Então, a trama. A Julianne Moore faz uma dona de casa perfeita, com crianças perfeitas, uma casa perfeita no subúrbio, e um marido perfeito. Sua vida é tão maravilhosa que as colunas sociais adoram entrevistá-la. Porém, como em “Veludo Azul”, a gente desconfia que essa felicidade toda é pura aparência. Seu esposo Dennis Quaid anda bebendo demais, e logo em seguida ela descobre porquê: ele gosta de homem! Ele vai se tratar, já que, naquela Idade das Trevas, homossexualismo era visto como doença (hoje somos muito mais avançados e aceitamos as diferenças numa boa, lógico). Ela desabafa com um jardineiro negro, mas suas amigas acham o fim que ela ande com alguém de outra cor (mais pra frente, ela se apaixona por ele, numa era em que 40 dos 50 estados americanos tinham leis proibindo casamentos inter-raciais. O filme nem menciona isso, mas sabe quando essas leis foram abolidas? Só em 1967, um século após terem sido inventadas). Ou seja, “Longe” fala de temas atuais, mas com as cores vivas dos melodramas dos 50. É ou não é esquizo? O filme faz com que a gente se sinta desconfortável – menos pelo tema, mais pelo look artificial que imita tão bem a Hollywood clássica. É uma ousadia do diretor de “Velvet Goldmine”, Todd Haynes. E é também a típica obra que os críticos amam e o público fica meio perdido. O que não é ruim, né?
E tem as atuações. Primeiro, a Julianne Moore, que aparenta mesmo ser uma mulher recém-saída da década de 50. Aqui, ela usa peruca ruiva (o que, imagino, causou a legenda a traduzir “red”, que seria socialista, por “ruiva”), vestidos da época e um sorriso frágil estampado no rosto. A maior prova de seu talento é que, apesar do ridículo da personagem, a gente não ri dela nem uma vez. É uma atriz tão completa que até relegamos quando ela se junta ao Stallone e outros dinossauros pra ganhar uns trocados. Como ela ainda não recebeu um Oscar é um mistério, se bem que chegou perto do paraíso em “Boogie Nights” e “As Horas”. Quanto ao Dennis Quaid, sua trajetória é mais irregular. O bonitão, ao estourar na década de 80, virou símbolo sexual por “Ajuste de Contas” e “A Fera do Rock”. Nos anos 90, ele contracenou com dragões e só era referência por ser casado com a Meg Ryan – ou seja, vegetou geral. E agora ele volta com força num papel audaz. Tomara que encontre o fio da meada. Seu xará no filme, um tal de Dennis Haysbert, está ótimo, mas é desconhecido fora da TV.
“Longe” tem a segunda cena que eu me lembre misturando piscina e racismo (a pioneira foi num telefilme com a Halle Berry). Um garotinho negro coloca os pés numa piscina de hotel e, no momento seguinte, a piscina tá vazia. Todos os hóspedes (brancos, claro) debandaram com nojo. Dá pra acreditar? Na sessão, eu senti grande cumplicidade da platéia contra o preconceito racial. Mas, no quesito homossexualismo, eu só ouvia risinhos nervosos. Essa galera tem medo do quê, exatamente?