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PRATICAMOS NOSSOS PRECONCEITOS CONTRA QUEM?
Uma leitora, a Licianne, disse algo interessante sobre um post que escrevi
contra o body shaming de modelos magras: “Pessoas se sentem mais à vontade para praticar seus preconceitos com quem acham que está 'protegida' pelos padrões”. Será? Bom, sem dúvida, algumas pessoas, sim, vão sentir-se mais à vontade. Eu, por exemplo. Nunca faria piadinha insultando gordas, não porque eu sou gorda (inclusive, sou fã do humor autodepreciativo), mas porque é um tipo de humor opressor, e já tem gente demais fazendo isso. Porém, embora eu jamais tenha xingado alguém de "Sua magrela!", já escrevi várias vezes que a atriz ou modelo X é magérrima e que “quem gosta de osso é cachorro”. Lembro da frase que ficou na minha cabeça após ver um filme que tem grandes momentos, mas que também é kitsch nas últimas, Advogado do Diabo. Aquele em que o Al Pacino é o demônio, Keanu Reeves é aquele que vende sua alma, e Charlize Theron é quem sofre mesmo o pão que o diabo amassou. A frase que me veio é: o inferno está cheio de mulheres magérrimas. Porque todas as mulheres do filme são muito magrinhas, e todas elas parecem ter pacto com Satanás. Acho que depois cheguei a usar esta frase na minha crônica sobre O Diabo Veste Prada. Eu não achava que estava insultando alguém ao falar assim. Afinal, duvido que Charlize Theron ou Meryl Streep entendam português, e, mesmo que entendessem, duvido que me lessem. Então, como eu não estava ofendendo ninguém diretamente, eu não estava ofendendo ninguém, certo? Errado. Demorou pra ficha cair. Mais uma vez, quem me ensinou foram algumas leitoras. Num guest post sobre uma famigerada “escola de princesas”, postei um cartum em que a Cinderela descarta o príncipe. E elogiei principalmente a pichação que aparece no cartum, “Monarcas têm pau pequeno”. Algumas leitoras vieram me explicar que isso é body shaming, que não se deve identificar uma parte do corpo como algo negativo. No começo, refutei. Achava que aquele era um insulto genérico, não direcionado a ninguém especificamente. E também, pô, monarcas têm o poder. Fight the power! Mas elas me convenceram. Portanto, ao associar top models, mulheres que representam o padrão de beleza na nossa sociedade, ao inferno, eu não estou necessariamente lutando contra o padrão de beleza. Estou jogando mulheres magrinhas, que não são modelos, que são xingadas de tábua, palito, esqueleto, crackudas, tudo na mesma vala. Estou dizendo que é errado, e até meio pecaminoso, ser magra. Não acho que mulheres magras sofram tantas ofensas quanto mulheres gordas. Mas, como não estamos numa Olimpíada das Opressões para determinar quem sofre mais, vamos só concordar que todas sofrem. Ou concordar que magras também são vigiadas e punidas pela sua aparência invalida o sofrimento das gordas? Pra quem duvida que magras também são xingadas, deixe-me incluir aqui alguns relatos:
“Sabe o que acho engraçado? O meu corpo é naturalmente tão magro quanto o dessa modelo, mas ao contrário dela, não faço sucesso nenhum! Ninguém elogia o meu corpo, só ganho apelidos de mau gosto, tais como cabide, cabo de vassoura, tábua. Vivo tentando engordar, sem sucesso. A minha família e os meus amigos vivem dizendo que preciso ganhar alguns quilos, para o 'meu próprio bem'. Vejo modelos magérrimas fazendo sucesso nas passarelas, mas no mundo real, as coisas não são assim.” (Náy)
“Até os 30 anos eu era extremamente magra. Sempre fui uma criança magricela, tanto que minha avó me levava na 'benzedeira' para que eu engordasse. Quando adolescente, tive que fazer exame de sangue para provar que eu era saudável para parentes. Aguentei muito body shaming ('credo, como você é magra!', 'tem que comer, senão bate um vento e te leva embora!', 'quem gosta de osso é cachorro!'). E eu comia, comia bem e bastante, mas era meu biotipo mesmo. Depois dos 30 eu dei uma engordada (metabolismo deve ter mudado, sei lá), e me sinto ótima com meu corpo na maior parte do tempo. De vez em quando eu sinto falta da barriga sequinha de antigamente, mas passa. Acho que a gente tem que respeitar as mudanças do nosso corpo, sabe?” (Cherry)
