Em defesa do preconceito
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Em defesa do preconceito



Rodrigo Constantino, para a revista VOTO

Como alguém pode defender o preconceito em pleno século 21? Isso automaticamente nos remete ao racismo, à xenofobia, ao machismo, a todas as formas de sentimentos tribais que tanta desgraça causaram no mundo. Mas será que todo preconceito é mesmo ruim? O que exatamente seria não ter preconceitos? São as questões que Theodore Dalrymple aborda em seu livro In Praise of Prejudice, cujo titulo já mostra sua coragem na era moderna.

O que seria uma pessoa desprovida de preconceitos? O dicionário possui várias definições para a palavra, entre elas: conceito ou opinião formados antes de ter os conhecimentos adequados. As demais costumam já incorporar o sentido pejorativo da atualidade, como sentimento desfavorável a algum grupo, superstição, discriminação racial etc. Quero focar justamente na primeira delas, que melhor representa sua etimologia.

Alguém sem preconceitos seria, então, alguém cujas opiniões formadas são todas derivadas do devido conhecimento adequado. Estou para conhecer este deus onisciente em forma humana! Basta uma rápida reflexão honesta para constatarmos que temos inúmeras opiniões sobre vários assuntos os quais não possuímos conhecimento tão profundo assim. Pegamos carona em ombros alheios, confiamos em certas autoridades, formamos, enfim, algum tipo de crença cujos pressupostos não dominamos totalmente. Eis o preconceito.

Claro que o ideal é passar as idéias pelo crivo de nossa razão, principalmente aquelas mais importantes e relevantes em nossas vidas. Como disse Sêneca, “Se queres submeter tudo a ti mesmo, submete-te primeiro à razão”. Perfeito. Mas cabe perguntar: quem pode submeter tudo a si mesmo? Essa pessoa teria que dominar profundamente todos os campos da ciência, filosofia, ética, medicina, direito, economia etc. Enfim, teria de ser aquele deus em forma humana citado acima.

Alguns preconceitos serão inevitáveis em nossas vidas. A começar pelas autoridades que escolhemos então para confiar. Isso não coloca todo preconceito em pé de igualdade, tampouco é uma justificativa para os sentimentos mais tribais que vemos por aí. Mas é, sim, um alerta contra certo tipo de gente que alega não ter preconceito algum, que não abraça nenhuma ideologia (visão de mundo), que fala somente em nome da razão prática. Estes, paradoxalmente, costumam ser os mais preconceituosos e ideológicos de todos!

Como disse Jonah Goldberg em The Tyranny of Clichês, “O pragmatismo é o disfarce que os progressistas e outros ideólogos vestem quando querem demonizar ideologias concorrentes”. Todos possuem uma visão de mundo, seja lá como ela foi formada (espera-se que com boa dose de reflexão e questionamentos, assim como bastante foco nos dados empíricos). Se esta visão ou ideologia passa no teste da realidade ou não, isso é outra questão. Pela complexidade da vida, haverá espaço para diferentes interpretações em temas mais polêmicos.

O que parece arrogante é esta visão de que somente o seu ponto de vista possui fundamento empírico e desprovido de preconceito ou ideologia, sendo todos aqueles que discordam de você vítimas dessas armadilhas. Esta arrogância é típica dos progressistas modernos que afirmam ser isentos de viés ideológico, reagindo somente aos fatos e à sua razão.

Um ícone dessa turma é o presidente americano Barack Obama, que repete com freqüência que está blindado de tais preconceitos, agindo somente de acordo com aquilo que funciona na prática. Obama tem claramente uma visão de mundo, aquela alinhada ao socialismo light europeu, especialmente da França. Mas tenta posar como um ser pragmático e acima desses dogmas políticos. Não convence.

Thomas Sowell desnudou os progressistas modernos: “Ninguém é mais dogmaticamente insistente na conformidade do que aqueles que advogam ‘diversidade’”. De fato, basta verificar como a esquerda que prega diversidade e ausência de preconceitos costuma demonstrar ódio aos diferentes, como os capitalistas liberais, por exemplo. “Não somos preconceituosos, desde que não se trate de um capitalista porco e insensível”, eles poderiam dizer, se fossem mais honestos.

Voltando a Dalrymple, ninguém é uma tabula rasa capaz de processar do zero tudo que importa na vida. Todos nós, inevitavelmente, teremos nossa cota de preconceitos. Que saibamos, então, escolher bons preconceitos, ao invés daqueles que alimentam os piores sentimentos que todos nós somos capazes de nutrir no âmago de nosso ser.

Que as autoridades escolhidas, principalmente em aspectos morais, sejam exemplos de decência em suas vidas. Que respeitemos a sabedoria dos antepassados, presente em hábitos e costumes, compilados na tradição. E que possamos julgar tais tradições à luz de nossa própria razão sempre que possível, reconhecendo, porém, os limites evidentes desta empreitada, ou seja, evitando o risco da arrogância, daquilo que os gregos chamavam húbris.   

Por fim, que possamos nos manter sempre cautelosos com aqueles que juram não ter nenhum tipo de preconceito ou ideologia. Desses tipos, eu confesso alimentar profundo preconceito! 




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