Ultrapassa as raias da mais deslavada hipocrisia, da mais revoltante covardia e do mais ilegítimo autoritarismo o esperneio da mídia corporativa contra um direito que deveria ser incontestável em qualquer democracia: o direito de defesa.
As promessas - ou ameaças, melhor dizendo - da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) contra a recuperação, pela sociedade, desse direito inalienável do homem que é o direito a se defender de acusações - em geral, sem provas, sem condenações e, no mais das vezes, sem um mísero processo - diz muito sobre o caráter - ou sobre a falta dele - desses megaempresários.
Revisemos o que dizem essas entidades.
Deveria ser desnecessário lembrar a razão pela qual o país precisa de uma lei que regulamente o direito de alguém se defender de acusação grave, difundida com grande destaque e que hoje, quando se revela injusta, fica por isso mesmo.
Há milhares de casos de acusações sem provas, frequentemente falsas, feitas pelos veículos de comunicação que a ANJ e a Abert representam. Fiquemos, porém, apenas com o mais recente e escandaloso: o caso envolvendo um dos filhos de Lula.
A acusação, gravíssima, ganhou grande destaque na primeira página, enquanto que o desmentido, ganhou uma notinha. A acusação citou o prejudicado e sua família, a retratação não cita essas vítimas.
Por incrível que pareça, por injusto que seja o que fez O Globo, por insuficiente que se constitua a reparação, muitos comemoraram a retratação constrangida e desproporcional desse veículo porque é incomum que esses impérios de comunicação se deem ao trabalho de reparar as injustiças que cometem.
Quantas milhares de capas a revista Veja, entre outras, cometeu contra o mesmo alvo de o Globo sem que nenhum daqueles ataques tenha sido comprovado e sem que nenhuma retratação, mesmo desproporcionalmente curta, tenha sido feita?
A Veja, por exemplo, certa da impunidade, procura se superar, semana após semana, nos ataques à honra daqueles que deseja destruir. Se nada ficar provado, dane-se. Não há lei. Os processos na Justiça, sem qualquer legislação específica, podem demorar uma, duas décadas.
Esses veículos reclamam de que o direito de alguém se defender dos ataques que fazem seria “cerceamento da liberdade de expressão”… Como assim?! A lei do direito de resposta não impede o ataque, a calúnia, o deboche; apenas dá direito ao público de conhecer a versão do agredido.
Quer dizer, então, que alguém poder responder a ataques como esses reproduzidos acima inibe o agressor? Ora, se nesta semana a Veja tem que publicar em sua capa a queixa do agredido, na mesma edição a revista pode contra-argumentar, se é que existe argumento a favor de uma capa que retrata dessas formas um ex-presidente da República que nem sequer responde a processo – e que seria injustificável mesmo que ele estivesse sendo processado.
Delimitada a injustiça da ação que as associações midiáticas pretendem interpor na Justiça, tragicamente já se pode prever que não será tão fácil dar ao país um instrumento contra arbitrariedades como essas que o poder econômico faculta aos seus detentores.
A ação de Abert e ANJ no Supremo tem um destino certo: Gilmar Mendes. Mesmo que ele não seja sorteado relator da ação, o recurso ao colegiado daquela Corte é líquido e certo seja qual for a decisão do ministro que for sorteado para julgá-la preliminarmente.
Nesse momento, entra o despachante que FHC colocou no Supremo para defender os interesses dos barões da mídia, entre outros tubarões capitalistas que têm em Gilmar sua expressão de poder mais eficaz.
Assim como segurou por um ano e meio a proibição de doações eleitorais de grupos econômicos a políticos, quando tiver que opinar sobre o direito de resposta não há dúvida de que pedirá vista do processo e irá segurá-lo em sua gavetona quanto tempo puder.
É assim que, em nome da liberdade de expressão, a inglória “grande imprensa” brasileira conspurca a democracia e subverte o Direito, fazendo troça da democracia. Dia após dia, ano após ano, década após década há mais de um século.