CRÍTICA: MADAGASCAR / Goma de lascar
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CRÍTICA: MADAGASCAR / Goma de lascar


É estranho ler crítico falando de desenho animado porque crítico é adulto, e desenho é pra criança, e nenhum adulto sem filhos e em sãs condições mentais que não seja crítico de cinema deveria chegar perto de uma sala passando “Madagascar”, por exemplo. Certo, admito que vi “Procurando Nemo” (e adorei), mas eu tava presa dentro de um avião, pô. Era isso ou fantasiar a gente caindo nos Andes e recorrendo a canibalismo pra sobreviver. Minha experiência com filmes infantis não tem sido boa. Detestei “Shrek” e “Fuga das Galinhas”, e nunca chorei tanto na minha vida quanto em “Babe, O Porquinho Atrapalhado”. Sabe como criança não deveria ver certas cenas mais adultas porque pode fazer mal pra cabecinha dela? O mesmo vale pra gente grande. Ver efeitos animados gerados por computador contando piadinhas ao gosto do público-alvo de oito anos pode não fazer bem pra gente.

Pois, Madagascar é aquele país na África que a gente só conhece por causa do War. Após esta válida explicação científica, vamos a outras. Tipo: por que diabos fui ver um desenho animado? Bom, porque todos os outros cinemas daqui estão passando “Star Wars”, “Sr. e Sra. Smith”, e “Batman”. E também porque o trailer de “Mascar” era fofinho, tinha pingüins. Não que o filme em si seja péssimo, é só que os pingüins deveriam aparecer mais. Fala de um grupo de quatro amigos mamíferos (o que exclui os pingüins, eu acho) num zoológico em Nova York. Tem um leão, uma zebra, uma girafa, e uma hipopótama. Pra não fugir à regra de Hollywood, só há uma fêmea no filme, a hipopótama. A gente sabe que ela é fêmea porque é dublada por uma atriz e tem cílios. É isso que diferencia machos de fêmeas em desenhos: os cílios, porque órgãos genitais não existem. A zebra, entediada, apesar de levar uma vida que outros mamíferos africanos adorariam ter, decide fugir. E nossa intrépida trupe vai parar em Madagascar, se bem que o desenho poderia se chamar “Goma de Mascar”, porque o lugar é o de menos. Os problemas começam (e logo terminam) quando o leão descobre que a comida na selva não vem em forma de bife numa bandeja. De repente ele passa a ver seu amigo zebrado com outros olhos.

Justiça seja feita, “Goma de Mascar” me fez pensar em muitas coisas, como as vantagens e desvantagens de zoológicos. Nós humanos nos apossamos tanto do planeta que o único jeito de eu ver uma girafa é num zôo ou num desenho animado. Isso é triste, até porque eu gostaria de ver girafas muito mais que gostaria de ver o Roberto Jefferson, só pra ficar num exemplo. Mas e pros bichos, é melhor ser totalmente extinto ou viver numa jaula? O zôo em NY e em outros lugares de primeiro mundo deve ser uma maravilha, mas, francamente, já estive em zôos de países pobres em que as crianças (aqueles seres idealizados pelos desenhos) atiram pedras nos animais, que são bem magrinhos. Também meditei sobre a cadeia alimentar e concluí que a gente, o bicho homem, só pode comer carne se não pensar de onde ela veio. Eu viraria vegetariana se isso não representasse morrer de fome no meu caso. Aliás, viraria vegan, aqueles vegetarianos mais radicais que não comem nem ovos nem leite, mas excluir chocolate e queijo da minha dieta seria morte certa pra mim.

“Goma de Lascar” adota a mesma hipocrisia. Ou seja, o leão come carne numa boa, sem hesitar sobre a vaquinha sacrificada que rendeu esse filé. Mais tarde ele se alimenta de peixe, e o desenho logicamente não mostra o peixinho sendo pescado ou morrendo asfixiado – ele já vem como sushi. Todos os animais bonzinhos e engraçadinhos (já à venda em sua versão pelúcia) são humanizados. Tudo bem, antropomorfismo é prática comum em desenho, mas aqui há um exagero. Os bichos que importam andam em duas patas, falam e têm nome. Já os quadrúpedes sem voz nem nome estão livres pra virar vilão ou comida. Até os dois humanos do filme ficam sem voz ou nome. Pelo jeito o pessoal do navio morre, não? Melhor não pensar nisso.

E aí ocorre toda aquela esquizofrenia típica dos filmes infantis. Assim: em “Goma” há citações a “Embalos de Sábado à Noite”, “Náufrago”, e “Beleza Americana”. Mas não há a menor chance d’as crianças sacarem essas referências, já que elas mal e mal estavam vivas quando essas obras passaram. E os adultos que vão ver esses desenhos têm filhos, o que significa que eles só vão ao cinema pra ver filminho infantil. Então, pra quem são essas citações? Pros críticos de cinema? É tudo pra eu não me sentir tão miserável? Mas sabe, há algo de interessante no leão não conseguir controlar seus impulsos, de suas garras crescerem e ele imaginar todos os mamíferos como nacos de carne. Qual a mensagem? Que a gente não pode fugir do nosso destino? Que quem nasce leão não vira amigo de zebra? Que os americanos invadindo nações só estão atendendo ao seu chamado selvagem? Tô viajando? Talvez a mensagem seja apenas: nunca coma o seu melhor amigo. Hum, “comer” no sentido sem graça de um desenho pra crianças, bem-entendido.





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