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Fracasso dos assentamentos - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 05/03
Símbolo da luta pela reforma agrária no início da década de 1980, a Fazenda Primavera, em Andradina, 630 quilômetros a noroeste de São Paulo, está se transformando em símbolo do fracasso do programa de assentamentos conduzido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Há cerca de 30 anos, a mobilização de trabalhadores rurais, sindicatos e membros da Igreja Católica levou o governo federal, então chefiado pelo general João Batista Figueiredo, a desapropriar a fazenda de 3.676 hectares e dividir a terra entre as 346 famílias que ali viviam. Hoje, muito poucas dessas famílias ali continuam. A grande maioria preferiu vender suas terras ou arrendá-las às três usinas de cana que operam na região, como mostrou reportagem do Estado (23/2).
Esse fato retrata uma das maiores dificuldades que o programa de assentamentos de trabalhadores rurais vem enfrentando: a fixação dessas pessoas nas terras que receberam. Sem apoio técnico adequado para seu trabalho, sem acesso a financiamentos, sem infraestrutura, sem dispor de mecanismos eficientes de comercialização da produção, quando há excedente comercializável, essas famílias não têm conseguido obter renda suficiente para lhes assegurar o bem-estar que as estimule a continuar seu trabalho. Havendo alternativa, elas a escolhem.
A disputa entre as usinas por áreas para a expansão do plantio da cana-de-açúcar resultou na rápida valorização das terras. Estima-se que, em dez anos, o preço do alqueire (24,2 mil m²) passou de R$ 8 mil para R$ 50 mil. Poucos assentados resistiram às propostas de venda ou arrendamento. Segundo algumas estimativas, 70% dos lotes não estão mais com os assentados originais.
O Incra tem enfrentado muitos problemas com a venda irregular de terras em assentamento para reforma agrária. O trabalhador rural assentado recebe uma concessão para usar e explorar a terra a ele destinada, isto é, não pode vendê-la. Somente depois de dez anos, e se tiver cumprido diversas exigências legais, alcançará o direito de vendê-la ou de realizar outras operações, como arrendamento, repasse ou aluguel.
O Incra tem retomado na Justiça muitas terras comercializadas irregularmente pelos antigos assentados. Em seguida, repassa-as para outras famílias. Mas nada pode fazer em casos como os dos antigos assentados da Fazenda Primavera.
Esses assentados passaram muitos anos enfrentando dificuldades para assegurar sua sobrevivência com o fruto de seu trabalho na terra, antes de se firmarem como produtores rurais e alcançarem a condição de emancipados, isto é, com o direito de negociar as áreas que receberam do Incra.
Muitos dos que venderam ou arrendaram suas terras reclamam da falta de assistência do Incra, da falta de apoio para o financiamento da produção, da insuficiência da cobertura de seguro, das dificuldades para o pagamento dos empréstimos bancários, entre outros problemas.
São problemas comuns a outros assentamentos, onde as dificuldades podem ser ainda mais agudas do que as relatadas pelos antigos assentados da Fazenda Primavera e podem, quando chegar a época da emancipação dos assentados, resultar na venda das terras em prazo menor do que o observado no caso paulista.
Cada vez mais carente de base de apoio para suas ações de natureza nitidamente política, o Movimento dos Sem-Terra (MST) vê nessa nova realidade um risco para sua sobrevivência. Quanto mais antigos assentados deixarem a terra em troca de melhor alternativa de obtenção de renda, menor será sua massa de manobra. Para tentar evitar seu enfraquecimento, que a melhora das condições de vida dos trabalhadores rurais tornará inevitável, o MST quer obrigar os assentados a continuar na situação em que estão, como meros concessionários de terras públicas, impedindo-os de alcançar a condição de emancipados, como propôs à presidente Dilma Rousseff. A proposta violenta o direito de, decorrido determinado período e cumpridas determinas condições, o assentado escolher outra forma de vida.
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