Ética de mercado
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Ética de mercado



Rodrigo Constantino, revista VOTO

Uma reportagem do “Fantástico” na Rede Globo gerou indignação em muitos brasileiros, cansados das cenas constantes de corrupção que vem à tona sem surtir o efeito desejado. Nas imagens chocantes, ainda que o fato em si seja de conhecimento geral, representantes de empresas privadas fornecedoras de produtos para um hospital público conversavam tranquilamente sobre as propinas envolvidas no negócio.

A certa altura, um dos envolvidos repete que esta é a “ética de mercado”, querendo dizer que este tipo de esquema é o normal. A deixa foi aproveitada pelos governantes. O foco voltou-se totalmente para os corruptores. Falou-se em CPI, em investigação das empresas privadas envolvidas, em cancelar os contratos. Ou seja, ataca-se os sintomas do problema, preservando intactas as verdadeiras causas da enorme corrupção que campeia no país.

E quais seriam então estas causas? Em primeiro lugar, no topo da lista, a impunidade. Não basta mostrar imagens que embrulham o estômago dos brasileiros decentes, se estes sabem que nada de concreto vai acontecer com os culpados. Após tantos escândalos de corrupção e nenhum peixe graúdo atrás das grades, fica difícil manter a confiança na justiça. Vale lembrar que nem o “mensalão” foi julgado ainda. Um país com tanta impunidade destroça seu tecido social, as pessoas perdem a esperança e o incentivo para serem corretas. O jeitinho compensa, a honestidade é punida.

Mas acabar com a impunidade, ainda que necessário, não é suficiente. Mesmo um país com severas punições vai se ver diante de diversos casos de corrupção quando o governo concentra poder e recurso em demasia. A explicação é simples: o dinheiro é da “viúva”, e faz parte da gestão pública um desleixo maior na administração dos recursos. É da natureza humana cuidar melhor daquilo que se tem a propriedade.

Ninguém apresenta o mesmo esmero ao cuidar de um carro alugado em comparação aos cuidados com o próprio carro. E funcionários públicos administram fortunas de titularidade alheia. Um convite e tanto à corrupção. O sujeito negocia contratos bilionários, sem o escrutínio de sócios privados preocupados com o uso de seus recursos, e sem um mecanismo adequado de incentivos à sua eficiência. Ou seja, ele não é premiado por competência como ocorre no setor privado, tampouco é punido da mesma forma quando se mostra pouco produtivo.

No setor público, de forma geral, há um estímulo às trocas de “favores”, não de produtos e serviços eficientes em busca de maior lucratividade. Depender somente do altruísmo e da honestidade do funcionário que concentra tanto poder é um risco enorme. Qualquer um minimamente informado tem consciência disso, bastando pensar nos esquemas de licitação para obras públicas. Uma maior transparência pode ajudar, mas não resolve. As somas envolvidas e a natureza do governo fazem com que a corrupção seja tentadora demais.

Por isso o desvio do foco para o corruptor é um erro, que agrada justamente àqueles interessados em manter o status quo. Não que o corruptor deva ser poupado. Ao contrário: é preciso puni-lo com rigor, mas ciente de que isso não vai resolver o problema, não vai atacar suas raízes. As empresas X, Y e Z sairão de cena, apenas para dar lugar às empresas A, B e C. E a propina continuará existindo, assim como o superfaturamento das obras e outras formas de se desviar recursos públicos.

A ética do mercado, portanto, não tem nada a ver com o escândalo mostrado pelo “Fantástico”. É justamente o oposto: a verdadeira ética do mercado é premiar a meritocracia, a competência, fazendo com que os melhores e mais eficientes no atendimento da demanda fiquem com os lucros justos, as recompensas legítimas das trocas voluntárias entre consumidores e produtores.

A fortuna que Steve Jobs criou ao oferecer ao mundo os desejados produtos da Apple, eis um bom exemplo da “ética de mercado”. A livre concorrência garantindo que os mais aptos a satisfazer as demandas possam enriquecer de maneira honesta. Quando entendemos isso, fica claro que empresas subornando funcionários públicos para furar a livre concorrência não apresentam semelhança alguma com esta ética descrita acima, uma ética capitalista ou de mercado, na falta de termo melhor.

Enquanto o governo for o dono de um cartão de débito que lhe dá o direito de gastar 40% de tudo aquilo que é produzido no país, corruptores vão voar em torno dos funcionários públicos como moscas em volta de mel. A hipertrofia do governo é um convite irresistível aos parasitas de plantão, que disputam as infindáveis tetas estatais não por meio da ética de mercado, mas sim através das tentadoras propinas.

Resumindo, enquanto os brasileiros não voltarem sua atenção e energia para o cerne da questão, cenas abjetas como aquelas mostradas na TV serão parte de nosso cotidiano. A impunidade deve ser o primeiro alvo, sem dúvida. Tolerância zero com corruptos e corruptores. Mas é preciso mais. É preciso reduzir o poder e a quantidade de recursos que trafega pelo governo.




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