CRÍTICA: O GRANDE TRUQUE / Me engana que eu gosto
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CRÍTICA: O GRANDE TRUQUE / Me engana que eu gosto


Com “O Grande Truque”, o Christopher Nolan acertou de novo. Viva o Nolan! Olhando pra trás, entre “Amnésia”, “Insônia”, “Batman Begins” e este “Truque”, “Insônia” parece ser o piorzinho. E ainda assim é bem acima da média. Claro que o Nolan não é um Almodóvar, mas no que ele se propõe a fazer, ele vem fazendo muito bem. Tiro minha cartola pra ele. Quer dizer, quem ainda usa cartola hoje em dia fora os mágicos? E acho que o que eu queria dizer era algo como tirar coelho da cartola. Estou confusa.

Tá, mas é só mencionar essa palavrinha, cartola, pra gente constatar como mágica é uma arte ligada ao passado. Por isso é deveras estranho que Hollywood produza dois filmes sobre o assunto no mesmo ano, este “Truque” e “O Ilusionista”, que ainda não estreou aqui, e desde já duvido que seja melhor. Ambos tratam de mágicos no final do século retrasado. (Infelizmente “O Ilusionista” recebeu o mesmo nome de uma comédia holandesa sem diálogos dos anos 80. Nem me lembro do troço, embora a capa do vídeo com um carinha andando de bicicleta tenha sido meio traumática pra mim).

Bom, eu gosto de ir ao cinema sem saber nada sobre o que vou assistir, e sugiro que você faça igual. Tinha visto o trailer de “Truque” uma vez só, então nem me recordava que era do Nolan, com o Hugh Jackman. Olhei pra ele e nem pensei no Wolverine. O Christian Bale, lógico, não dá pra deixar passar batido desde “Psicopata Americano”. Os dois estão excelentes como mágicos rivais, e isso é tudo que você vai ouvir de mim sobre a história. O Michael Caine, digno como sempre, mas ele empresta dignidade até a “Miss Simpatia” e “Tubarão IV”, faz o tutor de um deles. Agora, quem me chamou a atenção mesmo foi o David Bowie, de cabelo preto e bigode. Eu não iria acertar em quarenta chutes! Há também três atrizes loiras e bonitinhas que mais ou menos se confundem entre si. A Scarlett Johansson é a dos lábios mais carnudos.

Fora uma parte no meio em que alguém seqüestra o assistente do outro e o enterra (não sei se faltou algum fotograma ou se tava confuso mesmo), e tirando algumas reviravoltas a mais, “Truque”, no geral, é ótimo. Envolveu o público, que tava quase tão eletrizado quanto uma cerca elétrica que aparece e faz o Hugh não parecer muito inteligente. Por exemplo, ouvi um cochicho quando surge o sósia do Hugh. Todo mundo queria saber se era ele mesmo ou um ator igualzinho. “Truque” é o tipo de filme cheio de ação, mas os tiros e explosões têm razão de ser. Posso desde já dizer que prefiro este “Truque” despretensioso a qualquer coisa que o Eastwood arme em “A Conquista da Honra”. Adivinha qual será indicado ao Oscar? Honra contra truque, e o pessoal da Academia nem pisca.

Isso de achar que qualquer honra é superior à trucagem é um erro, ainda mais quando se fala de cinema. Mágicos enganam as pessoas. Essa é a arte deles, iludi-las para que elas acreditem que viram algo que não viram, ou atrair a atenção delas pra uma outra coisa enquanto o truque principal acontece lá bem diante dos olhos. Cinema é igual, ué. Ouso dizer que o cinema surgiu basicamente na mesma época em que a mágica entrou em declínio, perdeu sua aura. Uma magia substituiu a outra, mas o que está por trás das duas é a enganação. E não é “enganar” no mau sentido. A gente paga pra ser iludida. Quando a edição despreza um personagem pra que ele apareça bem pouquinho, quando a câmera enfoca algo não tão relevante, tudo isso é enganação. Há inúmeros truques em “O Grande Truque”, e dá a maior vontade de ver o filme de novo só pra acompanhar o passo a passo da trucagem. Cá pra mim, nunca me preocupei muito em saber como uma mágica é feita. Claro que tenho curiosidade, mas aceito ser iludida. O mesmo com o cinema: eu sei que não é real, e não me importo. Mas que negócio é esse de matar pombas durante uma mágica? Que horror!

Se quiser ir um pouquinho mais a fundo, “Truque” é também sobre duplos e cópias. O próprio personagem do Christian é um duplo do personagem do Hugh. Apesar de toda aquela competitividade, por baixo os dois são parecidos, obcecados. E mesmo eles têm outros duplos. Quanto às cópias, isso ocorre num momento do filme em que ele descamba pra ficção científica, mas eu gostei. Fui discutir esse viés filosófico de “Truque” com o maridão. Comentei com ele como a gente sempre suspeita da cópia e acha que o original é superior. O maridão respondeu que eu preciso conhecer um colega dele que vende xerox de livro de xadrez e insiste que a cópia é infinitamente melhor que o original. Deve ser mágico, esse colega.





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