DEVOLVAM MINHAS REFERÊNCIAS CULTURAIS
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DEVOLVAM MINHAS REFERÊNCIAS CULTURAIS


Semana passada saiu uma pesquisa realizada em Wisconsin, EUA. Alguns veículos mais sensacionalistas decidiram noticiá-la com títulos como este: “Maioria dos estudantes nos EUA acha que Beethoven é um cachorro”. Quando vi isso, minha primeira reação foi: mas Beethoven é um cachorro, ué. Mais especificamente, um São Bernardo, protagonista de vários filmes-família. Certo, Beethoven é também aquele brilhante compositor surdo. E se minha primeira associação com Beethoven não for nem com o cão, nem com o compositor, e sim com a trilha sonora favorita do Alex em Laranja Mecânica? Posso?
A pesquisa não testa pessoas velhinhas como eu, mas jovens de 18 anos ingressando numa universidade, nascidos por volta de 1992. E o que o levantamento revela é o óbvio: que nossas referências culturais mudam de acordo com a época, e mudam rapidamente. Melhor nem discutir por que tantas das nossas referências culturais venham dos EUA, né? Tudo bem que americanos saibam que houve um São Bernardo chamado Beethoven, mas por que nós, brasileiros, agimos como se o cão fosse nosso? Até parece que eles sabem quem matou Odete Roitman. Opa, taí: a minha referência de fato famoso numa novela é pré-histórica. Um jovem brasileiro provavelmente desconhece que existiu um personagem chamado Odete Roitman. E quem matou Salomão Ayala? Piorou. Se eu quiser me comunicar com os jovens, preciso atualizar minhas referências. O problema é: tem alguma novela hoje que gere a repercussão desses folhetins antigos? Não, não tem. E o motivo é simples. Na época de Odete, a Globo conseguia 70% de Ibope. Hoje, tem 30%. A emissora ainda fornece referências culturais importantes, mas não tem mais o poder de parar o país pra que acompanhe o final de Roque Santeiro, ou, mais sério, de eleger seu candidato à presidência.
Ou talvez eu me lembre tão bem do cursinho pré-vestibular (outra referência que se perderá, espero) ter cancelado a aula no último capítulo de Roque Santeiro porque eu era adolescente na época. E dizem que o que a gente vive na adolescência ganha sentido especial pra gente, por esse período ser o mais querido da vida de uma pessoa (hã?). Deve haver algum sentido nisso, já que me lembro como se fosse ontem das músicas que tocavam no rádio quando eu tinha 15 anos, mas não aos 25. Ou pode ser porque, com 25, eu já não escutava mais rádio. Mas sei que a gente valoriza, sim, referências da nossa adolescência. Uma vez conheci um austríaco, jogador de xadrez nascido exatamente no mesmo dia, mês e ano que eu (a única pessoa que já conheci pra compartilhar aniversário), e ele fingiu nunca ter ouvido falar de ET, o Extraterrestre. É, fingiu, porque até hoje não acredito que alguém que foi adolescente em 1982 possa não conhecer o phone home. Não era só um filme, era um evento. Tinha bonequinhos, posters em todo o lugar, só se falava nisso. A gente sabia até da vida da atriz anã por baixo do personagem. É como Crepúsculo hoje ― existe adolescente de classe média que não saiba quem é Edward Cullen?
