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Diplomata inteligente se refugia na literatura - SILVESTRE GORGULHO
CORREIO BRAZILIENSE - 30/08
O Correio Braziliense, edição de 27 de agosto, foi duro e verdadeiro em sua manchete: "Crise joga Itamaraty no inferno". O jornal da capital da República aborda com mais propriedade e mostra os fatos que estão na mídia do mundo inteiro.
- O senador Roger Pinto Molina, depois de 450 dias asilado na Embaixada do Brasil, em La Paz, encontrou a liberdade pelas mãos do diplomata Eduardo Saboia, que, numa viagem dramática de 22 horas, rodou 1.600km e chegou ao Brasil quase sem gasolina.
- Antes, o embaixador brasileiro na Bolívia, Marcel Biato, havia sido afastado do posto em La Paz por exigência do presidente Evo Morales.
- A presidente Dilma Rousseff decidiu demitir o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, por perceber que ele não estava indignado o suficiente com o episódio...
- A jornalista Miriam Leitão faz um comentário ácido: A presidente Dilma bateu boca com um diplomata "e, pior, ao negar o que ele disse, acabou confirmando...".
- O embaixador boliviano no Brasil, Jerjes Talavera, lavou as mãos e disse que a demissão do chanceler Antônio Patriota é um "problema interno do Estado brasileiro".
- Os atos de força de Evo Morales contra o Brasil são constantes: ele mandou revistar o avião do ministro Celso Amorim e invadiu, de surpresa, as refinarias da Petrobras com tropas do exército boliviano.
Não sei por que o governo brasileiro é tão cordato com Evo Morales, com as Farc, com Cuba e tão parceiro das sangrentas e corruptas ditaduras africanas. Sim, já perdoou as dívidas do Congo, do Sudão, da Guiné Equatorial e do Gabão. Agora o governo quer a aprovação da liquidação das dívidas de Zâmbia, Tanzânia, Costa do Marfim e República Democrática do Congo. O perdão da dívida desses países soma mais ou menos R$ 1,8 bilhão.
A população desses países é pobre. Mas os ditadores são biliardários. Por exemplo: Teodorin, filho mais velho e possível sucessor do ditador Oblang (Guiné Equatorial), gastou num só leilão de arte na Christie"s, em Paris, o dobro da sua dívida com o Brasil. E comprou uma mansão em Malibu, na Califórnia, de 48,5 mil metros quadrados, ou seja, 15% do tamanho de Ipanema, no Rio.
É bom ficar claro: o governo federal perdoa a dívida, mas é cada um dos 201.032.714 brasileiros que paga a conta. No rateio, são R$ 8,95 por pessoa.
Eu fiz esta abertura toda para voltar no tempo. Li uma entrevista que Clarice Lispector fez para o jornal Última Hora com a escultora e embaixatriz Maria Martins, mulher do diplomata Carlos Martins.
Maria Martins, mineira de Campanha, no sul de Minas, é uma das artistas mais premiadas na Bienal de São Paulo. Era amiga de artistas como Picasso, Mondrian e do pintor e escultor franco-estadunidense Marcel Duchamp. Suas esculturas, que estão espalhadas pelos principais museus do mundo, têm uma característica muito forte, por apresentar formas orgânicas, contorcidas e sensuais. São inspiradas em culturas arcaicas e nas lendas amazônicas. Ela foi destaque na Corcoran Gallery of Art, em Washington, e o Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMa, tem obras sua.
Tendo acompanhado o marido embaixador em vários países e convivido com reis, rainhas e artistas de primeira grandeza, Maria Martins, ao dar essa longa entrevista para Clarice Lispector, foi direto ao ponto, logo na primeira pergunta, justamente sobre a importância atual da diplomacia.
- Outrora, a vida diplomática era uma beleza. O embaixador representava seu governo. A responsabilidade era total. Hoje, a diplomacia é uma droga. O diplomata não passa de um caixeiro-viajante para vender café, meia de náilon etc.
E mais: "Quando o embaixador tem uma vitória política, se por acaso acontece, é do governo. Quando tem um fracasso, é dele, diplomata".
Mais interessante, ainda, é que Maria Martins termina sua resposta com uma pergunta para a entrevistadora, que também era mulher de diplomata:
- E você, Clarice, qual é a sua experiência de vida diplomática, você que é uma mulher inteligente?
- Não sou inteligente, sou sensível, Maria. E, respondendo à sua pergunta: eu me refugiei em escrever.
Clarice Lispector volta ao tema: "E como você conservou sua espontaneidade, mesmo depois de uma longa carreira de mulher de diplomata, o que é raríssimo?".
Maria Martins não pestanejou: "Eu respondo como você: porque eu me refugiei na arte".
A pergunta que deixo é simples. Dada a facilidade de encontros pessoais e de comunicação on-line entre presidentes, chefes de Estado e chanceleres, que papel têm hoje os diplomatas? Será que os diplomatas inteligentes têm mesmo que se refugiarem na literatura e na arte?
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