Enem, educação e hipocrisia
Geral

Enem, educação e hipocrisia


Por Mariana Vilella, Renata Ferraz e Vanessa Pinheiro, no site Outras Palavras:

Em 25 de outubro, o Exame Nacional do Ensino Médio – Enem teve como tema de redação: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Em uma tarde, milhões de jovens brasileiros viram-se instados a refletir e dissertar sobre esse tema, caro à sociedade, dados os alarmantes números da violência doméstica, sexual, psicológica, obstetrícia, dentre outras, que atingem a mulher brasileira. A escolha gerou polêmica.

Muitos mostraram-se contrários ao tema e, ainda, criticaram o MEC por conta de um viés feminista. A hashtag #enemfeminista foi criada e imensamente utilizada por defensores e críticos da prova.

O Enem foi ideológico? Foi de esquerda? Foi correto? As avaliações devem medir critérios como respeito aos direitos humanos ou capacidade de refletir sobre os problema políticos e sociais nacionais?

O perigo é pensar que começamos essa conversa do zero. Achar que essa seja uma questão nova. É claro que a democracia pressupõe a possibilidade de refletirmos sobre as escolhas que o país fez e faz. Mas saber de onde partimos e com o que já nos comprometemos é fundamental.

Quanto ao tema da redação do Enem, é preciso saber, em primeiro lugar, que a violência contra a mulher é, hoje, reconhecida nacional e internacionalmente como um tipo de violação contra os direitos humanos

Os direitos humanos, por sua vez, são reconhecidamente um tema pertinente à educação básica, que tem como uma de suas funções primordiais formar cidadãos. Isso nada tem a ver com partidarismo, mas com o reconhecimento de que os mais importantes agentes na defesa de uma sociedade democrática, em que o povo é soberano, é o próprio povo, que deve saber que possui direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, ou seja, direitos humanos afirmados e insusceptíveis de retrocesso.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, da qual o Brasil é signatário, já afirma o compromisso das nações de promoverem o respeito aos direitos humanos por meio do ensino e da educação. A participação da educação na consolidação de uma sociedade de paz é tão fundamental à Declaração Universal da ONU que vem exposta em seu preâmbulo, ou seja, antes dos direitos em si, como pressuposto de um país comprometido com os princípios que o texto elenca. A ONU, portanto, já reconhecia em 1948: lei sozinha não garante uma sociedade livre e justa. É também pela educação que se desenvolve o respeito aos direitos e liberdades formalmente consagrados.

No Brasil, o debate sobre os direitos humanos e a formação para a cidadania alcançou mais espaço a partir dos anos 1980 e 1990, por meio de ações governamentais e da sociedade civil visando ao fortalecimento da democracia.

O marco desse movimento é a Constituição Federal de 1988, que formalmente consagra o Estado Democrático de Direito e reconhece, entre seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana e os direitos da cidadania. Desde a Constituição, o Brasil ratificou os mais importantes tradados internacionais (globais e regionais) de proteção dos direitos humanos.

No campo da educação em direitos humanos, a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei Federal n° 9.394/1996) afirmam o exercício da cidadania e conhecimento dos direitos e deveres como uma das finalidades da educação.

Ainda, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), lançado em 2003, apoiou-se em documentos internacionais e nacionais para inserir o Brasil na “Década da Educação em Direitos Humanos”, prevista no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH). Hoje, “a prevalência dos direitos humanos” integra as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica.

No ano passado, após ampla participação da sociedade civil, o Brasil aprovou, ainda, o Plano Nacional de Educação, que estabelece metas para a educação brasileira para os próximos dez anos e tem como uma de suas diretrizes a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”. Ainda assim, em muitos Estados e Municípios, a menção à igualdade de gênero tem sido extremamente polemizada, em muitos casos chegando a ser excluída dos planos municipais e estaduais de educação, embora não seja questionada a ideia de uma educação para exercício da cidadania.

O que isso nos mostra é que a afirmação dos direitos humanos é aceita em termos abstratos, mas rejeitada quando se volta à proteção de grupos que sofrem violações específicas. Na prática, isso significa que temos mais facilidade em aceitar o discurso dos direitos humanos do que a sua efetivação.

O que sabemos, no entanto, após tantos anos da Declaração Universal de 1948, é que a efetivação de direitos universais passa pela compreensão e capacidade da sociedade em identificar e proteger grupos que têm seus direitos violados de formas particulares, como mulheres, negros, minorias religiosas, jovens, idosos, crianças. A educação, de acordo com todos os fundamentos citados, tem o dever de contribuir para essa compreensão.

Quanto ao tema da redação do Enem, cumpre dizer que, dentre os objetivos balizadores do Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos está justamente o fomento à igualdade de gênero, porque a questão de gênero ainda é uma das maiores fontes de injustiça social, aqui e no mundo. Dentre os tratados internacionais assinados pelo Brasil de proteção dos Direitos Humanos estão a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, no âmbito global, e aConvenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, no âmbito regional.

Este ano, a ONU também lançou a campanha Global Goals, que elenca 17 metas globais a serem percorridas por todas as Nações nos próximos 15 anos. A meta de número 5 é o combate à desigualdade de gênero.

Em âmbito nacional, a Constituição Federal assegura o dever do Estado de proteger as pessoas que integram as famílias contra a violência doméstica. Desde 2006, com a aprovação da Lei Maria da Penha, o Brasil tem avançado nesse tema ao reconhecer a vulnerabilidade da segurança da mulher no âmbito doméstico e criando mecanismos para coibir a violência específica contra a mulher. O MEC também avançou, ao sinalizar que a questão de gênero é, sim, conteúdo a ser abordado no Ensino Médio e avaliado no ENEM.

O MEC, portanto, não inventou nada de novo, apenas deu um pequeno passo para o cumprimento de todos os compromissos assumidos nacional e internacionalmente por uma educação baseada nos Direitos Humanos.

* Mariana Vilella, Renata Ferraz e Vanessa Pinheiro são fundadoras e educadoras do Pé na Escola, um negócio social de educação com foco em política, cidadania e direitos.




- Seminário Em Santarém Abordará Cidadania E Direitos Do Contribuinte
Terá início na próxima segunda-feira, 25, no auditório das Faculdades Integradas do Tapajós (FIT), em Santarém, o Seminário Municipal de Educação Fiscal, comemorativo ao Dia Nacional e Respeito ao Contribuinte. Com participação aberta à comunidade,...

- Pi Tem 2º Menor Número De Denúncias De Abuso Contra Criança Do Ne
Nos primeiros três meses deste ano, o Disque 100 registrou 48 denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes no Piauí. O balanço de atividades do serviço foi apresentado nessa segunda-feira (18) pelo ministro...

- 4º PrÊmio Nacional De EducaÇÃo Em Direitos Humanos
O Ministério da Educação ? MEC por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão ? MEC/SECADI, em conjunto com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República ? SDH/PR, sob a coordenação da...

- Terrorismo E Direitos Humanos
É possível combater o terrorismo sem infringir os direitos humanos? Tal é o tema do 10º Curso de Verão do Ius Gentium Conimbrigae / Centro de Direitos Humanos da FDUC, de 9 a 18 de Julho, com alguns dos melhores especialistas nacionais e internacionais....

- Mais Uma Vez...
...Portugal foi condenado internacionalmente pela violação de direitos humanos (agora pela Comissão de direitos sociais do Conselho da Europa) por causa de uma decisão judicial, desta vez devido a uma decisão do STJ que considerou lícitos castigos...



Geral








.