Uma pesquisa realizada no último domingo (16) com manifestantes que participaram do ato contra o PT e pelo impeachment de Dilma Rousseff, na Avenida Paulista, resultou em dados que chamaram a atenção da doutora em Ciência Social e pesquisadora da Unifesp, Esther Solano. Em parceria com representantes da USP e Open Society, Solano coordenou uma equipe de entrevistadores que conversou com quatro centenas de insatisfeitos com o atual governo. Ao GGN, ela disse que ficou supresa ao detectar que nem todos que estavam na principal via de São Paulo concordam e seguem a mesma linha de pensamento político dos agitadores do protesto.
"A primeira [observação a ser feita] é o desmonte do discurso dos organizadores, como Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua e Revoltados Online. Todos eles trabalharam com a ideia do antipetismo, como se não houvesse outra corrupção no Brasil que não a do PT. Então perguntamos aos manifestantes se eles pensavam que corrupção, de fato, é só coisa de petista, ou se eles também pensam que outros dois grandes partidos, que são PMDB e PSDB, estão metidos com corrupção. Citamos os escândalos do mensalão mineiro e cartel do metrô de São Paulo, e a maioria das pessoas admitiu que são escândalos graves. Ou seja, os organizadores podem nunca falar da corrupção tucana, mas os manifestantes estão cientes.”
A partir dessa primeira provocação, uma lista com figuras os nomes da presidente Dilma, do governador e do prefeito de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), respectivamente; da cúpula do Congresso, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, ambos do PMDB; e do adversário de Dilma na última disputa presidencial, Aécio Neves (PSDB), foi apresentada ao entrevista com a seguinte questão: você acha esse político corrupto?
O resultado foi que todos os citados, inclusive os tucanos que ajudaram a convocar o protesto, foram considerados, em algum nível, corruptos. Dilma, que era o principal alvo no domingo, é corrupta para 86,6% dos que responderam. Só perde para Renan, mal visto por 93,8%.
Se há casos de corrupção em todos os partidos, como explicar, então, as inúmeras imagens televisivas que retratavam apenas o apoio dos manifestantes à Lava Jato, investigação associada pela grande mídia ao atual governo?
Para Solano, o problema é que “o jornalismo superficial fica apenas nesses cartazes, e não fala com o manifestante de forma mais profunda", algo muito parecido com o que ocorreu em 2013 em relação ao praticantes da tática Black Bloc. "De fato", continuou, "o sentimento antipetista é enorme. Mas se você ficar só na superfície, vai pensar que eles adoram o PSDB, são todos conservadores e acham que o PSDB não tem nada de errado. Não. Eles até votam no PSDB, mas por falta de alternativa. No fundo, acham que o sistema todo é corrupto.”FHC, Alckmin e Serra.
Pauta à esquerda?Outro ponto que prendeu a atenção de Solano, na pesquisa, é que os agitadores dos protestos pregam ideias neoliberais, uma agenda que rejeita o intervencionismo do Estado e muitas políticas sociais, mas isso não é unanimidade entre os manifestantes.
“Nós provocamos achando que os manifestantes concordariam com isso. E o que ficou claro é que a maioria quer serviços gratuitos, não querem Estado privatizador ou neoliberal. Querem transporte, educação e saúde de graça, e isso é uma agenda mais à esquerda. Transporte de graça é uma pauta que o Movimento Passe Livre cobrou em 2013! Havia a ideia de que os manifestantes são de direita, mas o interessante é que eles querem um Estado provedor de bons serviços", ponderou.
Mas se os manifestantes não concordam com a agenda do "Estado mínimo", como pede o jovem Kim Kataguiri, do MBL, como explicar a adesão de centenas de milhares de pessoas ao ato?
Segundo Esther, "o ponto fundamental é o sentimento antipetista. É o que une todo mundo na rua. Uma coisa é as ideias à esquerda. Outra coisa é o PT. O problema, evidentemente, é com o PT. Talvez isso iniba essas pessoas de votarem na agenda à esquerda, inclusive. Se talvez tivesse uma liderança de esquerda, que não fosse petista, à frente da discussão da crise, provavelmente seria possível reunir essas pessoas sob outro guarda-chuva. O problema é que não temos agenda mais à esquerda importante fora do PT.”
