Outro dia falei pro maridão que, quando a gente estiver numa cidade com mais de cinco salas de cinema, se der pra evitar, eu me desviarei de coisas como “Harry Potter”. Meu amor me lançou um olhar mortal, como se eu estivesse torturando um cachorrinho na sua frente. E é óbvio que estou sendo injusta. “HP” deve ser a franquia existente mais gostosa de assistir. Imagine sete aventuras com o “Quarteto Fantástico” e você vai ter noção do que estou falando. “HP e a Ordem da Fênix” é o quinto exemplar da série, se não perdi a conta, e deve ser um dos melhorzinhos. Consultei um especialista no assunto, um amiguinho de sete anos, e ele diz ter preferido o anterior. Eu levo vantagem sobre ele por não me lembrar de nenhum “HP”. É como se uma varinha de condão fosse apontada a minha cabeça e ordenasse “Apague tudo”.
Mas acho bacana ver os atores crescendo, mudando de voz, enfrentando a adolescência. E eles falam inglês com sotaque britânico. Só isso já é um pouco diferente da maioria dos arrasa-quarteirões. Desta vez, a trama é mais ou menos “1984 chega a Hogwarts”. “1984” é o clássico de George Orwell sobre uma sociedade tirana, vigiada pelo Grande Irmão. E Hogwarts é a escola de magia onde Harry estuda. Uma nova supervisora decide que isso de ensinar o lado prático não tem nada a ver, e que o quente mesmo é se dedicar à teoria, com o único objetivo de se passar nas provas. Parece piada, mas há várias escolas que preparam desde a primeira série a ser aprovado no vestibular. O pessoal estuda onze anos pra um testezinho de algumas horas! De todo modo, a supervisora instaura uma ditadura cor de rosa. Na aparência, a mulher se veste como se a moça de “Legalmente Loira” tivesse crescido e virado diretora de escola.
Adorei a Imelda Staunton, o grande destaque deste “HP” (a Imelda foi indicada ao Oscar em 2004 por “Vera Drake”. Quem sabe ela é nomeada pra coadjuvante por este “HP”? Eu me recordo mais dela como a mãe traumatizada com a morte do bebê no delicioso “Para o Resto de Nossas Vidas”. Lembra dessa comédia dramática do Kenneth Branagh de 92? O marido da Imelda é ninguém menos que o Hugh Laurie, agora famoso pela série “House”. Ops, fugi do assunto). E adorei a criatura não apenas porque seu personagem se chama Dolores, que é meu nome de batismo, se bem que a última pessoa a me chamar assim descansa no cemitério. A diretora também personifica a burrice burocrática. Ela inventa uma série de regras pros aluninhos: meninos e meninas não podem se aproximar, e nem se reunir em grupos sem um adulto por perto. Dedar os colegas vale bonificação. Uma das portarias leva até o número 68, ano do nosso AI-5. A função da Imelda é ser Professora de Defesa contra Magias Negras. Soa familiar? Suas regras são bem semelhantes às que os detratores de “HP” adorariam adotar contra a franquia. Sim, é sempre bom lembrar que existe uma legião de fanáticos que odeia “HP” por achar que é péssima influência pras crianças. Afinal, a lucrativa marca fez de vassouras voadoras um sonho de consumo, o que só pode ser entendido como uma celebração da bruxaria, o que, por sua vez, deve ser braço direito do demonismo. Ah, por favor! Eu só posso achar ótimo que a J. K. Rowling tenha motivado toda uma geração a ler.
Sem falar que “HP” martela a tecla do bem contra o mal até dizer chega. E o mal é associado às trevas e tem a cara de um Ralph Fiennes sem nariz. Numa ocasião o Gary Oldman diz a Harry que não existem pessoas só boas ou só más. Quer dizer que a gente deve apagar tudo que Hollywood nos ensinou até agora? O bem é personificado pelo bruxinho-já-adolescente Daniel Radcliffe e sua turma que, apesar de estar numa idade rebelde, se comporta exemplarmente. Isso é péssima influência? Só não entendi o lance da menina japonesa. Ela é a única felizarda a beijar o Daniel, o rapaz que, dizem as más línguas, já é o teen mais rico da Inglaterra (visualizo os garotos de dez anos vendo essa cena. Deve ser um “Eca!” em coro). Depois ela some. O que acontece com a moça? Ela tem um destino mais misterioso que todas as meninas cabeludas de “O Grito” e “O Chamado” juntas.