CRÍTICA: HANCOCK / Hancock, o manifesto capitalista
Geral

CRÍTICA: HANCOCK / Hancock, o manifesto capitalista


- E meu símbolo é a águia. Isso lembra alguma coisa?

O mais recente filme de super-herói, Hancock, tem tudo pra agradar... a direita cristã. Só não sei se eles verão a aventura, já que não são muito chegados a negros, ou a Hollywood. Mas tô falando sério: Hancock segue à risca o manual do que as pessoas mais retrógradas dos EUA gostam. Senão, vejamos:

- os primeiros vilões que nosso super-herói desleixado (feito pelo Will Smith) tem que combater não são americanos. Não sei a que nacionalidade pertencem - provavelmente são imigrantes ilegais que vieram trazer o crime organizado à América (porque este seria um país sem marginalidade, se não fossem os imigrantes). Enquanto ameaçam Hancock com armas, falam numa língua estrangeira, mas quando o herói vira a mesa, eles imploram em inglês. Hancock desdenha de um marginal: “Ah, agora você fala inglês?!” Essa é uma queixa frequente da direita cristã contra os imigrantes, que eles nem aprendem inglês.

- o bully que atormenta o menininho americano tão querido é francês. E fala inglês com sotaque risível. Ou seja, é um outro imigrante nojento. Americano odeia francês com todas as forças desde que a França foi contra a invasão do Iraque. Naquela época, muitos ianques decidiram trocar o nome das batatas-fritas, French fries, para freedom fries (batatas da liberdade). Eu não tô inventando.

- a direita cristã tem certeza absoluta que os gays arderão no fogo do inferno, e Hancock, pra não decepcioná-la, tá cheio de homofobia. Não vou nem mencionar a gag asquerosa do herói enfiando a cabeça de um detento no bumbum de outro, que tá no trailer. Quando o Jason Bateman, relações públicas do herói, mostra pra ele capas de revistas de super-heróis, Hancock chama todos de “homos”. Jason concorda.

- Jason tá preso num engarrafamento, e vem vindo um trem em sua direção. Tá, é chato, o carro será destruído, mas é só um bem material. Não é tão importante quanto a própria vida. Jason deixa pra abandonar sua propriedade no último segundo. Quando finalmente tenta sair, fica preso no cinto de seguraça. Por que isso é de direita? Porque os conservadores odeiam que o governo meta o bedelho em suas vidas, e continuam reclamando da lei que obriga o cinto e prevê multas pra quem não usa. Eles dizem: “a vida é minha, se alguém bater em mim e eu morrer, o problema é meu” (sendo que acidentes de trânsito custam caro pra saúde pública, que mal existe nos EUA). Logo, pra justificar essa ojeriza ao cinto, que representa a falta de liberdade e a intromissão do Estado, inventam que cinto causa a morte. Hancock bate palmas pra essa concepção.

- frente ao estrago causado pelo herói, uma mulher diz que deveria processá-lo. O super responde: “Processe o McDonald's. Ele estragou você”. A direita detesta essas ações judiciais contra grandes corporações. Se você fuma e isso causa câncer de pulmão, problema seu. Se você come junk food e isso aumenta seu colesterol, idem. Não culpe as empresas, tadinhas, que só querem o seu bem (e uns trocadinhos).

- esse pessoal que ajuda baleia encalhada não tá com nada. Ecologistas, Greenpeace e afins só atrapalham os negócios e a humanidade, e a direita os chama de econazis. Hancock vê um bando de desocupados tentando salvar uma baleia e não hesita: joga a pobre lá longe no mar. Na vida real, a direita tem camisetas com trocadilhos do tipo “Pave the whales” (“Pavimente as baleias”, ao invés do conhecido “save”, “salve as baleias”). Nosso herói mostra que, entre salvar e pavimentar uma baleia, ele fica com a segunda alternativa.

- polícia não serve pra nada. A segurança de cada um deve ser responsabilidade do indivíduo. No caso do filme, tudo depende do super-herói. Na vida real, na falta de um super, a direita usa armas de fogo. Assim o indivíduo pode aproveitar e unir o útil ao agradável: se defender e ainda fazer justiça com as próprias mãos, condenando todos os delinquentes à pena de morte (como faz Hancock. É até estranho ver, na prisão, gente que ele colocou lá. Ahn, colocou como? Com a suavidade que lhe é peculiar? Ele destrói tudo que toca!).