A diferença é que eu, que não sou adolescente faz tempo, e põe tempo nisso, conheço as referências culturais dos jovens (pelo menos essa do Crepúsculo, e o nome Lady Gaga não me é estranho), e eles não conhecem as minhas. Pra mim, Fergie sempre será antes de tudo uma princesa! Isso não faz de mim mais inteligente, e muito menos mais “culta” (sempre associado a uma cultura de elite), mas faz de mim mais rancorosa. Parece que os jovens não se esforçam. Como eles podem crer que o mundo só começou depois deles? E eu? E eu? Bom, eu, apesar de ter nascido em 1967, já vi e revi E o Vento Levou (de 1939), e li e reli Admirável Mundo Novo (1932). É chocante pra mim ver gente que nunca ouviu falar de Frank Sinatra. É triste jogar um joguinho de mímica de filmes com amigos quinze ou vinte anos mais jovens que eu e ver que, pra passar O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, eles precisam fazer a mímica de cada palavrinha, enquanto com pessoas da minha geração, passando “dragão”, alguém vai identificar o filme do Glauber Rocha. Mas é mesmo importante saber quem é Glauber, um cineasta cujos filmes envelheceram mal? Essas expressões que usamos, “envelhecer mal”, “tá datado”, servem pra dizer a mesma coisa: perderam suas referências culturais.
Talvez não seja fundamental conhecer Glauber hoje, mas é pedir demais pra que pelo menos saibam, de leve, como era o cinema brasileiro nos anos 60? Não acho nada bom que os jovens não saibam que existiu ditadura militar. Se alguém não sabe história, fica mais fácil mentir pra ele. Inventar, por exemplo (como vivo ouvindo de gente de direita), que Hitler era comunista, ou que socialismo e fascismo são idênticos. Ahn, quer dizer, daqui a pouco os jovens nem saberão mais o que é comunismo.
Acho que é preciso ter percepção das coisas. Tipo, nenhum jovem cairia no meu conceito por nunca ter chegado perto de um vídeo cassete (talvez até suba no meu conceito: vídeo não foi nenhum suprassumo. Pelo menos sei o que é rebobinar). Mas não dá nem pra ter noção de que “cinema em casa” é algo recente? Outro dia li uma entrevista do cineasta Walter Lima Jr. Nascido em 1938, ele falava de quando começou a ver filmes, com dez ou doze anos. E o jornalista perguntou pra ele: onde você via filmes: no shopping, em casa? Ahn, o jornalista deve achar que shopping center é contemporâneo dos dinossauros, e que, desde que o mundo é mundo, todas as salas de cinema ficam em shoppings (pros mais jovens: o primeiro shopping no Brasil é de 1963, e, até o início dos anos 90, ainda havia mais salas de cinema na rua. Só depois as igrejas evangélicas compraram todas, e os cinemas foram se refugiar nos templos de consumo). A TV brasileira começou em 1950, e duvido que ela passava filmes. O vídeo só se popularizou a partir de 1980. A internet, não preciso nem falar. Portanto, pro Walter, só havia uma forma de ver filmes: indo ao cinema, pô!
E é melancólico também não apenas que os jovens desconheçam as minhas referências culturais, como o fato de que logo logo elas estarão extintas. Eu não tinha ideia de tudo que o telefone celular está matando. Ao marcar com um amigo pra gente se encontrar num shopping, eu quis saber onde no shopping ― em que piso, na frente de qual café? E o salafrário de 30 anos de idade riu, porque, pra ele, era só chegar no shopping, e lá um ligaria pro outro. Eu não tinha essa referência (ok, tampouco tenho celular). Eu tive celular durante um ano, enquanto vivia nos EUA, e foi muito estranho, não me adaptava de jeito nenhum. Uma única vez atendi um telefonema fora de casa, e quase saiu fumacinha da minha cabeça por eu ter que andar e falar ao telefone ao mesmo tempo. Imagino que um bebê faça isso engatinhando, certo? É, eu sei. Mas daqui a pouco o despertador deixará de existir, porque o celular terá tomado seu lugar, e vou ter que depender do meu gato pra acordar às 5 da manhã. Relógio de pulso também tá que nem o DEM ― em vias de extinção. Olha só que trágico: se eu encarar alguém e apontar pro meu pulso, pedindo as horas, aquela pessoa me olhará torto!
Ou seja, já já vou me sentir como o Crocodilo Dundee. O quê, vocês nunca ouviram falar?!




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