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CRÍTICA: ENTRE QUATRO PAREDES / A beleza do filme inútil
Prepare-se que é hoje que vou estragar um filme inteirinho pra você. Como? Contando a história. É que não dá pra não contar algo surpreendente que acontece após a meia hora inicial de “Entre Quatro Paredes”, já que é este o tema. Então, vamos lá. Não reclame, que depois ainda resta uma hora e quarenta minutos pra você se surpreender por conta própria. Bom, numa cidadezinha litorânea dos EUA, um jovem envolve-se com uma mulher bem mais velha, separada, com filhos. Os pais dele detestam a idéia. Pra piorar, a moça ainda tem um ex meio violento. Um dia, sem grande premeditação, o ex mata o jovem.
Não é esquisito este resumo todo? Afinal, se você já ouviu falar no drama, foi por causa das indicações de Sissy Spacek e Tom Wilkinson para o Oscar. Eles fazem os pais do rapaz, e são os protagonistas da trama. Já é anti-convencional um filme começar com uns personagens centrais e, depois de trinta minutos, deslocar totalmente seu foco. Mesmo que você conheça a história, esta ruptura causa um choque enorme, pois o rosto do moço assassinado aparece em primeiro plano. Pois é, “Entre Quatro Paredes” não é o típico dramalhão que segue fórmulas fáceis. Não é um filme de arte, já que não existem filmes de arte no cinema americano, e decididamente não é um filme comercial. O que é, portanto? É um filme independente, este híbrido que de vez em quando é lembrado pela Academia. Se vai ganhar um dos cinco Oscars a que foi nomeado? Nããão, difícil. Talvez tenha alguma chance na categoria de roteiro adaptado. A Academia já considera uma honra que uma película intimista e de baixo orçamento esteja entre os indicados a melhor filme.
Pessoalmente, gostei muito de “Entre Quatro Paredes”, chorei baldes, e me recordei de “Gente como a Gente” (há várias semelhanças: ambos são dramas dirigidos por atores, ambos tratam da dor da perda entre a classe média, ambos expõem mães manipuladoras), que, milagrosamente, recebeu quatro Oscars em 1980, mas aqueles eram outros tempos, menos blockbusterianos, digamos. Desconfio, no entanto, que fui uma das poucas a aprovar “Entre Quatro Paredes” na sessão que presenciei. Tinha gente saindo, uma moça riu cinicamente no fim, e, o que é pior, acho que quase ninguém encharcou lencinhos, fora eu. Hoje em dia, o público quer ir ao cinema pra rir ou pra chorar (“Patch Adams”, massacrado pela crítica, é imensamente popular entre os espectadores), ou pra se entreter com explosões e rachas de automóveis. É a era do cinema (e da crítica) útil, que cumpre sua função pré-definida, e convenhamos que boa parte da platéia não veja utilidade em produções como “Paredes”. É um filme contido, lento – não chato –, longe de oferecer alguma forma de catarse, baseado em belas interpretações. Agora, compare com os outros indicados. “Uma Mente Brilhante” faz derramar lágrimas e narra uma vida real; “Moulin Rouge” tem musiquinhas famosas e também comove (dizem); “Assassinato em Gosford Park” é resquício de cinema de autor; e “Senhor dos Anéis” é o filme-evento em cima de um clássico literário. Tadinho de “Entre Quatro Paredes”, o azarão do ano. Perto das outras gemas, é um inútil. Estou torcendo por ele desde criancinha, claro.
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