CRÍTICA: EU OS DECLARO MARIDO E LARRY / Uma comédia acéfala pró-gay... Isso existe?
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CRÍTICA: EU OS DECLARO MARIDO E LARRY / Uma comédia acéfala pró-gay... Isso existe?


Pra ser sincera, eu esperava algo bem pior vindo do último veículo do Adam Sandler, “Eu os Declaro Marido e... Larry!”. O comediante, apesar de docinho, não é lá muito engraçado, como provam “O Paizão” e “Tratamento de Choque” (se bem que “Click”, “Espanglês” e “Embriagado de Amor” são bonzinhos). O que se pode querer de uma comédia acéfala sobre dois bombeiros que se casam pra dar pretexto a todo tipo de piadinhas estúpidas usando gays como alvos-preferenciais? Numa cena até o medo clássico de se abaixar pra pegar o sabonete no meio de homens nus vem à tona, filmado em câmera lenta. Mas a grande surpresa é que “Marido e Larry” é pró-gay. Não é divertido, nem faz rir, mas pelo menos defende direitos iguais pros homossexuais. O terço final tá recheado de mensagens como “só por eu ser gay não quer dizer que eu vá atacar todo homem que encontrar”, “chega de adotar termos pejorativos”, “ninguém tem o direito de ditar como devo viver minha vida”, e, bom, sabe, por ser um veículo do Adam, “eu decido o que ponho no meu ânus”.

É verdade que o filminho é ofensivo aos obesos mórbidos, aos asiáticos, e principalmente às mulheres (uma médica exige ser tratada com respeito, pra na cena seguinte surgir dividindo a cama do Adam com outras cinco moças; a advogada da Jessica Biel, de “O Ilusionista”, quando não é a única tonta a acreditar que existe alguma química entre Larry e marido, está desfilando de bíquini e pedindo pro Adam apalpar seus seios)... Mas não é ofensivo aos gays. Quer dizer, embora todos os homossexuais que apareçam sejam caricaturas, os sermões contra homofobia falam mais alto (e a trilha sonora é uma maravilha). Não precisa aceitar a minha palavra. Uma pesquisa entre os leitores de um jornalzinho LGBTS (lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais e simpatizantes) perguntou se “Marido” mais promovia ou atacava as questões homossexuais. 70% acharam que era mais positivo que negativo.

Vamos nos ater ao personagem do menininho, filho do Larry, que adora sapatear, quer fazer parte de musicais, não liga pra esportes, e usa adjetivos pouco apropriados pra um mini-machão. Seu pai fica preocupado com essas tendências, mas o garoto não vai mudar até o final da comédia e passar a namorar uma guria, por exemplo. Pelo contrário, é o pai que vai mudar, se encher de orgulho pelo menino, e declarar, em alto e bom tom: “É o meu filho!”. Não faz muito tempo, perguntei a um aluno homofóbico, morrendo de preocupação que seu rebento virasse gay, o que seria “pior” (quantas aspas posso pôr aqui?): ter um fiho gay ou um filho homofóbico? Eu acharia ótimo ter um filho negro, mas imagina a vergonha que sentiria se tivesse um filho racista... Esse sim eu esconderia dos amigos. Não sei, pode ser meu lado otimista, mas fico torcendo pra que os adolescentes que riem das gags estereotipando os gays deixem a sessão de “Marido” pensando “Puxa, homossexual também é gente”. Ainda que sejam caricaturas, os gays do filme têm muito mais voz que a direita cristã que deseja bani-los da face da Terra.

E pra terminar, o que os gays daqui dos EUA reivindicam é o direito de poderem se casar. Acho que poucos querem se casar na igreja, de véu e grinalda, mas e daí se quisessem? Minha opinião é que as religiões são discriminatórias, têm o direito de continuar discriminando quem quiserem, e o governo não têm o direito de interferir nelas, proibindo o preconceito. O que o governo não pode, de jeito nenhum, é continuar sendo influenciado por religiões. Portanto, se a Igreja Católica, por exemplo, tem chiliques ao visualizar um casamento gay (e varre os padres pedófilos pra debaixo do tapete), isso não pode impor leis que governam a todos, não só aos católicos. Ao mesmo tempo, eu não conseguia entender por que diabos os gays querem se casar. Pô, o sagrado matrimônio é uma tradição tão demodê... Agora finalmente entendi. É que, por não poderem se casar, os gays sofrem uma série de privações, que as “uniões civis” não aliviam: não podem compartilhar plano de saúde, não têm direito à pensão, não podem fazer declarações conjuntas ao imposto de renda, e, o mais terrível: se um deles estiver hospitalizado, o hospital pode não permitir visitas a quem não seja parente. Dá pra acreditar? O cara tem o mesmo parceiro há vinte anos, e aí, na pior hora, um não pode visitar o outro no hospital? Há poucos meses descobri que união civil e casamento não são a mesma coisa. Constatei que, perante a lei, meu relacionamento de 17 anos com o maridão sequer existia. E então decidimos nos casar. Nós tivemos essa opção. Uma opção que continua sendo negada aos gays. Aliás, não custa lembrar que não faz muitas décadas que o mundo proibia também casamentos interraciais. Por que essa proibição, hoje em dia, levanta espanto e revolta, e toda sorte de proibições aos gays, não? Meu sonho é habitar um planeta sem preconceitos – um planeta onde filmecos como “Eu os Declaro Marido e... Larry!” fossem totalmente dispensáveis.


P.S.: Até gostei do Kevin James, que faz o bombeiro gordinho Larry na comédia. Ele já irradiava ternura em “Hitch – Conselheiro Amoroso”. Mas “Marido e Larry” dialoga mesmo é com o grande “Pulp Fiction – Tempo de Violência” (1994), a começar pela presença do Ving Rhames, que rouba todas as cenas, e também pelo pavor masculino de ser violentado. De todo modo, “Marido e Larry” pertence ao Ving, e ao ator-mirim que faz o menino filho do Larry.





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