CRÍTICA: LINCOLN / Filme tedioso sobre tempos estranhos
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CRÍTICA: LINCOLN / Filme tedioso sobre tempos estranhos


Vou logo admitir que não vi Lincoln no cinema. Vi em casa. E não aguentei ver de uma sentada não. Fora quatro longas noites, vendo um pouquinho de cada vez, até o sono bater, o que não demorava a acontecer. Porque, nossa, que filme chato.
Não me lembro de outro troço tão tedioso assinado pelo Spielberg. Talvez Amistad. Certo, prefiro o diretor mais despretensioso de produções juvenis (ET, Caçadores da Arca Perdida) ao das causas sérias (Lista de Schindler, Munique). Mas eu me interesso por história dos EUA. Se Lincoln fosse minimamente empolgante, eu o recomendaria aos meus alunos. Mas, do jeito que é o filme, só poderia recomendá-lo se eu fosse fã do coma induzido.
Primeiro que, pelo nome (Lincoln), a gente já vai esperando uma biopic da vida inteira do 16o presidente americano. E não é isso (o que não é um defeito). O filme se concentra em poucos meses de 1865, quando a Guerra Civil tá quase no fim. Já é ruim o suficiente, a meu ver, que Spielberg opte por não mostrar o assassinato de Lincoln. Entendo que o foco não seja este, mas não pude deixar de me sentir tão lesada quanto quando fui ver Maria Antonieta, e não exibiram a invasão do castelo e a decapitação da rainha. Pareceu um “Não tem guilhotina? Que mostrem brioches". Qual a graça em não ver figuras históricas morrerem?
A morte de Lincoln é importante porque ele foi o primeiro presidente americano a ser assassinado (por um ator revoltado com Lincoln porque o presidente estaria pensando, ora veja, a, no futuro, conceder o direito de voto a homens negros). 
E porque é com o assassinato que ele entra definitivamente pra História. Lincoln é visto como um dos três melhores presidentes que os EUA já tiveram, intercalando posições com George Washington e Franklin D. Roosevelt (que, suponho, não deve constar na lista de nenhum adepto do Estado Mínimo. Pois é. Quando conservadores fazem sua listinha de melhores presidentes de todos os tempos, colocam Ronald Reagan em segundo. Mas não sei se dá pra crer numa relação que põe George W. Bush –- comumente visto como o pior da História -– em décimo!).
Quando Lincoln foi eleito, em 1860, boa parte do sul ficou tão revoltada (principalmente porque o presidente se recusava a permitir a escravidão nos novos territórios, no Oeste) que decidiu criar uma Confederação e se separar dos EUA. Mais ou menos como os brasileiros preconceituosos do “Sul é o meu país” e do “São Paulo sustenta o resto do Brasil” ameaça fazer toda vez que o Brasil elege um presidente que eles não gostam muito. Afinal, democracia é uma maravilha, desde que o povo escolha exatamente quem a gente quer. Lincoln fez o que tinha que fazer -– não permitiu a secessão -–, e os EUA mergulharam numa sangrenta Guerra Civil que durou quatro anos e matou 620 mil pessoas (o filme abre dando uma amostra grátis dessa violência).
Em 1865, período enfocado por Lincoln, o sul já estava liquidado e era só uma questão de negociar os termos pra encerrar a guerra. 
Dois anos antes, o presidente havia usado seus poderes constitucionais durante a guerra e ordenado a Proclamação da Emancipação, sem passar pelo Congresso. A proclamação declarava livres todos os escravos. Mas Lincoln sabia que, com o fim da guerra, o judiciário poderia anular a decisão. O jeito de abolir a escravidão era emendar a Constituição, o que não era feito há 60 anos. E, pra isso, só passando pelo Congresso.
Pra gente, cidadãos do século 21, a trama causa estranheza. Pra começar, é incrível ver republicanos fazendo alguma coisa boa (Lincoln foi o primeiro presidente republicano, partido fundado em 1854 por ativistas anti-escravidão). Sabe, republicanos são esses ultraconservadores que, ano passado, tentaram tirar direitos das mulheres, foram derrotados nas urnas, e agora tentam descobrir o que terão de fazer para serem eleitos sem o voto feminino, negro, gay e latino. É meio como se fosse um partido inteiro composto apenas por Malafaias e Bolsonaros. Ruim assim. Mas, em 1865, os democratas eram mais conservadores que os republicanos. Isso só começou a mudar com Franklin D. Roosevelt, democrata, em 1930. Não que o partido democrata de hoje seja muito liberal ou progressista. É só que, comparado aos republicanos de hoje, que nunca estiveram tão à direita...
