FUNDAMENTALISTAS CRISTÃOS PROVAM MAIS UMA VEZ QUE NÃO VIVEMOS NUM ESTADO LAICO
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FUNDAMENTALISTAS CRISTÃOS PROVAM MAIS UMA VEZ QUE NÃO VIVEMOS NUM ESTADO LAICO


Ontem o famigerado Estatuto da Família foi aprovado por uma comissão especial de deputados da Câmara, por 17 votos contra 5. No texto há a definição de que família é apenas a união entre um homem e uma mulher. 
Como se pode ver, essa definição de família não exclui apenas gays e lésbicas, mas também todos os tipos de família que não fazem parte desta visão de família tradicional, patriarcal, nuclear. 
Ativistas protestam na Câmara contra o Estatuto
Esta é parte de um resumo de um artigo que escrevi sobre Família e Gênero e que será publicado nos Anais do Simpósio Nacional Famílias na Contemporaneidade da PUG-GO (quando sair e tiver link eu aviso. Dei esta palestra na PUC em maio):
"Com o Congresso Nacional mais conservador desde a década de 1960, o Brasil vive um período em que acirram-se discussões sobre dois conceitos, família e gênero. Pela primeira vez na história desde que se iniciaram estudos sobre família, o modelo tradicional de família (composto por casal heterossexual com filhos) não é maioria. Segundo o IBGE, hoje este modelo representa 49,9% dos domicílios, enquanto todos os outros tipos de família (monoparentais, casais sem filhos, homossexuais, famílias extensas, etc) são 50,1%. Para se ter uma ideia da rapidez desta mudança, o Censo 2000 oferecia onze opções de laços de parentesco. Em 2010, teve que ofertar 19 modelos, e não sabemos quantos terá que criar para 2020. 
"O fato é que não existe uma só família, ao contrário do que querem fazer crer os conservadores. E este modelo visto como único ocupa um espaço minúsculo na história da humanidade. Ou seja, não tem nada de natural. Para tentar conter a diversidade, os conservadores ultimamente têm escolhido como um dos principais inimigos da família (deve-se sempre perguntar: qual família?) a “ideologia de gênero”, que é tanto uma ideologia quanto é a ideia de que só existe e sempre existiu um único modelo de família".

Depois que quatro destaques forem votados pela comissão, o projeto pode ir direto para o Senado, sem ser aprovado na Câmara. A deputada Érika Kokay (PT-DF), uma das mais atuantes em defesa dos direitos humanos, vai tentar entrar com recurso para que o PL tenha que ser votado no plenário, não só na comissão. Para Kokay, o projeto "institucionaliza o preconceito e a discriminação".
Verdade! Os "argumentos" usados contra o casamento homoafetivo hoje são muito parecidos àqueles usados contra o casamento interracial -- que, até 1965, era proibido nos EUA
Maria do Rosário (PT-RS) também se manifestou. Afirmou que o texto "dá nojo" e que o relator usou apenas dogmas religiosos para fundamentá-lo: "O seu parecer é péssimo. E acho que a Câmara dos Deputados é melhor que isso". 
A bancada evangélica pretende votar o projeto no dia 21 de outubro, Dia Nacional da Família -- porque tem gente que insiste que só existe um único modelo de família.

Muitas pessoas ficaram abaladas com mais essa manifestação de fundamentalismo religioso mostrada ontem. Outras não estão tão preocupadas, pois têm certeza de que o Estatuto da Família (assim como o do Nascituro) é inconstitucional, e será derrubado por vias jurídicas.

Na realidade,  o casamento homoafetivo foi "oficializado" no Brasil em 2013, pelo Conselho Nacional da Justiça. O Supremo Tribunal Federal aprovou a união estável (não casamento) em 2011. 
O ministro Luiz Fux declarou na ocasião: "Onde há sociedade, há o direito. Se a sociedade evolui, o direito evolui. Os homoafetivos vieram aqui pleitear uma equiparação, que fossem reconhecidos à luz da comunhão que têm e acima de tudo porque querem erigir um projeto de vida. A Suprema Corte concederá aos homoafetivos mais que um projeto de vida, um projeto de felicidade".

É preciso entender que o Estatuto da Família (assim como vários outros retrocessos em forma de projetos que circulam no Congresso; há até projeto para se revogar a lei do divórcio) foi uma resposta ultra-conservadora às decisões judiciais. Trata-se de um jogo de poder, de mostrar força.
O que importa é que o Estatuto da Família é mais uma prova de que a homofobia se transformou na principal bandeira evangélica. Quase cinco anos atrás eu lancei a pergunta "Igrejas dependem da homofobia para sobreviver?", e Valéria Fernandes, professora de História, feminista e evangélica, respondeu que sim num texto brilhante. 
Feministas protestam contra o
Estatuto do Nascituro em junho 2013
Não que seja a única bandeira. A vontade de continuar criminalizando e proibindo o aborto -- e de proibi-lo em todos os casos, incluindo os que são atualmente permitidos, como em caso de risco de vida para a gestante, gravidez em decorrência de estupro, e fetos anencéfalos -- é outra. 
E faz pouco tempo que os fundamentalistas cristãos (porque eles não estão restritos apenas aos evangélicos) descobriram a "ideologia" de gênero. É uma bandeira confusa para eles, mas permite que ignorantes joguem no mesmo balaio todos seus medos e mitos obscurantistas (tipo: de que estamos querendo doutrinar criancinhas nas escolas para que todas virem gays, e assim, gays -- sinônimos de pedófilos, segundo esses homofóbicos -- podem seduzi-los).

Não dá pra ficar esperando sentadx que o Supremo nos salve. Não dá mais pra ver padres e pastores atropelando direitos que deveriam ser de todxs. Que tal a gente contra-atacar?
Não somos tão poucxs assim. Lembro que há alguns anos combatíamos com muito mais garra o barulho que igrejas e templos faziam, por exemplo (alguém -- duvido que tenha sido um ativista de esquerda -- lançou até a campanha Deus Não é Surdo). Eles incomodam a gente? Sim, muito, o tempo todo. Vamos incomodá-los de volta.

São eles que não respeitam o Estado laico. Mas é justamente o Estado laico que eles desrespeitam que permite a liberdade religiosa.
E sim, quero que essas máquinas de fazer dinheiro que chamamos de igrejas e templos paguem impostos. 




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