Geral
CRÍTICA: OS OITO ODIADOS / Ninguém é mais alvo do ódio que uma mulher
Vi Os 8 Odiados (trailer legendado) esses dias e não gostei nadinha. Sou grande fã do Tarantino, o que não quer dizer que meu amor seja incondicional.
Seu oitavo filme (talvez o título seja uma alusão a esse número) tem quase três horas. A primeira metade, pelo menos, é chata e arrastada pra caramba. Taranta é tão conhecido pelos seus ótimos diálogos quanto pela sua violência com senso de humor, digamos, mas não há praticamente nada que se salve (bom, gostei da trilha sonora do Ennio Morricone) na primeira hora e meia. As falas são looongas. Parecem improvisadas, e Taranta não sabe quando cortar (Django Livre também tinha sérios problemas de edição, sinal de que a montadora Sally Menke faz muita falta). Elas continuam, sem o menor efeito -- além de fazer o espectador cochilar.
A história só engrena mesmo a partir do quarto capítulo (há seis no total), quando os principais personagens estão reunidos num armazém. Porém, se não fosse um filme do Taranta, compensaria esperar até lá? Acho que não. Aliás, tenho certeza de que não haveria tanta gente defendendo a obra se ela não fosse a de um grande diretor. Um grande diretor que, vale dizer, perdeu a mão. Tanto 8 Odiados como Django Livre são muito fraquinhos. Talvez seja a hora de Taranta parar de fazer faroeste, pelamor?
O filme se passa mais ou menos em 1870, pouco depois do fim da Guerra Civil americana, e mostra o percurso de dois caçadores de recompensa levando quem pegaram. Kurt Russell, super desperdiçado (seu personagem poderia ter sido feito por qualquer outro ator) é um deles; Samuel L. Jackson (só poderia ser ele, que está em 50% dos filmes do Taranta), outro.
E a prisioneira que Kurt leva para entregar para a forca é Daisy Domergue, feita por Jennifer Jason Leigh, caricata que só (ainda assim deve ser a única a ser lembrada no Oscar). Quem rouba todas as cenas é o ator menos conhecido do bando: Walton Goggins (o vilão amigo do protagonista na série Justified), que faz um cara dizendo que será xerife.
Li muita gente reclamando do uso excessivo da palavra racista "nigger" (que, na realidade, é usada menos que em Django), e poucos reclamando do uso igualmente excessivo de "bitch" (vadia, cadela). Daisy, a personagem de Jennifer, praticamente só é referida por esse insulto machista. E é desolador como Daisy é o saco de pancadas da história. Certo, quase todo mundo que aparece é envenenado ou crivado de balas, mas ninguém chega perto de Daisy.
Na primeira cena que a vemos, ela jé tem um olho roxo.
[SPOILERS]. Ao longo do filme, vão bater nela cada vez que abre a boca, atirar nela, quebrar seu nariz, jogar guisado quente em seu rosto, vomitar sangue na cara dela, bater nela com uma arma, surrá-la a ponto de tirar dentes e, no final, enforcá-la e torcer enquanto ela morre lentamente, já que ela morrer com um simples tiro seria poupá-la de um sofrimento que, segundo os personagens, ela merece. Se isso não é misoginia, eu não sei o que é. [Fim dos spoilers]
Taranta, respondendo a acusações de misoginia por 8 Odiados, disse que, quando vemos Kurt quebrar o nariz de Daisy com uma cotovelada, essa violência de espancar mulheres é um dos últimos tabus. Taranta quer que o público veja Kurt como um "bastardo brutal". Se este é o caso, parece que não funcionou muito bem: em várias sessões, pelo que li, o público ri. Não estou dizendo que Taranta seja misógino. Ele geralmente escreve excelentes papéis para mulheres em seus filmes (não aqui, e menos ainda em Django, mas há mulheres fortes e poderosas em Jackie Brown, Kill Bill, À Prova de Morte, Bastardos Inglórios. E só o fato de uma mulher apanhar num filme não faz dele misógino.
