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Dúvida americana - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 01/08
Foi a economia americana que fez o mercado financeiro oscilar ontem. Pela manhã, o dólar bateu em R$ 2,30, o Banco Central fez três intervenções para segurar a alta. A bolsa caiu. Tudo por causa de boas notícias: números melhores do PIB e de criação de vagas do setor privado. À tarde, o cenário mudou. O Fed deu sinais de que, por ora, vai manter os estímulos econômicos.
A política monetária americana virou uma fonte de instabilidade. Aliás, os EUA complicaram a vida do planeta no pior da crise e, agora, ao começar a sair dela. A melhora dos indicadores levou à perspectiva de diminuição dos estímulos monetários. Isso fez o dólar subir no mundo inteiro. O BC americano deu o primeiro aviso de que, em algum momento, vai começar a fechar a torneira que tem injetado US$ 85 bilhões por mês nos mercados. Agora, a cada comunicado do Fed, declaração de Ben Bernanke ou número da economia, os ativos sobem e descem.
A dúvida é quando esse processo vai começar. O Fed derrama dinheiro na economia através da recompra de títulos. Ele reduzirá e até eliminará essa torneira de liquidez quando a economia estiver forte o suficiente e o desemprego estiver mais baixo. O momento em que isso vai acontecer virou, no entanto, o ponto da especulação. Toda vez que sai um indicador bom, como a criação de 200 mil vagas pelo setor privado no mês de julho, ou o PIB de 1,7%, o mercado acredita que o momento se aproxima. Quando vem um número fraco, acontece o contrário. A recuperação da economia americana, que deveria ser um bom momento, acabou produzindo volatilidade e prejudicando o planejamento das empresas.
Uma das perguntas é se o BC americano conseguirá retirar os estímulos sem abortar o crescimento. O Fed classificou o ritmo do primeiro semestre como "modesto", uma mudança sutil em relação ao termo "moderado", usado em outras reuniões. Também disse que a inflação está num nível mais baixo que a meta de 2% e que os juros do mercado imobiliário subiram nos últimos meses. Essas três coisas juntas fizeram o mercado interpretar que a injeção de US$ 85 bilhões por mês na economia vai continuar nos próximos meses. Ao mesmo tempo, há receio de que comece a cair em setembro.
O PIB americano do segundo trimestre veio mais forte que o esperado, 1,7%, na taxa anualizada, mas o número do primeiro tri foi revisado para baixo. Caiu de 1,8% para 1,1%. Em relação à primeira estimativa, o tombo é ainda maior, vindo de 2,4%. O número de 2012 fechado ficou maior, subiu de 2,2% para 2,8%. Os números deste ano são fracos, mas é preciso levar em consideração o forte ajuste fiscal que tem sido feito pelo governo Obama. O corte dos gastos tirou 0,82% do PIB no primeiro trimestre e mais 0,08% no segundo tri.
A crise que estourou em 2007/2008 teve momentos em que parecia ser o começo do fim do mundo. Bancos balançavam no abismo, países entravam em colapso, a economia americana chegou perto do calote, a zona do euro ameaçou se desfazer. Naquele momento, o Brasil estava crescendo a 6% e foi à recessão em 2009. Mas conseguiu se recuperar em 2010 e crescer fortemente. Daí para diante, passou a patinar.
O desafio atual tem outra natureza: como se preparar para a recuperação americana, que acabaria mesmo com o longo período de estímulos monetários? No pior da crise, a China entrou salvando: aumentou seus estímulos ao investimento, o que ajudou particularmente os fornecedores de commodities, como o Brasil. Agora é saber como enfrentar a transição: da economia americana para um crescimento maior e da economia chinesa para uma redução do ritmo.
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