FALA QUE EU TE RESPONDO: MINHA OPINIÃO SOBRE A VAIDADE
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FALA QUE EU TE RESPONDO: MINHA OPINIÃO SOBRE A VAIDADE


Ser mulher é um pepino: pô, eu podia estar lendo um livro!

A Mariana me fez uma pergunta em novembro:
"Olá Lola. Sempre acompanho seu blog, e hoje resolvi comentar algo que sempre tive vontade... Em alguns posts ja li que você não é uma mulher muito vaidosa, não se importa com maquiagem, arrumar o cabelo ou perder uns quilinhos para ficar mais bonita. Queria saber então, o que você acha de mulheres mais femininas? que gostem de assuntos relacionados a moda e que gostam de se arrumar. Fica aí minha pergunta. Um beijo".

Mariana, obrigada pela pergunta. Primeiro que não gosto que, em geral, falta de vaidade seja confundida com falta de higiene. Muita gente confunde! Como se não pintar as unhas fosse igualzinho a ter unhas sujas. E claro que isso só vale pras mulheres... Segundo que acho complicado definir o que são “mulheres mais femininas”. Eu joguei futebol na adolescência, então eu era masculina? Mas eu namorava um monte de menino, isso me qualificava como feminina? Se bem que eu muitas vezes tomava a iniciativa, e isso não é lá bem feminino, né? Tá vendo como é complicado?
De fato, eu não me enquadro nem nunca me enquadrei nesse padrão “feminino” a que você se refere. Jamais liguei pra me arrumar. Posso contar nos dedos as vezes em que usei maquiagem. Sempre odiei salão de cabeleireiro. Não tenho orelhas furadas, não dou a mínima pra (aliás, minto: detesto mesmo) jóias, roupa pra mim tem que ser confortável acima de tudo. E minhas unhas são virgens! Nunca viram um esmalte. Eu mal e mal sei o que é cutícula. Quanto a perder uns quilinhos, como toda mulher e praticamente todo gordo, eu já fiz inúmeras dietas. E como 98% das dietas, elas não funcionaram.
Portanto, não tenho experiência em mudança, já que escapei do condicionamento de que “mulher precisa se cuidar”. Mas um blog que venho acompanhando com afinco é este aqui, de uma moça, a Lud, que sempre foi muito vaidosa, e que está deixando de ser. A maior parte dos seus posts é sobre esse caminho, quais as vantagens, como as pessoas reagem a essa sua mudança. Eu acho absolutamente fascinante o que ela conta. Ela decidiu mudar porque sentiu que o seu comportamento “feminino” batia de frente com o seu feminismo. Mas note bem, é o feminismo dela. Feminismo não é igual pra todas, é algo plural.
Tive um professor maravilhoso no mestrado. Numa das aulas em que falávamos de crítica feminista, ele contou que conheceu numa festa em NY uma das papas do feminismo nos anos 70, Elaine Showalter. E ele emendou ter estranhado que a mulher estava toda maquiada, com cabelo armado e tal. Uma aluna da turma perguntou: “Ué, estranhou por quê? Uma feminista não pode se arrumar?”. Porque, lógico, um lugar-comum do anti-feminismo é que as feministas são todas bigodudas e barangudas, além de lésbicas. A ideia é que uma moça bonita e que já tenha conquistado seu maior tesouro (um marido) não tenha a menor necessidade de ser feminista. Só as mulheres de mal com a vida arranjam motivos pra reclamar de desigualdade. As outras só veem o próprio umbigo, entende? Ah, essa lógica torpe!...
