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Escravidão, um passado para esquecer?
O Brasil teve, na sua curta história de 512 anos, 350 anos de regime escravocrata e apenas 114 anos de trabalholivre. Não levamos em consideração os primeiros 50 anos, quando praticamente o único trabalho era carregar nossa riquezas naturais para fora. Em 1817, o Brasil tinha 3,6 milhões de habitantes e 1,9 milhão de escravos, ou seja, mais da metade da população. Em 1850, esse número pulou para 3,5 milhões.
No total, nosso país trouxe da África 4 milhões de escravos, quase a metade importada por todo o continente americano.
Com os números acima, pode-se afirmar que o Brasil foi fundado e teve o seu desenvolvimento e a sua economia baseados no trabalho escravo, o que não deixa ninguém orgulhoso, muito pelo contrário. Só no Rio de Janeiro, entre os anos de 1790 e 1830, chegaram 700 mil escravos trazidos por cerca de 1600 navios. Em Salvador, segundo maior importador de escravos, também nessa época, os trabalhadores forçados representavam mais de 40% da população.
Neste dia 20 de novembro, o Movimento Negro reverencia o dia da morte de Zumbi dos Palmares, o líder do maior levante de escravos do país, o Quilombo dos Palmares, que tinha aproximadamente 20 mil negros (Leia no box ao lado). Esta data é considerada, pela consciência negra, mais importante que a de 13 de maio, dia em que a Princesa Isabel, há 113 anos, assinou a Lei Áurea que aboliu a escravatura. Alegam os líderes do movimento que a data da abolição é uma "data branca que reflete benevolência".
Segundo Roberto Pompeu de Toledo, em artigo na Revista Veja, "trocou-se um mito pelo outro, o da senhora bondosa, que gentilmente concede a liberdade aos súditos negros, pelo do negro rebelde e audaz, herói do inconformismo. Entre ambos, fica a realidade dura, cotidiana, suarenta, diversa, complexa - e, fora do círculo dos especialistas, ignorada". É a mais pura verdade: no Brasil de hoje não se fala muito no regime escravocrata, parece que existe um acordo tácito para esquecer o assunto.
Como tudo começou
Depois do Descobrimento, Portugal deixou o Brasil praticamente abandonado durante 30 anos, o território sendo disputado entre corsários franceses, holandeses e ingleses. Com o declínio do comércio com as Índias, o Rei D. João III resolveu iniciar a colonização e mandou uma expedição comandada por Martin Afonso de Souza, que aportou na Bahia em 13 de março de 1531. Começou aí a ser escrita a triste página da escravidão no Brasil. Segundo Francisco Adolfo Varnhagem - Visconde de Porto Seguro, Martin Afonso desembarcou na Bahia alguns escravos encontrados na Caravela Santa Maria do Cabo, um navio que foi aprisionado e incorporado a sua frota. O mesmo expedicionário teria levado alguns escravos quando fundou a Vila de São Vicente, onde introduziu a cultura da cana-de-açúcar e construiu o 1º engenho, em janeiro de 1532.
Em setembro de 1532 foi adotado o sistema de Capitanias Hereditárias, que dezesseis anos depois mostrou-se ineficiente. Coube então a Pernambuco o nada honrável título de primeiro porto brasileiro de desembarque de escravos africanos comercializados. Isso porque Duarte Coelho, o primeiro donatário de Pernambuco, importou os primeiros escravos quando da sua chegada. A verdade é que em 1546 já existiam 76 escravos na colônia.
Com o fim das Capitanias, o Rei resolveu, então, criar o Governo Geral, baseado na Bahia. Em Portugal já existia, desde 1448, um comércio regular de escravos. Os portugueses tentaram escravizar os índios, mas não deu certo, sendo eles considerados indolentes, avessos ao trabalho e sem resistência às doenças do homem branco, o que é estranho, pois o mesmo se dizia do negro. O fato é que o início da produção de açúcar coincidiu com a chegada dos escravos africanos ao Brasil. Em 1590, eles já eram 36 mil escravos e depois passaram a ser usados, também, na lavoura do café, sendo submetidos às mais duras condições de trabalho.
Os portugueses, e depois os brasileiros, fizeram do negro africano uma valiosa mercadoria. Os traficantes de escravos da Bahia se abasteciam mais na África Ocidental, na região do Golfo de Benin, e os cariocas na África do centro-sul, onde ficam o Congo e Angola, e depois na costa oriental, em Moçambique. Não pensem os leitores que para trazer escravos da África, era necessário entrar no mato para caçá-los. As próprias tribos africanas vendiam aos traficantes outros negros de outras tribos, prisioneiros de guerra ou simplesmente capturados para serem negociados. Vendiam não, faziam escambo: trocavam por farinha, feijão, carne seca, cachaça, rolos de fumo, sal, arroz, tecidos, armas de fogo, facas, navalhas e até espelhos e bugigangas.
Mais Escravos
Quem mais trouxe escravos para o Brasil foi o Rio de Janeiro, seguido de perto pela Bahia. Em 1808, a Corte portuguesa se instalou no Rio, fazendo a sua população crescer muito e consequentemente aumentar a necessidade de mão de obra.
Isso significava mais escravos, pois segundo a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, "Os escravos carregavam tudo nesse Brasil, onde homens de qualidades se recusavam a levar o mais ínfimo pacote". O ouro das Minas Gerais também ajudou a transformar o porto do Rio de Janeiro no mais importante da colônia, pois no início do século XIX o Rio era responsável por cerca de 40% das importações e exportações do Brasil, contra 30% da Bahia.
Com a economia baseada principalmente na agricultura, Minas Gerais, Rio e São Paulo estavam necessitando cada vez mais de escravos, primeiro nas plantações de cana-de-açúcar e nos engenhos, e depois na lavoura do café que iniciava seu impressionante crescimento. Os traficantes de escravos abasteciam, não só a região Norte-Fluminense com seus engenhos, como o Vale do Paraíba dos barões do café, sendo responsáveis também pela remessa de escravos para São Paulo, Minas e a região Sul do País. Não foi à toa que o Rio de Janeiro comandou o mais importante fluxo de escravos do mundo, uma das maiores operações de transferência forçada de pessoas na história da humanidade.
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