CRÍTICA: AMARELO MANGA / Sem amarelar
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CRÍTICA: AMARELO MANGA / Sem amarelar


Tardou, eu sei, mas finalmente fui conferir “Amarelo Manga” em Floripa. Ainda tinha esperança que o filme passasse em Joinville até descobrir que ele estreou em Nova York. Vejamos, há uma certa inversão de valores aqui, né? “Amarelo” é brasileiro e ganhou pencas de prêmios em festivais nacionais e internacionais; logo, deveria entrar em cartaz aqui. Mas os cinemas daqui estão ocupados demais passando “Swat”, baseado naquela série fascista de TV cujo único interesse era a musiquinha-tema (tararan, tararan, tararan). Alguém em sã consciência realmente duvida que somos quintal dos EUA? Mas nem dá pra reclamar muito neste ano em que o cinema nacional abocanhou a maravilhosa marca de 20% do mercado (a outra fatia pertence à terra do Bush, sabe como é).

Vários amigos meus que vão regularmente ao cinema odiaram o filme com uma paixão ardorosa. Pra ser sincera, conheço bem mais gente que detestou “Amarelo” do que gente que amou. Mas eu, só pra contrariar, gostei bastante. Não é que adorei, nada disso. Certamente não é uma obra-prima. Nem sei se é algo que aceitaria ver de novo. Mas é bem interessante.

“Amarelo” começa com a Leona Cavalli, uma dona de boteco, acordando nua. Parece que, numa outra sessão, alguém na platéia gritou: “”Tinha que ser filme brasileiro!”, pela presença de mulher pelada na tela. Como se na produção de outros países não houvesse nudez feminina (nudez masculina é mais rara, claro, até porque a imensa maioria dos diretores é homem)... A moça resmunga que a vida é ruim e, olhando fixo pra câmera, praticamente nos manda tomar naquele lugar. Leona terá um dia longo pela frente: ela ainda vai quebrar uma garrafa na cabeça de um freguês bêbado, expulsar outro aos berros, e fazer uma Sharon Stone, ou seja, mostrar que não usa calcinha pra intimidar os machos. E ela é apenas uma entre as várias personagens amarguradas de “Amarelo”.

Noutra cena, o próprio diretor Cláudio Assis fala pra uma crente: “O pudor é a forma mais inteligente de perversão”. A moça, interpretada por Dira Paes, é casada com o Chico Diaz, que trabalha num abatedouro. Ela não é muito chegada à carne e se chateia com uns guris que a chamam de “Kika Canibal”, sem saber que, até o fim do filme, ela ainda vai virar uma, mais ou menos. Tem uma parte em que ela vomita, e foi justamente aí que discordei de quem reclama que o Assis fez um filme pra chocar. Felizmente, ele não mostra o vômito. Quase todo diretor independente mostra vômito em close, já que deve ser um efeito especial dos mais baratos. Mas não o Assis. Tudo bem, pouco depois ele exibe uma longa e abominável seqüência de um boi sendo morto. Eu poderia viver cem anos sem ver isso. Não que eu tenha visto de fato, já que fechei bem meus olhinhos, e recomendo que você faça o mesmo. Pra mim é uma questão de sobrevivência: se eu vir essas coisas, eu paro de comer carne, e se eu virar vegetariana, eu morro de fome. Essa é a parte mais gratuitamente terrível do filme. Tem quem não goste do Jonas Bloch como necrófilo, atirando em cadáver. Mas pra mim isso foi fichinha perto da tragédia bovina. O sempre incrível Mateus Nachtergaele faz um cozinheiro gay livre de cenas nojentas.

É tão bom ver algo fora do eixo Rio-SP! “Amarelo” se passa nos lugares mais feios de Recife, e o filme todo tem um verniz sujo. No início, a mania de colocar algum objeto amarelo em todos os enquadramentos me distraiu. Eu ficava pensando, o que mais podem inventar de amarelo? Mas após algumas cenas desnecessárias – sem dúvida falta coesão ao filme – o drama engrena. Mais tarde, um poema narrado em off explica que amarelo é a cor de catarro, de dentes podres e feridas purulentas, mas, graças ao bom Deus, o filme prefere nos mostrar geladeiras e saleiros dessa cor. Agora, sabe quanto custou “Amarelo Manga”? O equivalente, em cinema, a 1,99: meio milhão de reais. Compare com os 70 milhões de dólares de, sei lá, “Swat”. Se um filme vale quanto pesa, “Swat” teria que ser 420 vezes melhor que um “Amarelo”. Acho difícil, você não?





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