Democracias de mentira - ALEXANDRE VIDAL PORTO
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Democracias de mentira - ALEXANDRE VIDAL PORTO


FOLHA DE SP - 20/07

Democracia que não admite dissenso é só uma tirania eleita. Conhecemos várias, e nenhuma delas é bonita


Ser minoria é complicado. Não deveria, mas é. Os alunos de uma escola coreana em Kyoto aprenderam essa lição quando um grupo ultranacionalista japonês organizou protestos contra a utilização por eles, alunos, do parque adjacente à escola.

Para os manifestantes, o parque era só para japoneses. Filhos de estrangeiros não deveriam usá-lo.

Isso foi em 2008. Desde o começo deste ano, porém, a frequência das ações dos ultranacionalistas japoneses aumentou. Recentemente, houve manifestações em que se exigia a saída dos estrangeiros do país, sob pena de serem "massacrados".

A virulência fez com que o parlamentar Yoshifu Arita apresentasse projeto de lei criminalizando o discurso de ódio contra minorias.

A iniciativa do parlamentar é positiva. O nível da proteção estendida às minorias é indicativo da qualidade de um regime democrático.

O membro de uma minoria, seja ela étnica, política, religiosa ou sexual, tem direitos que não podem ser ameaçados ou suprimidos.

Um regime democrático que desrespeita os direitos das minorias se enfraquece. Foi o que aconteceu com Mohammed Mursi, o primeiro presidente eleito do Egito, deposto por militares no começo do mês.

Mursi e seu grupo político, a Irmandade Muçulmana, viram nas eleições uma oportunidade para impor ditames religiosos sobre toda a população, limitando os direitos individuais de quem não pensava como eles. Acabaram depostos, em resposta a milhões de pessoas que foram às ruas pedir sua saída.

Para quem controla a máquina estatal, suprimir minorias é fácil. A história está cheia de exemplos de líderes que, ao chegarem ao poder, governaram autocraticamente, desprezando visões oposicionistas.

Alguns, como Mursi, haviam sido eleitos por voto popular. Nesses casos, quem perde é a democracia.

Líderes eleitos governam para todos --para os que com eles concordem ou não. Achar que as urnas asseguram o direito de ignorar os eleitores derrotados é autoritário.

Trata-se de visão simplista, convenientemente deturpada, que considera a existência de eleições fator suficiente para conferir caráter democrático a um regime político.

Acontece que, para o verdadeiro exercício da democracia, eleições são só o começo. É preciso, também, o respeito a uma ordem constitucional pluralista, imprensa e instituições livres, e um sistema judiciário que aplique a lei com equidade.

Sobretudo, democracia pressupõe garantia aos direitos individuais. Sem isso, não adianta querer posar de democrático.

A intransigência que inviabilizou o governo de Mohammed Mursi e aleijou a democracia egípcia pode ser observada em diversos lugares.

Líderes eleitos com instintos autoritários parecem acreditar que a vitória alcançada nas urnas lhes confere permissão para suprimir direitos aos que a eles se opõem.

Com o objetivo de se eternizarem no poder, destroem o próprio sistema que os habilitou a governar.

Democracia que não admite dissenso é só uma tirania eleita. Conhecemos várias, e nenhuma delas é bonita de se ver.






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