Folha: da “ditabranda” às Diretas-Já
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Folha: da “ditabranda” às Diretas-Já


Por Altamiro Borges

A Folha até hoje não fez qualquer autocrítica do seu apoio ao golpe militar de 1964, da sua aliança com o setor linha dura dos generais ou da cedência de suas peruas para os órgãos de tortura. Na fase mais recente, ela também nunca se penitenciou da ficha policial falsa de Dilma Rousseff ou de outros factoides plantados para servir aos interesses da direita. Mas ela adora se jactar dos seus feitos jornalísticos. Na edição desta sábado (25), o diário golpista da famiglia Frias se apresentou como o “Jornal das Diretas”, relembrando o seu papel na cobertura dos comícios em defesa da emenda do deputado Dante de Oliveira que restabelecia as eleições diretas para presidente da República.

De fato, como lembra a matéria de Ana Estela, a Folha teve importante participação neste episódio. Enquanto a TV Globo omitia as mobilizações no país e outros veículos adotavam postura recuada, o jornal deu históricas capas para os comícios – em especial para o de 25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé, que reuniu 300 mil pessoas. O texto lembra que “o evento cristalizou a imagem da Folha como o ‘jornal das Diretas’. O envolvimento do jornal com as eleições para presidente, porém, começara em março de 1983, dias depois de o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentar ao Congresso sua proposta de emenda constitucional”. Em corajoso editorial, a Folha defendeu a volta das eleições diretas.

Além de sentir que a ditadura estava moribunda, outro fator pode ter levado o jornal a mudar de lado. “A Folha colhia dividendos externos - não por acaso no final de 1985 conquistou a maior circulação do país”, registra, de raspão, Ana Estela. Vários estudiosos do período já afirmaram que a mudança de postura do jornal – de entusiasta do golpe militar e dos generais carrascos à líder na cobertura das “diretas-já” – ocorreu também por razões mercadológicas. Com seu senso de oportunidade, para não dizer de oportunismo, o direitista Octavio Frias de Oliveira, dono da Folha, percebeu que aquele era o momento para desbandar os concorrentes, em especial o Estadão, e tornar-se líder em circulação no país.

No livro “Do golpe ao Planalto”, o jornalista Ricardo Kotscho insinua – também de raspão - que “seu Frias” soube aproveitar o momento de turbulência política no país para dar uma guinada no jornal. Ele lembra como se deu o acalorado debate sobre a campanha na redação da Folha. “Redigi uma proposta para o jornal: por que a Folha de S.Paulo não empunhava de vez a bandeira das eleições diretas, como fazia a imprensa, antigamente, quando se apaixonava por uma causa? ‘Seu’ Frias convocou imediatamente a cúpula da Folha à sala dele, leu o texto para os editores e mandou tocar pau na máquina... Na edição seguinte já se abria espaço para a campanha das Diretas”.

Seja qual for o motivo – político ou mercadológico – não dá para negar a contribuição da Folha neste rico momento histórico. Isto, porém, não alivia a barra do jornal e nem deve gerar falsas ilusões. A mesma Folha que se empenhou nas “diretas-já” foi uma das responsáveis pela criação do clima político para o golpe militar de 1964. Na fase mais sombria da ditadura, o jornal também ficou conhecido por sua “tiragem” – que não tinha relação com os exemplares vendidos, mas sim com o número de “tiras” – de policiais – nas suas redações. Neste sentido, vale sempre reler o livro “Cães de guarda”, de Beatriz Kushnir, que descreve em detalhes como a Folha apoiou a ditadura, suas torturas e assassinatos.

Até hoje, o jornal da famiglia Frias não se penitenciou deste grave crime histórico. Mesmo a Globo já fez autocrítica do seu apoio ao golpe e ao regime militar num editorial matreiro. No caso da Folha, ela ainda insiste em rotular a sanguinária ditadura de “ditabranda”, num desrespeito aos que morreram na luta pela democracia e aos que se empenharam, sem oportunismos, na campanha das “diretas-já”.

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