Gostei pra valer do documentário até a metade. É alto-astral, educativo e cheio de humor. Parecia uma comédia da tragédia ianque, de morrer de rir mesmo. Eu ri quase tanto quanto no último filme com o Jim Carrey. Também, pudera: Michael mostra membros do NRA, a Associação Nacional de Rifles, tentando posar de normais. A gente assiste caipiras clamando que cidadania significa defender o estado por conta própria e que todo filho patriota do Tio Sam deveria ter o seu fuzil MR-15. Sabe, essas coisas que fazem a gente pensar: ESTE é o povo mais poderoso do planeta?! Milênios de civilização pra chegar a este tipinho de ideologia? Em seguida, Michael conversa com o irmão de um dos homens que explodiram o prédio em Oklahoma. O sujeito, visivelmente perturbado, dorme com uma pistola carregada embaixo do travesseiro. Michael argumenta que a Constituição não limita o direito à posse de armas às armas de fogo. Podem ser armas nucleares, se o cidadão preferir armazenar plutônio em seu quintal. Mas o sujeito acredita que deve haver alguma espécie de controle porque, afinal, tem muito louco à solta por aí. E o documentário ainda insere um número hilário do comediante Chris Rock, que afirma que controlar armas é besteira. Devemos é controlar as balas, ele diz. Se cada bala custasse 5 mil dólares, o pessoal iria pensar bem antes de atirar (mais adiante no filme, vemos que as balas que mataram os alunos em Columbine foram compradas no Wal-Mart por 17 centavos cada).
Tem também uma montagem didática (e sem novidades no front pra quem estudou história) sobre como a CIA vem derrubando líderes democraticamente eleitos no resto do mundo nos últimos cinqüenta anos, e um desenho animado excepcional à la “South Park” apresentando um resumo do medo nos EUA. A pergunta que “Tiros” coloca é: por que os americanos são campeões em atirar contra si próprios se, em outros países ricos, o pessoal também porta armas? E a tese é mais ou menos que, nos States, impera uma cultura do medo. Ou seja, os americanos aprendem, através da mídia, a viverem eternamente apavorados. Esta paranóia coletiva faz com que consumam mais. Tudo interligado com o racismo (o filme exibe as conexões entre o NRA e a Ku Klux Klan). Pra comparar, Michael vai até o Canadá pra demonstrar que lá os moradores não trancam suas portas.
“Tiros” é duca na sua primeira hora. Depois, Michael decide que fazer rir de um material tão explosivo não é corrosivo o bastante, e parte pra salvar o mundo com suas próprias mãos. Aí fica bem piegas quando ele leva dois sobreviventes de Columbine ao Wal-Mart pra devolverem as balas remanescentes em seus corpos. E a entrevista com o presidente honorário do NRA e fascista de plantão Charlton Heston (o astro de “Ben-Hur”) deixa a desejar. Parece que Michael quer dizer: tá, fazer documentário é bom, mas tem que participar. Quando ele põe a mão na massa, a massa fica uma bagunça. Pena. Mas, claro, isso não significa que “Tiros” não seja um programão obrigatório pra quem ainda finge se surpreender com a estupidez americana.