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Crescer bem é mais difícil que estourar bolhas - MARTIN WOLF
VALOR ECONÔMICO - 14/10
Antes, quando os EUA espirravam, a economia mundial ficava resfriada. Isso continua sendo verdade. Mas agora, a economia mundial também fica resfriada quando a China espirra. O mundo perdeu seu último motor significativo de demanda movido a crédito. O resultado quase certamente será uma renovada injeção de "excesso de poupança" mundial, ou "estagnação secular", como Lawrence Summers a denomina - uma tendência no sentido de que a demanda seja fraca em relação à oferta potencial. Isto tem grandes implicações quanto aos riscos para a economia mundial.
Em seu mais recente relatório "Perspectivas Econômicas Mundiais", o Fundo Monetário Internacional manifesta um tom se não sombrio, ao menos cauteloso. A economia mundial deverá crescer 3,1% neste ano (em paridade de poder de compra) e 3,6% em 2016. As economias de alta renda deverão crescer 2% neste ano, com um crescimento de 1,5% até mesmo na zona do euro. As emergentes devem crescer 4% neste ano, abaixo dos 5% em 2013 ou 4,6% em 2014. Embora previsões sugiram que as economias chinesa e indiana crescerão, respectivamente, 6,8% e 7,3%, a América Latina deve sofrer retração de 0,3% - e o Brasil deverá encolher 3%.
O FMI também lista os riscos que merecem a atenção de qualquer pessoa preocupada: turbulências perturbadoras nos preços de ativos e nos mercados de ativos; crescimento ainda menor do produto potencial, que deverão debilitar o investimento e a demanda agregada; um declínio maior do que o esperado na produção chinesa; quedas adicionais nos preços das commodities; uma valorização do dólar, o que prejudicaria ainda a situação financeira dos tomadores de empréstimos em dólares, especialmente daqueles que tomaram empréstimos para financiar a produção de commodities; riscos geopolíticos; e maior enfraquecimento da demanda agregada.
O mundo ficou sem grandes economias em condições e dispostas a permitir o florescimento do crédito e de gastos. Isso significa que a demanda mundial poderá ficar ainda mais fraca nos próximos anos. As políticas e análises precisam adaptar-se a essa realidade
Então, consideremos o mundo como uma única economia. Se crescer conforme previsto, provavelmente crescerá, na melhor das hipóteses, de acordo com o potencial. Mas se algumas das coisas na lista derem errado, o mundo deverá sofrer por crescente excesso de capacidade e pressão desinflacionária. Mesmo que nada pior aconteça (e isso poderia, facilmente, ocorrer), mesmo assim seria motivo de preocupação, porque a margem de manobra de política econômica é agora bastante limitada.
Os países emergentes exportadores de commodities e endividados terão agora de apertar os cintos, assim como os países da zona do euro em crise tiveram de fazer alguns anos atrás. Assim como na zona do euro, essas economias buscam demanda externa para aquecer suas economias. Elas podem esperar em vão. Os países de alta renda já estão em um patamar quase zero, em termos de taxas de juro de curto prazo, ou próximos de zero. A capacidade desses países, ou pelo menos seu empenho no sentido de agir eficazmente em resposta a um grande choque negativo de demanda é bastante duvidosa. O mesmo poderá revelar-se verdadeiro até mesmo para a China.
Na última década e meia, as taxas de juro reais de longo prazo pagas por títulos de alta qualidade têm sido baixas, indicando uma debilidade crônica do investimento em relação à poupança e sinalizando aversão a riscos. No período até 2007, a demanda mundial necessária foi gerada em larga medida por expansões do crédito e pelo setor de construção civil, especialmente nos EUA e na Espanha.
Esse motor ficou sem combustível nas crises ocidentais de 2007-09 e nas crises da zona do euro de 2010-2013. Isso criou nosso mundo de juros nominais de curto prazo nulos e de juros de longo prazo reais nulos. A partir de então, a demanda e os produtos potencial e real permaneceram moderados nessas economias. Felizmente, o salto no investimento chinês alimentado a crédito em 2009 cumpriu seu papel, proporcionando um poderoso impulso aos exportadores de matérias-primas industriais e de bens de investimento. Mas agora isso também chegou ao fim.
Embora as economias de alta renda estejam se recuperando de seus choques, não se veem quaisquer sinais (ou probabilidades) de uma grande explosão nos gastos em relação ao produto potencial. Na zona do euro, um boom é particularmente improvável. A China pode ser capaz de sustentar um crescimento de sua demanda real de 7% ao ano. Mas para uma economia investindo bem mais de 40% do Produto Interno Bruto, mesmo isso significaria aumentar o excesso de capacidade. Também é muito mais fácil imaginar um declínio do investimento chinês em relação a sua poupança do que o oposto.
Em outras palavras, é quase certo que a China sofra um agravamento do déficit de demanda nos próximos anos. Enquanto isso, a capacidade certamente crescerá em muitos emergentes. Em termos agregados, parece certo que o excedente mundial de oferta potencial deverá agravar-se. É por isso que são grandes as probabilidades de as pressões desinflacionárias crescerem em todo o mundo.
Como deveria ser administrado um mundo nesse tipo de condição? Aqui vão as respostas para o curto, médio e longo prazos.
No curto prazo, é agora vital evitar um desaquecimento econômico significativo, que dirá algo pior. Os instrumentos para enfrentar tal condição não estão prontamente disponíveis, tanto por razões políticas como por outras razões. São arraigadas as resistências a políticas monetárias ainda mais não convencionais e a políticas fiscais expansionistas. Isso é tolice. Mas é também uma realidade. Assim sendo, é realmente importante não necessitar, absolutamente, desse tipo de políticas.
Para o médio prazo, porém, é vital para começar conversar sobre o que precisaria ser feito se a economia mundial vier a sofrer um choque, ou choques, negativos substanciais. A resistência a políticas ainda mais não convencionais pode ser reduzida se a maneira pela qual elas podem funcionar for detalhada cuidadosamente.
Quanto ao longo prazo, certamente deveria ser possível nos darmos conta de que um mundo com juros reais tão baixos proporciona enormes oportunidades de investimentos, especialmente nos países emergentes e em desenvolvimento. Em vez de desaceleração, deveríamos estar imaginando como criar um boom de investimento mundial. A China parece entender isso. Será o Ocidente também capaz disso?
O mundo ficou sem grandes economias em condições e dispostas a permitir o florescimento do crédito e de gastos. Isso significa que a demanda mundial poderá ficar ainda mais fraca nos próximos anos. As políticas e análises precisam adaptar-se a essa realidade. Comecemos já.
(Tradução de Sergio Blum)
Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT
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