Manifestação excludenteEsther Solano ainda apontou para o "caráter excludente" do protesto do dia 16. "Quase todo mundo é da classe média ou alta. A grande maioria é branca. Vai pai, mãe, filhos com uma visão muito longe da que tem a família da periferia. Os problema da periferia são outros", disse.
"Para mim", emendou a pesquisadora, "uma coisa que ficou clara é o tema das selfies com a Polícia Militar apenas dois dias após a chacina em Osasco [e Barueri, com suspeita de participação de policiais na morte de 18 pessoas]. É como se fossem duas realidades totalmente diferentes. O povo da periferia, embora desconte, não se sente à vontade em protesto de branco, tirando selfie com a PM. Esse povo da Paulista também não está reinvidicando nada para a periferia. É um protesto de classe média.”
O perfilO estudo revelou que 57,3% dos manifestantes são homens e 42,7%, mulheres. A maioria, 65,4%, já tem graduação e outra parcela, de 12,1%, tem ensino superior incompleto. Somando os que estão em fases do colegial ou apenas concluíram essa etapa de estudos, o resultado é 21,7%. A maior parcela está espalhada na casa dos 20 a 60 anos. Outros 10,9% têm entre 60-70 anos; 5,8%, entre 70-80 anos, e apenas 4,7% tem mais de 16 e menos de 20 anos.
Quando questionados sobre a cor da pele, 73,6% responderam que são brancos; 15,1%, pardos e 5,7%, negros. Amarelos, indígenas e outros somam 5,6%.
Apenas 6,7% responderam que a renda familiar está abaixo dos R$ 1.5760,00. Outros 8,6% informaram ganhar até R$ 2,6 mil. Uma parcela de 22% disse estar na faixa de renda entre R$ 3,9 mil e R$ 7,8 mil. Mais 13,8% recebem até R$ 3,9 mil. A maioria (28,9%), contudo, ganha registra renda familiar entre R$ 7,8 e R$ 15,7 mil. Outros 19,5% têm renda superior a R$ 15,7 mil.
Um paralelo com junho de 2013Solano é uma das autoras do livro "Mascarados", sobre a atuação de Black Blocs em São Paulo, e acompanhou os grandes protestos que ocorreram desde as explosões de junho de 2013 (leia mais aqui). Para ela, a principal diferença entre o que ocorreu há dois anos e hoje é justamente o perfil excludente.
“A bandeira era outra, uma questão de cobrar o Estado, algo mais social. Hoje é excludente. Impeachment não é algo forte em todo o País. Esse discurso raivoso e polarizante também não tinha em 2013, embora houvesse uma insatisfação política que segue até hoje. O que aconteceu é que os organizadores conseguiram evidenciar o antipetismo e o sentimento anti-Dilma. A esquerda perdeu a possibilidade de estar com os manifestantes em função disso.”
Àquela época, Dilma veio a público com um pacto por melhores serviços públicos. Para Solano, hoje, não é certo que o uso de estratégia semelhante rendesse bons frutos para a presidente.
"Eu tenho dúvida. A bandeira agora é o impeachment, para as grandes manifestações. Mas se você ver a atitude do Congresso, dos empresários, da própria Globo, estão todos contra o impeachment. Então não sei se seria o caso de Dilma tentar uma reação em público como fez em 2013. Também não se sabe se esses manifestantes antipetistas querem conversar. Eles não parecem querer diálogo com o governo. Parece que o momento é de construir outras pontes e deixar esse movimento do ‘Fora PT’ morrer por si só, aos poucos.”
A pesquisa (veja mais aqui) coordenada por Solano (Unifesp), Pablo Ortellado (USP) e Lucia Nader (fellow da Open Society) ouviu 405 manifestantes maiores de 16 anos, entre 12h e 17h30, no dia 16 de agosto, ao longo de toda a extensão da Avenida Paulista. A margem de erro é de 4,9%, com 95% de confiança.