Logo, fui ver “8 Mile” com poucas referências, sendo que uma delas era que o trailer foi fraquinho. Mas o filme é envolvente e honesto e, parece, tem relação com as origens do Eminem. E o Eminência Parda está ótimo no papel. Não sei se ele poderia interpretar Hamlet, mas ele se sai bem interpretando a si mesmo. E olha que estréia de astro pop no cinema é quase sempre traumática. É só ver como Britney Spears e Mariah Carey foram recebidas: ambas ganharam indicações pra Framboesa de Ouro no ato. Até hoje Madonna é desprezada como atriz, o que eu considero injusto, mas não vem ao caso. Lógico que as estréias de Britney e Mariah foram dirigidas por um Zé-Mané, um desses diretores de aluguel sem nome, e a de Eminem foi orquestrada por ninguém mais ninguém menos que Curtis Hanson. Curtis não é famoso como M&M, mas se ele morrer amanhã, Deus proíba, poderá gravar na tumba pelo menos um belo filme, “Los Angeles, Cidade Proibida”. Já é mais que 99% dos diretores atuais.
E aí a gente se pergunta: o que um cara com o prestígio do Curtis enxergou no roteiro de “8 Mile”? Mesmo que o resultado final tenha ficado bem acima da média, a história de um sujeito revoltado e pobre que consegue se superar não é exatamente um tema inédito. É verdade que não é tão comum ver na tela o “white trash”, a escória branca. Filmes que mostram americanos proletários não fazem parte do circuito de entretenimento de Hollywood, então destoa da realidade assistir à glamourosa Kim Basinger interpretando a mãe do M&M que mora num trailer e não tem dinheiro pro aluguel. Além disso, a cidade onde o enredo se passa é pintada sem nenhum atrativo – não dá a menor vontade de usar um adesivo do tipo “I (coraçãozinho) Detroit”. No começo, confesso que “8 Mile” me lembrou “Flashdance”. Sabe, operário de dia, artista à noite? Mas rapidamente o filme seguiu a trilha de sua inspiração número 1, que só pode ser “Os Embalos de Sábado à Noite”. Só que “Embalos” é muito mais amargo. Quem acha que o clássico de 77 era só o John Travolta rebolando ao som dos Bee Gees devia vê-lo de novo. “8 Mile” copia “Embalos” até na idéia do amigo avoado que idolatra o herói e acaba se machucando. Sai a discoteca, entra o rap.
E não tenho vergonha de dizer que prefiro a música disco mil vezes. Era alienada? Era, mas dava pra dançar. Respeito o rap como movimento, como forma de expressão de uma minoria, mas não empatizo com gente que trata as mulheres como “vadias”, que dispara “mother-fucker” a cada três palavras, e pra quem o maior insulto é chamar alguém de bicha. Aliás, o filme ilustra bem isso. As personagens femininas são desprezíveis. Fora a mamãe Kim, tem a Brittany Murphy (de “Refém do Silêncio”) como namoradinha sem caráter do Eminência Parda. E todos são violentos. Aparentemente, todo mundo anda armado. Não importa que, sempre que alguém saca um revólver, um outro diga “Ô meu, guarda esse bagulho aí”. Pode ser minha personalidade pacifista, mas não gosto de quem carrega armas e vive brigando.
Se bem que adorei os embates verbais. Em “8 Mile”, a galera participa de competições cantadas de insultos. Um olha pro outro e, em ritmo de hip hop, destila todo seu veneno. O clímax do filme é contagiante, quando Eminem desafia seu adversário: “Conte pra eles alguma coisa sobre mim que eles não saibam”. Mais autobiográfico, impossível.