- mulheres são maltratadas no filme. Hancock agarra uma mulher que passa na rua. No início, várias são chamadas de “bitch” pelo herói. O público jovem e masculino na sessão que eu fui delirou (depois, quando a aventura fica séria, deu pra notar que o nível de energia cai). Mas a mensagem maior é clara: não importa quão talentosa e poderosa uma mulher pode ser, ela deve abdicar da carreira pra cuidar da casa. Exatamente o que a direita cristã prega. Ah sim, se você for dona de casa, peça ajuda a seu marido pra abrir uma lata, mesmo que você possa abri-la sozinha. Pra ele se sentir machão.

- o romance interracial não acontece exatamente, pra não ofender a direita racista. Will Smith e Charlize Theron se beijam? Porque eu não vi. E sabe porque isso não é mostrado? Porque a Charlize é branca, e o Will, negro, e esse é um grande tabu nos States. Se a personagem da Charlize fosse negra, a gente veria o beijo. Mas aí o marido dela, o personagem do Jason Bateman, também teria que ser negro. E com mais todos os presidiários e bandidos negros que há no filme, pô, seria demais. Aí que a direita cristã não compareceria aos cinemas mesmo.

- Hancock fecha com chave de ouro sua cota de bajulação à direita. No final, o herói deixa uma marca vermelha na lua. Sério, pense em metade da lua coberta com o logo da Nike, por exemplo. Neste caso é a marca que o Jason tá promovendo. Suponho que o diálogo entre os roteiristas do filme deve ter sido assim:

Roteirista 1: “Mas não fica meio chato a gente colocar o logotipo de uma empresa privada na lua?”

Roteirista 2: “Não, imagina! A Amazônia ainda não é nossa, porque tá dentro de um outro país. Mas a lua, come on, não resta dúvida. Tem até a nossa bandeirinha lá. Chegamos primeiro!”

Roteirista 1: “Verdade, mas a gente não tá colocando nossa bandeira lá. Tá colocando uma marca.”

Roteirista 2: “É pro bem da humanidade, tipo quando pousamos lá! Relaxa, ninguém vai achar ruim. O público até hoje pensa que À Procura da Felicidade é sobre a elevação do espírito humano, e não uma defesa deslavada do capitalismo selvagem!”

Mais crítica de Hancock aqui.





- Resultado Da Enquete PolÍtica, E A PrÓxima
Só rapidinho, pro resultado da enquete política ficar registrado. Na primeira, sobre posicionamento no espectro político, 91 pessoas votaram. Houve empate entre “centro-esquerda” e “não gosto de rótulos”, cada um com 26%. 24% se declararam...

- CrÍtica: Hancock / Mais Sobre A Bomba Que Voa
Hancock não tem cura. Nem com uma loooonga sequência se passando no hospital. Mesmo depois que chamei Hancock de Manifesto Capitalista, ainda pode ter um ou outro ingênuo querendo saber: “Tá, entendi, mas você gostou?”. Não, né? A mensagem...

- Super-herÓi Bebum Contra Panda E Boneca
E põe problema de imagem nisso... A maior estréia de hoje nos EUA, no Brasil e no mundo é sem dúvida Hancock (cujo trailer já cri-critiquei aqui, e as críticas do filme estão aqui e aqui). O Will Smith chega pela oitava vez consecutiva pra liderar...

- Cri-crÍtica De Trailer: IncrÍvel Hulk E Homem De Ferro
Leia a crítica de Hulk aqui, e a de Homem de Ferro aqui. Esta sexta inaugura-se a temporada de verão americano. E você sabe o que isso significa: de maio até o comecinho de agosto praticamente tudo que entra nas salas daqui será filme de ação...

- H
Hairspray Halloween (2007) Hancock (Parte 1) Hancock (Parte 2) Hannibal Hannibal – A Origem do Mal Happy Feet – O Pinguim Harry e Sally - Feitos um para o Outro Harry Potter e o Cálice de Fogo Harry Potter e a Câmara Secreta Harry Potter e o Enigma...



Geral








.