De uns tempos pra cá, o Jornal Nacional passou a terminar sua edição dizendo "boa noite", se a última notícia havia sido boa, ou "até amanhã", se o fato fosse trágico. Imagino que os narradores comemorariam os 30 anos de existência do noticiário com um sonoro boa noite. Enquanto nós, telespectadores, estaríamos pendendo mais para o "até amanhã". Ou até nunca mais, que seria melhor.
Talvez a Globo tenha motivos para celebrar esses 30 anos da nossa "Voz do Brasil", versão televisiva. Ainda é o programa mais assistido no Brasil, se bem que a audiência caiu de 70 pontos de Ibope, nos anos 80, para os 40 atuais. Mesmo assim, 40 é ponto que não acaba mais, permitindo que a Globo cobre cifras estratosféricas para suas inserções comerciais.
Para qualquer pessoa que não tenha a televisão como única fonte de informação, que leia jornais e revistas e questione o que vê, o Jornal Nacional não assusta. A lavagem cerebral só funciona com aqueles (que não são poucos) que acreditam em tudo que aparece na telinha, no estilo "Deu no New York Times" - o que sai é lei. E não é à toa que o jornal se chame nacional, já que continua sendo o porta-voz da moral e de qualquer governo federal.
Quando você pensa em Jornal Nacional, quais são as primeiras imagens que vêm à sua mente (fora o Cid Moreira; deixa o velhinho no Fantástico anunciando mister M)? Eu me lembro de quando, em 1982, a Globo manipulou os números das eleições para governador do Rio - o escândalo Proconsult. O JN tentou eleger qualquer um que não fosse seu arquiinimigo Brizola na marra. Não deu certo por pouco.
Em 1984, época das diretas-já que a emissora de Roberto Marinho não mostrava, a Globo estava tão impopular (apesar de altamente popular no Ibope) que não podia sair com as caminhonetes com o logotipo, sob o perigo de ser apedrejada. O slogan para quem participou dessas manifestações era inolvidável: "O povo não é bobo; abaixo a Rede Globo!". O tempo provou que o povo é bem bobinho sim. Tanto que chorou com a morte de Tancredo. O JN do dia pôs no ar a comovida Fafá de Belém cantando o hino, e a gente se derramou pelo nosso novo Tiradentes.
Após o JN ter sido fiscal do Sarney, promovendo o cruzado a torto e a direito, foi a vez de dar uma mãozinha na eleição direta para presidente. A Globo tinha seu candidato: Collor. Dizer que a emissora só beneficiou o primeiro Fernando na edição daquele famigerado debate é injusto. Desde o início da campanha, em 1989, deu muito mais destaque e elogios a Collor. O debate editado e as imagens dos seqüestradores do Diniz com camisetas do PT foram só a gota d'água, o toque de mestre.
O orgulho global por haver eleito seu escolhido não durou muito - e talvez tenha sido aí o começo da despolitização do JN. No final de 1992, o país parou... Mas não para assistir ao impeachment de Collor, e sim por causa do assassinato de Daniela Perez. A morte da atriz recebeu cobertura mais ampla do que a deposição do presidente.
Eu ainda me lembro vagamente das eleições do ano passado, quando o JN omitiu uma candidata de SP e tirou do segundo turno a Marta Suplicy. E, com os discursos do Arnaldo Jabor, sempre bem afinados com os da Globo, o JN permanece bastante político. A própria despolitização tem por trás um projeto político. Quando o JN gasta metade dos seus escassos vinte minutos para falar da macaca Capitu, pode apostar que alguma notícia importante está sendo esquecida. Na véspera da privatização das teles, só pra ficar num exemplo clássico, o JN foi dedicado à Sasha. O diretor do JN alega que é o povo que está alienado, e que a Globo só segue a tendência. O que veio primeiro, o ovo ou a galinha?
Hoje, o JN é uma mistura de Video Show, uma vitrine para as atrações globais, como o Globo Repórter. É um programa de variedades, mas que continua cumprindo bem sua missão de alienar, disfarçar, e manipular. Não há o que festejar. Como diriam os apresentadores após a notícia ruim, até amanhã.