CRÍTICA: VIAGEM DE CHIHIRO / A maior viagem
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CRÍTICA: VIAGEM DE CHIHIRO / A maior viagem


Convidei minha mãe pra ir ao cinema com o maridão e eu. Ela perguntou pra ver o quê, respondi que era “A Viagem de Chihiro”, um desenho animado japonês, e ela disse: “Nem morta! Desenho nunca mais, desde aquele ‘Campo de Concentração dos Frangos’!”. Você entende, ela detestou “Fuga das Galinhas”. Confesso que tampouco nutro grande entusiasmo por animação. Não apenas porque a temática desses filmes tem de ser simples o suficiente pra ser compreendida por crianças de cinco anos, mas principalmente porque, pra quem não é fanático, é muito difícil escrever sobre um desenho. Eu vou falar do quê, dos atores? Só se for das vozes deles. Das legendas? Esses filmes geralmente são dublados. Dos diretores? Costumam ser um bando de desconhecidos. Nem da reação do público dá pra falar, já que eu e o maridão éramos as duas únicas almas na sala de exibição. Avisei o maridão: “Você tá sabendo que, se a gente não gostar, vai ter que ver ‘Garota Veneno’. ‘Cruzeiro das Loucas’ tá fora de cogitação”. E ele, com uma confiança surpreendente: “Não se preocupe, a gente VAI gostar”.

De fato, não tem como não gostar de “A Viagem de Chihiro”, um filme deslumbrante em todos os sentidos. Em pouquíssimo tempo eu já tinha esquecido que estava diante de um desenho. E isso que, antes do início, eu ainda murmurei pro maridão: “Hoje estou com vontade de ver um filme de terror, não um desenho”. Deu quinze minutos de projeção e o maridão virou pra mim: “Taí o seu filme de terror. Era isso que você queria?”. Pois é, “Viagem” é um filme de terror. E não é bem pra crianças, a menos que o objetivo seja causar trauma de infância. Começa com uma menininha medrosa no carro com seus pais. Papai dirige mal pacas, e eles vão parar na entrada de um túnel. Claro que entram no túnel, se bem que Chihiro, a garota de uns dez anos com pernas mais finas que as da Cameron Diaz, não quer ir. Do outro lado, encontram um parque de diversões abandonado. Numa das barracas há um monte de comida, e os pais vão comendo, comendo... até virarem porcos. Parece que tô contando a história inteira, né? Que nada! Estes são os primeiros quinze minutos. É ou não é de terror? O resto do filme mostra Chihiro tentando salvar seus pais e trabalhando numa casa de banhos pra fantasmas, uma espécie de spa de espíritos, pelo que captei. E dá-lhe bebê gigante, pássaros de papel, trem andando por trilhos sobre as águas, e outras passagens totalmente oníricas e até psicanalíticas.

“Viagem” é isso, a maior viagem mesmo. É uma mistureba de “O Mágico de Oz” e “Alice no País das Maravilhas”, com uma pitada de “Submarino Amarelo”. O filme chega a ser psicodélico, mas, graças aos céus, não como aqueles outros desenhos japoneses cheios de flashes que fazem as crianças terem ataques epilépticos. Também não tem nada a ver com “Pokemon”. Os desenhos são verdadeiras pinturas à mão. E “Viagem” segue a mitologia japonesa, com um ritmo próprio, sem gracinhas à la Disney. Deve ser esta a causa de Hayao Miyazaki ser considerado deus pelos animadores da Disney. Certo, eu nunca tinha ouvido falar do sujeito, mas fiz minha lição de casa e descobri que Hayao é um dos principais nomes dos desenhos no planeta. No Japão, “Viagem” fez tanto sucesso que desbancou o recordista de bilheteria “Titanic”. Depois foi colecionar prêmios mundo afora. Pela primeira vez em meio século de Festival de Berlim, o Urso de Ouro foi pra um desenho. Ganhou o Oscar de animação, essas coisas.

Portanto, o filme vem com altas recomendações, muito maiores do que as que eu posso dar. Vá vê-lo correndo, mas sem esperar entender tudo, que acho que a intenção de “Viagem” não é ser mastigado. E não sei se você deve levar criança pequena. Um dos espíritos é um monte de esgoto; outro é um sem rosto de quem dizem: “Ele já engoliu um sapo e duas lesmas”. E nossa heroína vive sob a ameaça constante de virar carvão. Ah, e vômito em desenho animado ainda é vômito, e é bem nojentinho. Nessas cenas eu só pude pensar: seria o Hayao um Cronenberg nipônico?





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