“É um assunto que vem me incomodando há algum tempo e atingiu o seu ápice lendo os comentários sobre essa matéria da Marie Claire. Eu meço 1,55 m e peso 39 kg, isto faz do meu IMC em torno de 16, ou seja, abaixo do intervalo considerado saudável, mas dentro do padrão imposto por revistas de moda. Engana-se quem pensa que a minha rotina é só aceitação, pois sempre há aqueles que acham que eu deveria ser mais gorda, já que não é saudável ser tão magra assim. Fiz técnico em Nutrição e Dietética, não me considero uma profissional da saúde (atualmente, concluindo Engenharia Ambiental), mas acho que posso falar com um pouco de propriedade sobre o tema. A faixa de IMC considerada saudável (18,5 a 25)é baseada em um padrão médio da população adulta; porém, diante da multiplicidade de biotipos, os pontos fora da curva sempre serão muitos. Dessa forma, é muito possível que IMCs abaixo ou acima do ideal representem sim corpos saudáveis. Trata-se, portanto, de um índice norteador da condição nutricional, a qual só pode ser constada via exames clínicos. E lembrando que ser saudável é um conceito muito mais amplo do que ser adequadamente nutrido, que, por sua vez, vai muito além da massa corporal. Frequentemente, sinto que algumas pessoas (magras e gordas) tentam desqualificar o meu corpo como resposta à opressão que elas sempre receberam por não atender ao padrão de beleza imposto. Algumas mais gordas questionam a minha saúde, algumas mais magras comentam a minha magreza como se elas não compartilhassem da mesma condição e os dois tipos me lembram que secas sem bunda não são bonitas. O que pensam sobre o meu corpo não me abala, mas o que incomoda muito é me sentir objeto de uma disputa na qual eu não gostaria de ser envolvida, já que me sinto bem com o meu corpo e não vejo nada de errado no corpo das outras pessoas.” (Ruama)
“Ouço desde pequena diversos insultos direcionados não só a mim, como também aos meus pais. Por ter sido uma criança muito magra, sempre fui taxada de doente, anoréxica, anêmica. Já apontaram o dedo para minha mãe, acusando-a de não procurar um médico pra mim. Nos almoços de família, sempre entrava em pânico, pois algum parente ia comentar: 'essa menina não come','ela é doente', 'ela é fraca', e por aí vai... Mesmo depois de adulta, continuo ouvindo as mesmas coisas, mas aprendi a ignorar e não gerar ansiedade à mesa, pois o fato de pensar no que os outros falariam sobre meu corpo me inibia na hora de me servir. Hoje, consigo frequentar restaurantes numa boa, não ligo mais para o que dizem, mas não deixo de pensar no quanto foi difícil durante a infância e adolescência e o quanto ainda é para muitas meninas.” (Lidiane)
Eu de volta, voltando ao que disse a Licianne: “Pessoas se sentem mais à vontade para praticar seus preconceitos com quem acham que está 'protegida' pelos padrões”. Acho que o mundo ainda está no estágio em que a maior parte das pessoas sente-se completamente à vontade pra ser desrespeitosa com quem está fora dos padrões. Completamente mesmo. O menino é gordinho? É lá mesmo que vai a turma fazer bullying. A menina tem cabelo crespo, desse “cabelo ruim”, de negra? Nóis não somos racistas, mas vamulá, chamá o cabelo dela de bombril. A guria usa óculos? Opa, pra que mais existe o termo “quatro olhos”, se não pra usar contra alguém que usa óculos? Mas quem quer ofender vai tentar ofender qualquer uma, independente do tipo físico. É sério, se eu fosse a cara e o corpo de alguma miss universo, quem me odeia ia me chamar de horrenda, nariguda, cabelo égua lambeu, vassoura, sei lá (tem quem xinga até meus olhos verdes, sendo que olhos claros são o padrão de beleza no nosso país racista). Se eu fosse a própria miss universo, iam dizer que eu transei com todos os juízes pra conquistar o título. Vamos imaginar que uma mulher, a custo de muito, muito esforço, tempo e dinheiro, vire uma panicat. Uma gostosa. Magra, mas com coxão e peitão (99% das vezes siliconado, porque é mais comum mulher muito magra ter busto pequeno -– não estou querendo dizer que quem pôs silicone está errada, só querendo lembrar as meninas que aquele corpo “perfeito” não ficou assim naturalmente). Este sim é o corpo que toda mulher pediu a deus, né? Deste corpaço sim que ninguém vai poder reclamar! Ahn, lamento desapontá-la, mas vai ter um montão de gente que vai achar uma panicat gorda. Ou magra. Ou musculosa. Ou siliconada. E não estou falando só das mulheres que vão criticar a moça não. Vai ter um monte de cara que vai odiar a panicat porque ela certamente é uma puta que dá pra todo mundo menos pra ele, maldita! Vai ter cara que vai achar que aquela é mulher pra transar, nunca pra casar. Vai ter cara que nunca vai ver um cérebro numa mulher assim. Vai ter quem a ache burra e fútil apenas por ela ter aquele corpo. Vai ter quem diga que ela está velha e acabada depois de um ano na TV. Não tem como fugir. A única escapatória é ligar o f*da-se pra opinião alheia. E gostar de você mesmx. O pior erro é basear nossa autoestima no que alguém, principalmente quem nos odeia, pensa da gente. Pense como você se sentiu da última vez que alguém condenou sua aparência. Agora pense no que você respondeu pra última pessoa que disse que você é, ou está, linda. Não é curioso? Por que a gente tem tanta dificuldade pra aceitar um elogio, mas tanta facilidade pra acreditar naqueles que querem nos machucar?
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