios, em vez de determinar quem é bonita ou feia (porque os corpos de mulheres são muitíssimo mais avaliados que os de homens, já que ainda se considera que a principal qualidade de uma mulher é a beleza), perfeita ou imperfeita, capaz ou incapaz, saudável ou doente, devêssemos reconhecer a beleza em todos os corpos. Mas isso não é nada fácil. Exige treinamento. Exige assumir que somos condicionadxs a achar perfeito o corpo que toda uma cultura nos diz que é perfeito.




- O Segredo Das Mulheres Magras Finalmente Revelado
Sabe aquelas magras que comem de tudo e não engordam nada? Diariamente, milhões de corpos esculturais são publicados na internet, expondo o padrão que devemos e queremos seguir. Um referência que segue as medidas da boneca Barbie, no entanto, não...

- Não Confie Em Fotos De Transformação Corporal Na Internet
Vivemos em um mundo digital cercado por manipulações gráficas e falsas imagens. Isto é, especialmente, verídico quando o assunto é a indústria da beleza ou do fitness, em busca do corpo perfeito. Não é nada difícil encontrar na internet fotos...

- Deixem As Gordas Em Paz: Deixem As Gordas Em Paz
"Você emagreceu!" é automaticamente interpretado como elogio. "Você engordou" é algo que ninguém aceita bem.Você emagreceu!  Você está leve, está linda, está fina. Elegante. Está fazendo exercícios? Está comendo melhor? Parabéns!Você...

- 'angel' Piauiense Da Victoria's Secret, Laís Ribeiro Sofre Com Preconceito
  No mercado de modelos, ser uma "angel", mais do que status, é sinônimo de superexposição e contratos milionários com outras grifes que se aproveitam da imagem saudável e curvilínea vendida pela etiqueta.  Além de Ribeiro,...

- Praticamos Nossos Preconceitos Contra Quem?
Uma leitora, a Licianne, disse algo interessante sobre um post que escrevi contra o body shaming de modelos magras: “Pessoas se sentem mais à vontade para praticar seus preconceitos com quem acham que está 'protegida' pelos padrões”. Será?...



Geral








.