Pode ser uma denúncia contra a misoginia, o que certamente não é o caso em 8 Odiados. Daisy passa grande parte do filme com o rosto coberto de sangue. E sorri. Uma crítica vê seu sorriso como um "triunfo" contra a violência que sofre. Outras veem como uma mulher que aprendeu a aceitar a violência contra ela. Concordo com a segunda análise.
Taranta poderia ter feito um filme só com homens, como ele fez em Cães de Aluguel (e foi duramente criticado por isso). O personagem de Daisy poderia ter sido escrito para ser um homem. Creio que incomodaria também ver um cara (que, apesar de odioso, não vemos cometer crime algum, nem em flashback) sendo levado algemado e espancado o tempo todo, mas não dá pra comparar.
[Começo de MAIS SPOILERS]. Tudo que faltou foi Daisy ser estuprada. Todos os outros tipos de abuso, ela sofre. E a ela, ao contrário dos outros personagens, não é dada a chance de responder.
E por falar em estupro, há uma cena de estupro, a segunda cena de homem estuprando homem que Taranta mostra em seus filmes (a primeira foi em Pulp Fiction). Em 8 Odiados, a cena provavelmente nunca aconteceu (é mentira do personagem), mas Taranta a exibe mesmo assim, cheia de racismo.
Novamente, é uma cena de estupro interracial, que deve ter feito os espectadores homens e brancos terem se sentido bastante mal (quer dizer, nem todos: eu li no fórum do imdb um tópico chamado "Então Samuel L. Jackson é gay neste filme?" Tem gente que continua equiparando estupro a sexo, e não a poder e humilhação). [Fim dos spoilers]
Eu sei que a única coisa que conseguirei me lembrar de 8 Odiados, além da violência contra Daisy, é de uma fala preconceituosa, mas divertida. Um personagem, talvez mentindo, explica que até pouco tempo o estabelecimento de Minnie tinha uma placa na entrada, escrito: "Proibida a entrada de cachorros e mexicanos".
Ela tirou a placa porque passou a permitir a entrada de cachorros.
Mas pô, é muito pouco. Volte a fazer grandes filmes, Taranta!
-
CrÍtica: Bastardos InglÓrios / Segunda Parte, A Missão
Na primeira vez que vi Bastardos Inglórios, os personagens que me marcaram mais, ou talvez seus intérpretes, não sei, foram: - O Brad Pitt, excelente numa mistura nefasta de caipira americano/judeu/apache.- O detetive nazista feito pelo Christoph...
-
Cri-crÍtica De Trailer: Bastardos InglÓrios
Como sou fã número 1 do Tarantino, aguardo ansiosamente tudo que vem dele. Bem, não tudo. Não fiquei morrendo de vontade de ver sua participação no CSI (era um episódio em que ele enterrava o cara chato, né?), nem as parcerias que ele faz com...
-
CrÍtica: À Prova De Morte / O Sonho De Qualquer Crash Test
Três coisas que o Taranta parece gostar: pés, carros, e Kurt Russell. Como parece que À Prova de Morte (Death Proof) não vai chegar ao Brasil de modo nenhum - já foi adiado duas vezes; tava marcado pra hoje e sumiram com a data de novo - decidi...
-
CrÍtica: Kill Bill Vol 1 / Sem Modéstia: Mais Uma Obra-prima De Um Gênio
Chega hoje à Santa Catarina o super esperado “Kill Bill – Volume I”. Se não estrear na sua cidade, esperneie. Afinal, o troço foi lançado na Argentina e no Uruguai faz quase meio ano, acredite se quiser. E o que esses países têm que o nosso...
-
CrÍtica: Kill Bill Vol 1 / Tarantino é O Máximo
Morram de inveja. Assisti ao quarto e sen-sa-cio-nal filme do Tarantino,”Kill Bill – Volume I”, que só estréia no Brasil 19 de março, em Montevidéu. A má notícia é que até os uruguaios, seguramente o povo mais simpático da América do Sul,...
Geral