Será que chega hoje? Eu vi O Nevoeiro (The Mist) nos EUA, no final do ano passado. Tava marcado pra vir ao Brasil em dezembro, e depois foi adiado mais duas vezes. Como já mencionei demais o filme, e sei que pra você o que eu falo é lei (basta ver como meus leitores sempre votam nos meus favoritos nas enquetes. É só eu odiar um filme, tipo Shrek, que ele fica lá, liderando a pesquisa, solitário, sem um votinho sequer), as expectativas devem estar enormes. E a gente sabe que, quanto maior a expectativa, maior o tombo. Então, por mais impossível que seja, tente ignorar minha opinião, e vá ver O Nevoeiro levando em consideração apenas os críticos americanos. Eles não fizeram trocadilhos infames como eu, que chamei o terror de misterpiece e obra-neblina. Não, os ridículos deram nota 58. Pra mim, é simplesmente a melhor adaptação de uma história do Stephen King pro cinema. Quer dizer, só perde pro Iluminado. Fica empatado com outros grandes filmes, como Carrie e Um Sonho de Liberdade. E é a melhor adaptação de uma trama do King desde o ótimo Louca Obsessão, que já tem dezoito anos. Pra não encher demais a bola do Nevoeiro, vou dizer apenas que foi o segundo melhor filme do ano passado (ainda prefiro um pouquinho Senhores do Crime), e o melhor terror dos últimos, sei lá, dez anos. Mesmo que eu seja famosa por falar bem dos filmes (cof), não é sempre que eu elogio tanto assim.
Mas, como eu disse, ignore tudo que falei, e vá tranquilo, esperando ver um filminho B (que é como eu fui na primeira vez). Em muitos sentidos Nevoeiro é um terrorzinho barato, meio trash, a la Ataque dos Vermes Assassinos. Pense assim: o que seria de Os Pássaros se o casal central não tivesse deixado a lanchonete no posto de gasolina? (em Nevoeiro tem até uma mulher pedindo: “Por favor, pare de falar isso. Você está apavorando as crianças”). A diferença é que o terror acontece quase que inteiramente num supermercado. Uma neblina toma uma cidadezinha. Ninguém sabe a causa, ou o que vem junto. A maior parte do filme é a reação das pessoas enclausuradas no super, e olha, não é uma reação bacana, que eleva o espírito humano. Pelo contrário, este terror não tem a menor fé na humanidade. Além de ser anti-militarista até a medula (o exército tem responsabilidade; os soldados são covardes ou inúteis), sobra mesmo é pra direita cristã, encarnada aqui pela Marcia Gay Harden (Pollock, Sobre Meninos e Lobos). A mulher tá incrível, inspiradíssima, e muito mais medonha que qualquer coisa trazida pela névoa. Veja o trailer, se quiser, mas saiba que ele não faz justiça ao filme.
E por que não? Fácil: porque o trailer se esforça em contar a trama, e trama em filme de terror não importa tanto. O fundamental é o clima. O Nevoeiro não deixa a peteca cair. É suspense puro desde que o pessoal pisa no supermercado até o final. E que final! Eu tinha certeza absoluta que esse não era o fim do conto do King. E estava certa, pra variar. Se você quiser ler o conto, tá aqui, em português. Eu fico impressionada com o que o Frank Darabont faz com as historinhas do King. Com todo respeito ao escritor, que tem idéias muito boas mas não escreve tão bem, o Darabont parece ser o único habilitado a adaptá-lo. O Nevoeiro é sua terceira vez. A primeira, Um Sonho de Liberdade, deu mais do que certo (um dos dez melhores filmes da década de 90). A segunda, À Espera de um Milagre, menos. Aí o Darabont pega um conto (longo) e o estica, sem que nada fique forçado. A única cena que eu tiraria seria um brevíssimo romance entre uma caixa e um soldado. Mas Darabont consegue uma proeza: faz um filme muito fiel ao conto (tirando o final), ao mesmo tempo que o melhora. Por exemplo, compare a cena assustadora do protagonista tentando pegar o revólver no capô do carro com o que tá no conto (duas linhas mal-escritas). Compare o tratamento dado à fanática religiosa no conto – King a chama de “aquela cadela louca, feiticeira” e não lhe dá voz. A explicação pro nevoeiro no filme quase justifica a fé da mulher, pois Darabont acrescenta algumas sombras de dúvida (e palpites pra que as pessoas no super a vejam como profeta). Quem sabe Deus até gosta da Marcia? Sem falar que Darabont mudou o tom do conto do King, que tenta aliviar a tensão com piadinhas. Não sei como é estar numa situação tão medonha, mas imagino que as pessoas não fiquem conversando sobre redução de impostos. No filme não tem alívio, e as piadas são substituídas por todo um subtexto político (Guerra do Iraque, EUA pós-11 de setembro). O diretor se dá direito a uma única gracinha: a velhinha que mata um inseto gigante com inseticida. O resto é puro desespero.
Pois é, inseto gigante? Tô vendo a sua cara de nojo. Entendo como você se sente. Eu também prefiro um terror onde as coisas são sugeridas, não mostradas. Logo, quando a primeira criatura estranha apareceu, eu fiz “Ihhhh”. Mas aqui existe uma explicação (rápida e rasteira, como deve ser) pra todos os monstrengos – que, aliás, além de darem um charme B à película, estão muitíssimo bem feitos, pela mesma equipe de Labirinto do Fauno. Um dos caipiras no super, o mais burro e contra-producente, me lembrou meu vizinho que adora música alta, só que mais velho. Uma das cenas mais terríveis ocorre quando insetos alados gigantes começam a entrar no supermercado, possivelmente atraídos pela luz. Algumas pessoas correm pra apagar as luzes, enquanto meu vizinho estúpido corre na direção oposta, acendendo todas.
Tirando a identificação com meu vizinho (que eu gostaria muito que virasse papinha de inseto gigante), é certo que eu amo filmes que sugerem o fim do mundo. E terror passado em lugares familiares é um prato cheio pra mim. O maridão sempre diz que supermercado é sinônimo de civilização, e eu mais ou menos concordo, às vezes. Portanto, se é pra estar presente quando o mundo acabar, que seja dentro de um super. Assim eu morro de overdose de chocolate muito antes que o nevoeiro venha me pegar. Pode ser que por conta dessas fantasias chocolamentais eu tenha gostado tanto do filme. Confira e me conte.Já já alguma coisa vai romper este cordão umbilical.