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Drogas, hora de mudar o enfoque - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 06/06
OEA começa a discussão sobre uma nova política, porque a repressão pura e simples fracassou
Uma discussão que o Brasil teimosamente insiste em escamotear entrou ontem na agenda de uma organização multilateral, a Organização dos Estados Americanos, que está iniciando mais uma Assembleia-Geral.
Trata-se de repensar a guerra às drogas, com base em alentado estudo de 400 páginas que um grupo de peritos apresentou à instituição no mês passado, respondendo a uma encomenda feita pelos chefes de Estado/governo durante a Cúpula de Cartagena, no ano passado.
"O relatório rompe com o pensamento único em matéria de drogas", diz o embaixador uruguaio na OEA, Milton Romani Gerner.
Ou, como prefere Ethan Nadelmann, diretor-executivo da Aliança para uma Política de Drogas, "é a primeira vez que qualquer organização multilateral faz algo assim".
A ênfase do relatório que está à mesa da Assembleia-Geral é na despenalização do uso de drogas, em especial da maconha, de longe a mais consumida, embora a cocaína faça mais sucesso na mídia por ser uma droga de classe média.
O texto diz que "a descriminalização da droga precisa ser considerada elemento básico em qualquer estratégia de saúde pública".
Mas o documento não é uma recomendação formal em favor da descriminalização. Pede "avaliar sinais e tendências que se inclinam por uma descriminalização ou legalização da produção, venda e consumo de maconha. Cedo ou tarde decisões nessa direção terão que ser tomadas".
Simples assim. Avaliar, levando em conta diferentes realidades de cada país, para depois decidir.
No Brasil, é mais que hora de fazer tal avaliação. Não parece uma aventura especular que alguns ou muitos dos recentes crimes absurdamente violentos tenham como responsável uma alteração dos sentidos provocada pelo uso de drogas.
Logo, avaliar se a liberação do consumo levaria a uma diminuição da violência associada ao tráfico/consumo de drogas ou, ao contrário, a incrementá-la é uma providência inicial para enfrentar o terror dos moradores de grandes cidades, claramente expressado ontem no Painel do Leitor desta Folha.
Mas, atenção, o cenário de despenalização é apenas um dos quatro apresentados no estudo da OEA. Trata também da reforma do sistema de justiça criminal (necessidade básica no Brasil, como se sabe) e examina as instituições e arranjos necessários para atender vítimas da droga, sejam os que abusam delas, sejam as comunidades assoladas pelo crime, sejam jovens delinquentes.
O principal argumento para repensar a política para as drogas, centrada hoje exclusivamente na repressão, aparece no quarto cenário: examina as potenciais consequências de manter inalterado o enfoque repressivo atual e conclui que todos e cada um dos países das Américas estarão em pior situação em 2025.
O documento final da Assembleia-Geral encampará o essencial do relatório, mas, até ontem, estava aberto um ponto crucial: como continuar o debate que agora se abre no âmbito interamericano.
O Brasil --governo e sociedade-- não tem o direito de continuar se omitindo.
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