Por onde começo falando de Violência Gratuita (Funny Games)? Posso dizer que vi o filme austríaco há dez anos, no Recife, e gostei muito. Fiquei impressionada. Depois o vi outra vez em dvd, em Joinville. E em março, em Detroit, vi a refilmagem. Sou mesmo uma pessoa cosmopolita! Mas deixe-me explicar, caso você conheça pouco ou nada do filme (veja o trailer aqui). Primeiro: apesar do título original, não há nada de minimamente divertido com os jogos da trama. A história em si é simples. Dois jovens, sem motivo algum, invadem a casa de uma famíla rica (casal e um filhinho), e atormentam a todos. O diretor Michael Haneke (dos interessantíssimos A Professora de Piano e Caché) deve ser um dos poucos cineastas do mundo a refilmar, praticamente quadro a quadro, sua própria produção. Este Violência Gratuita de agora é quase idêntico ao Violência original, de 1997, mas com astros como a Naomi Watts (Senhores do Crime) e o Tim Roth (Hulk) no elenco.
Por que um diretor refilma seu próprio filme, que é relativamente recente (uma década apenas), só que em outra língua e com outros atores? O maridão até que deu um argumento válido. Disse que na música isso é comum, e que Tom Jobim foi pros EUA regravar Garota de Ipanema e Águas de Março em inglês. É verdade, mas cinema é um meio tão mais caro que música (e que qualquer outra arte), que essa não é uma boa desculpa. Pensei, pensei, e concluí que Haneke refilmou Violência porque pôde. E porque o filme original era pequeno, e tirando eu, no Recife, pouca gente viu. E porque a trama critica justamente a violência do cinema americano, então fazer um filme desses e os americanos nem tomarem conhecimento deve ser frustrante. O problema é que, mesmo que este Violência seja em inglês e com a Naomi, ainda é prum público limitadíssimo, mais de cinema de arte mesmo. É o anti-Hollywood, já que quase toda a violência acontece fora do alcance da câmera. Acho que tem somente um soco que a câmera capta, mais nada.
Trata-se de um thriller envolvente, nem um pouco chato, e bem do tipo “O que você faria?”. Pode-se gostar ou não de Violência, mas o fato é que ele é inesquecível (o maridão às vezes se esquece do título. Quando eu digo “O dos ovos”, ele se recorda na hora). O filme brinca com as expectativas do público. A primeira vez que vi fiquei revoltada que os personagens gastariam tanto tempo tentando reativar um celular. Eu devo ter gritado com a tela: “Vai logo! Esquece essa porcaria!”, e desta vez, nos EUA, vi o mesmo acontecer. A gente torce como nunca pra que um dos “mocinhos” vire Rambo e mate aqueles dois miseráveis. Em mais de uma ocasião eles falam com o espectador(a), olhando diretamente pra câmera. Uma diferença gritante entre o original e este remake é que, depois do negócio com o controle remoto, o Haneke tira a fala do vilão, “Você ia gostar disso, não ia?” (e ia mesmo). Eu gostava dessa fala!
Porém, nem preciso me guiar pelo barulho do público pra medir como Violência mexe com os brios. A reação do maridão me basta. Não há outro filme que deixe minha cara-metade tão nervosinha depois! Lembro que tivemos uma briga parecida cinco ou sete anos atrás, quando vimos o original em dvd. O maridão é cético, acha que não dá pra fazer nada mesmo, e que todos, naquela situação angustiante, seriam cordeirinhos indo calmamente pro abate. Eu argumento que não, que tentaria conversar com os caras e fazer alguma coisa. O quê eu não sei. Mas se é pra morrer, vou morrer lutando.