Encruzilhada
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MIRIAM LEITÃO, O GLOBO

A ideia é ruim, mas o pior é a justificativa: a de que se o Pão de Açúcar se juntar ao Carrefour, o BNDES deve dar a maior parte do dinheiro - R$ 2 bilhões - porque isso vai internacionalizar grupo brasileiro e abrir mercado para os nossos produtos. Balela.

Essa ideia é ruim para o consumidor, para o contribuinte e para a economia do País.

O que é desanimador no Brasil é a dependência que até os novos capitalistas têm do Estado. Eles não dão nenhum passo sem que o governo vá junto, não apenas financiando, mas virando sócio. Um capitalismo sem riscos, ou de lucros privados e prejuízos públicos.

Sempre foi assim, mas quando se vê um Eike Batista e um André Esteves, que poderiam ser a renovação dessa velha prática, repetindo os mesmíssimos caminhos que nos levaram a tanto problema no passado, a conclusão é que pelo visto o País vai demorar muito para chegar no verdadeiro capitalismo.

É um disparate completo o BNDES usar o dinheiro de dívida pública ou de fundos públicos para capitalizar uma operação estritamente privada. Ela será boa para o Carrefour, para os Diniz e para o BTG Pactual.

Não é verdade que o Pão de Açúcar será internacionalizado e vai virar um grupo global. Ele vai ter um pedaço de um grupo francês, que será vendido no dia em que a família Diniz quiser vender. O Pão de Açúcar vai deixar de existir como empresa independente e será desnacionalizado.

A família Diniz é dona do negócio e faz o que bem entender - e o que as regras concorrenciais do país permitirem - mas que não se venha com nacionalismos de ocasião. A conversa de internacionalização do grupo não convence.

O BTG Pactual também pode montar a operação que quiser no mercado. O estranho é por que um grupo que tem condições de captar no mercado internacional precisará que o BNDES entre de sócio e dê até R$ 4,5 bilhões para o negócio.

O grande perdedor será o consumidor brasileiro, que tem enfrentado uma concentração cada vez maior do grande varejo. O número de 27% do mercado brasileiro é enorme em si. Mas pode ser até maior. Está se somando bananas e laranjas.

Pequeno varejo de empresas disseminadas pelo interior do Brasil, com o mercado dos grandes supermercados e hipermercados das capitais. Com a lentidão com que o Cade trabalha, no dia em que ele se pronunciar - e ainda mais num negócio que terá como sócio o próprio Estado brasileiro - tudo já estará consolidado.

Nos últimos anos o Tesouro já se endividou em R$ 260 bilhões - incluindo os R$ 30 bilhões deste ano - para financiar o BNDES nas suas operações. E elas fazem cada vez menos sentido. Por que o banco deve fazer seguidas capitalizações, comprar tantas debêntures ou ações do grupo JBS-Friboi, por exemplo?

Por que o Estado brasileiro precisa ser sócio de frigorífico? E pior: um frigorífico que diz - como me disse o presidente do Conselho de Administração do JBS-Friboi, Joesley Batista, no dia 28 de abril - que não pode garantir que a carne que comercializa é livre de desmatamento ilegal.

A empresa contraria a tendência atual do capitalismo no mundo, que é o de ser responsável por fiscalizar sua cadeia produtiva.

O BNDES justifica o fato de ter "enquadrado para a análise" a possibilidade de entrar na operação Carrefour-Pão de Açúcar com o argumento de que vai abrir mercado para o produto brasileiro. Convenhamos. O produto brasileiro terá mais espaço no mercado internacional se houver mais investimento em logística eficiente, se houver redução do Custo Brasil, e se as empresas tiverem boas práticas.

Para a carne brasileira ter maior penetração no mercados europeu não é necessário que o BNDES seja sócio de supermercado francês, mas sim que o setor cumpra regras de rastreamento sanitário. O mercado internacional precisa ser conquistado com uma redução do custo do transporte dos produtos brasileiros e com boas práticas de certificado de origem, rastreamento, comprovações que o mundo atual tem feito cada vez mais.

Essa operação já nasceu esquisita. O sócio Casino na Companhia Brasileira de Distribuição disse que suspeitava que o Pão de Açúcar estivesse negociando nas suas costas com o Carrefour. O acordo que tem com seus sócios brasileiros impedia a negociação. As suspeitas se confirmaram. E isso é mais uma razão pela qual o banco estatal brasileiro não deveria entrar no negócio.

Mas o mais importante motivo pelo qual não se deve haver dinheiro subsidiado ou de endividamento público no negócio é que ele é ruim para a economia e para o consumidor nacional. O distinto público não tem nada a ganhar com ele.

Os neocapitalistas brasileiros deveriam usar toda a criatividade que têm para fazer negócios longe da sombra do Estado. Em vez disso, confirmam a velha dependência crônica.

A palavra "carrefour" é ótima para nos lembrar que o país está numa encruzilhada: ou vai continuar fortalecendo o capitalismo estatizado sem risco, que é bom apenas para alguns poucos, que concentra a renda e socializa o prejuízo; ou vai incentivar a competitividade, a inovação, a concorrência e as práticas sustentáveis da nova economia.




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