Outra coisa que causa estranheza é a visão sobre a escravidão e o direito das minorias. Creio que é consenso, hoje, que a escravidão negra foi algo abominável, certo? Hmm, talvez não, já que os EUA só reconheceram o erro e pediram desculpas formais à população negra em 2009. Sério. Mas digamos que, hoje, só gente da pior espécie (Ku Klux Klan, neonazistas etc) defenderia que, prum negro, era melhor ser escravo nos EUA que livre na África. Então é chocante ver que a 13a emenda, que aboliu a escravidão, só passou graças a muita corrupção e compra de votos.
A melhor cena do filme é uma em que os congressistas discutem a abolição, e um democrata, indignado, pergunta: “O que virá a seguir, negros votando?!”. E todo mundo faz um coro de recusa, uhhh. E o sujeito insiste: “E se os negros passarem a votar, o que virá depois? Mulheres votando?!”. E o uhhhhhhhh toma o Congresso, porque, né, onde já se viu?! A audácia dessa gentalha em querer ter igualdade, quando é tão claro que Deus nos fez diferentes! (você já ouviu esse discurso antes).
Por incrível que pareça, as melhores cenas de um filme chamado Lincoln são aquelas em que o personagem-título não está presente. E acho que isso já diz muito sobre a produção. Tirando todas suas nobres intenções, seu desejo em manter o país unido, seu amor pelos filhos, Lincoln parece ser uma mala. Ele não fala -- ele discursa. 
Tudo pra ele é pretexto pra contar uma anedota que levará a uma mensagem edificante. Numa cena em que ele e sua equipe de governo recebem uma má notícia da guerra, Lincoln começa a discursar. Um secretário o corta, exasperado, e pergunta: “Você não vai contar uma de suas histórias agora, vai?!”, e sai da sala, bravo. Eu me identifiquei com o revoltoso.
E claro que, nesse estilo pomposo, ninguém melhor pra interpretá-lo que Daniel Day-Lewis (inicialmente seria o Liam Neeson; só britânico pra fazer presidente americano). Gosto do Daniel, e é certeza que ele ganhará sua terceira estatueta e entrará pra História como o único ator com esse feito (Jack Nicholson também tem três Oscars, mas um deles é de ator coadjuvante, não principal). Só que, sei lá, prum ator imitar os trejeitos e o jeito de falar de uma celebridade deve ser fácil. É o que os atores fazem. Se dependesse de mim, o Oscar deste ano iria pro Denzel Washington, que tem um papel muito mais complicado interpretando um piloto viciado em álcool e drogas (Denzel é um entre quatro atores negros em 85 anos de Oscar que tem uma estatueta de melhor ator).
E não sei explicar por que não gostei da Sally Field, que faz a primeira dama. Ela soa falsa, ou talvez seja sua personagem, chata como o marido, mas menos simpática.
Quem se sai melhor, pra mim, e rouba algumas cenas, é Tommy Lee Jones, no papel de um republicano radical (na época isso existia: era um cara que queria direitos iguais para negros, não um que dizia que estupros legítimos não engravidam). Seu personagem é um que entrega a ata com a 13a emenda pra uma negra.
E esta é uma falha gritante do filme. Lincoln faz parecer que foram os brancos, tão bonzinhos, que acabaram com a escravidão, sem que os negros precisassem mexer um dedo. No filme não há negros com papel de destaque. Há uma empregada negra da casa do presidente que vai acompanhar as discussões no Congresso. Ela mal tem falas. Na vida real, Washington já estava cheia de negros, escravos fugidos do sul. E Lincoln era amigo pessoal do ex-escravo Frederick Douglass, grande orador e escritor. Por que Douglass não dá o ar de sua graça no filme?
Esses dias fui rever um filmaço de 1988, Mississippi em Chamas, e é a mesma coisa: brancos lutando contra o racismo pra beneficiar negros, passivos demais pra esboçar reação. Pelo jeito, esse é o padrão. É ridículo que a resistência negra seja apagada dessa forma no cinema. Chegamos ao cúmulo de ter que saudar Django Livre -- que bom, pelo menos um ex-escravo é dono do seu destino, ainda que seja um herói individualista e sem consciência política. Toma tenência, Hollywood!




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