Mas você pediu a minha opinião, e a minha opinião é que as mulheres gastam tempo, dinheiro e energia demais se produzindo para se encaixar num padrão. Elas compram as mentiras da mídia de que só é bonita quem é eternamente jovem, magra, loira, de cabelo liso, de preferência alta e de olhos claros, e paciência que a gente viva no Brasil e não na Suécia. E os homens, em geral, podem apenas ser o que são, sem encucarem tanto com a aparência. Imagina a liberdade que isso deve dar. Não dá pra negar que, quando se passa não sei quantas horas no cabeleireiro, a gente está abrindo mão de fazer alguma outra coisa. É um tempo a mais que os homens têm. Claro que a gente joga tempo fora em montes de atividades inúteis, mas, pra quem reclama do dia que só tem 24 horas, essas duas horinhas de escova não poderiam ser melhor aproveitadas? E o dinheiro gasto? É cruel que nós, mulheres, que ganhamos menos que os homens, tenhamos que reservar grande parte do nosso orçamento pra “manutenção”. E se creminhos pra pele ao menos funcionassem!
Eu tenho bastante orgulho em ser como sou (não o fato de eu ser gorda. Isso eu não tenho orgulho, mas comecei recentemente a tentar aceitar). Não ter orelha furada é em grande parte mérito dos meus pais, que não associaram a minha vagina a um par de brincos e roupinhas rosas. Minhas orelhas não foram furadas no berçário, e eu não sou louca de propositalmente fazer qualquer coisa que faça o meu corpitcho sangrar já adulta. Tatuagem? Tô fora! Piercing? Tem que furar alguma coisa, né? E não acho bonito, ponto. (Desculpe se não acho bonito. Deve haver milhões de pessoas no mundo que apreciam tatuagens e piercings. Eu não sou uma delas).
Teve um dia, quando eu era jovem, magra e linda, em que fui jogar um torneio de xadrez. Fui com um vestido. E, nos pés, os sapatos mais confortáveis possíveis, que eram alguma espécie de Moleca Comfort. Sabe, sem salto? Molinho? Esses aí. E, chegando lá no salão, vi que havia o maior furo no dedão de uma das minhas Molecas. Não era um furinho imperceptível, era um rombo. Cratera de metrô, saca? E eu lá, andando no salão, e me deparo com um lendário jogador, o Herman, que sempre foi galanteador. Ele disse algo sobre como eu estava bonita (não era muito comum eu usar vestido), e eu, no ato, rebati: “Ah, linda! Ainda mais com o sapato furado!”. Ele olhou meu sapato e vaticionou: “Lola, nenhum homem vai olhar pros seus pés”. Ok, ele estava exagerando. Mas não havia dúvida que o rombo do meu sapato era mais problemático pra mim do que pra ele.
Eu evito andar com sapato furado, mas não abro mão do meu conforto. Sapato que faz o pé doer simplesmente não deveria ter sido inventado. No entanto, eu sou da turma do “viva e deixe viver”. Se, pra algumas mulheres, ser 15 cm mais alta é uma questão de vida ou morte e compensa o sacrifício de usar salto dez horas por dia, não sou eu que vou condenar. Cada uma faz o que quer. Só que não dá pra erguer a bandeira da “escolha pessoal”, aquela do “eu me cuido porque eu gosto e porque eu quero, ninguém tem nada com isso”. Porque é ingênuo. Vivemos numa cultura que nos condiciona, desde que somos um toquinho de nada, a “nos produzirmos”. Aprendemos com nossas mães, ensaiamos com nossas bonecas. Todos os dias de nossas vidas somos bombardeadas por dezenas de imagens de como as mulheres devem ser, além da mensagem que nada é mais importante pra uma mulher que sua aparência. Somos patrulhadas se não fizermos o que se espera da gente (comprar, se esforçar para ser bonita, aquela frase elitista de que “não existe mulher feia, existe mulher pobre”. Quantas vezes você já ouviu isso... hoje?). Então, sorry, não tem nada de escolha pessoal em seguir as normas. Não é revolucionário. Não é independência. Revolucionário é não seguir. É desencanar. É dizer tô me lixando. O que não quer dizer, óbvio, que você não pode ser revolucionária e lutar contra o sistema em outras frentes, mesmo “se produzindo”. Como faz a Elaine Showalter. Como fazia a Lud. Hoje ela continua lutando por direitos iguais, só que agora de cara lavada. E sente-se livre assim.




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