Quem gosta de cinema inteligente deve se preparar para mais um longo e tenebroso verão. Vi os trailers de "Senhor dos Anéis 2", "Xuxa e os Duendes 2", e um outro sobre tênis mágico que a gente reza pra não ter continuação. Pra começar a enfrentar essa enxurrada de seqüências, fui assistir a "Harry Potter e a Câmara Secreta". Na sessão, só havia adolescentes. A diferença de idade entre eu e eles me abalou, e tive que me controlar pra não derrubar nenhum com a minha bengala. Nem sabia que Joinville tinha tantos. Não é impressionante como as coisas mudam? Vinte anos atrás, eles eram um nicho de mercado. Hoje, eles são O mercado.
Minha cidade tem sete salas de cinema. Agora, quatro estarão passando "HP" por semanas a fio. Se eu resmungar da falta de opção, os exibidores vão me dizer que eu tenho muita escolha – posso optar por ver "HP" dublado ou legendado.
Porém, antes de eu reclamar ainda mais, permita-me recordar que gostei da primeira produção da lucrativa franquia, que tinha algo a ver com pedra filosofal. Esta tem uma câmara secreta, mas, sinceramente, tava mais para cama secreta. Eu dormi legal em alguns pedaços. Também, 161 minutos de cenas intermináveis acabam com qualquer um. Como não li nenhuma das obras de J. K. Rowling, não posso comparar livro e filme. Ouvi falar que Chris Columbus, não o que descobriu a América, mas um outro mais importante, um que calhou de ser o diretor de "Esqueceram de Mim" e desta aventura aqui, incluiu todas as temáticas que aparecem no livro para não desapontar os fãs. O resultado é um espetáculo com um timing ruim e cheio de historinhas que não se resolvem. Um medicamento élfico pra curar insônia. Ah, faço aqui um apelo aos fãs de "HP": não me amaldiçoem, pois meu nome já foi colocado na boca do sapo pelos adoradores de "Senhor dos Anéis". Pelo amor de Deus, peço igualmente que não me enviem mensagens explicando a trama e revelando segredos. Tenho certeza que, no livro, existe um bom motivo pro Ronny ter medo de aranhas, mas acho que conseguirei seguir vivendo sem saber. Será difícil, mas sou forte.
Não é que eu não veja nada de bom em "HP". Primeiro, é formidável que crianças voltem a ler. Segundo, Daniel Radcliffe, o ator que faz o bruxinho, continua bem, menos quando contracena com um elfo, mas deve ser árduo contracenar com um efeito especial. Terceiro, é louvável a mensagem do filme, algo como "não são nossas habilidades que mostram o que somos, mas nossas escolhas" – eu sabia que deveria ter escolhido ir até Blumenau ver "Fale com Ela". Quarto, os vilões são contra miscigenação e a gente é contra os vilões, então o saldo é positivo. Moral da história, teens: não existe "sangue ruim". Quinto, o Kenneth Branagh, que já filmou Shakespeare (quem? Eu sei, não é do tempo dos adolescentes), está bárbaro como um mago narcisista.
Ah, tem as mandrágoras também. Elas são fofinhas. O resto é fraco, principalmente o final, que fez meus ossos doerem. O que me chateia mais é que, por ser uma superprodução, tudo precisa ser super mastigadão. Por exemplo, uma ave chora e sana um ferimento do Harry. Já tinham explicado que lágrima de fênix cura. Não é necessário o Harry falar: "Oh, as lágrimas de fênix curam". Até eu que estava cochilando entendi. Por pouco que, mais pro fim, não puseram uma legenda do tipo "Entendeu, pessoal? Lágrimas de fênix curam".
Ai, ai, vem aí mais cinco filmes com a marca "HP". Nada contra, assim como não reclamo dos 21 James Bonds. Mas e cinema pra adulto, nunca mais vai ter não?