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GUEST POST: A HOMOFOBIA COMO BANDEIRA EVANGÉLICA
Evangélico protesta contra a lei da criminalização da homofobia. A Valéria, professora de História, feminista, e especialista em mangás, fez uma contribuição valiosa ao meu post sobre homofobia nas igrejas evangélicas. Seu comentário foi tão esclarecedor que pedi autorização para transformá-lo em guest post. Ela deu uma mexida no texto, e aqui está.
O post “Igrejas dependem da homofobia pra sobreviver?" é meio antigo, e não o comentei de imediato. Sabe como é, eu até poderia ficar tentando discutir a questão da generalização, de colocações preconceituosas contra os evangélicos, etc. e tal, com aquele papo de “veja bem, Lola, eu sou protestante/evangélica e não sou assim” ou que “homofobia é um mal que assola todos os grupos”, só que nada disso vem ao caso, pois o texto tocou no ponto fundamental: os diversos grupos evangélicos assumiram para si a bandeira do combate aos gays e ponto final. E é engraçado como toda a diversidade e as divergências doutrinárias desaparecem quando se trata de expressar a homofobia e cercear o exercício da cidadania plena por parte dos homossexuais.Enfim, voltei do Rio no sábado. Sempre passo as férias longas com a família, já que sou uma exilada em Brasília, e algo que comprovei empiricamente é a crescente (e insuportável) homofobia entre os evangélicos, e a coisa é proporcional à concentração dos mesmos. Os grupos conservadores religiosos declararam guerra a dois segmentos, os gays e as mulheres. Faz parte de sua agenda política, junto com a negação do aquecimento global, só para citar outro elemento. E aqui no Brasil, ao contrário do que parece ser nos EUA, o ponto de partida destes discursos independe da opção política, de ser de esquerda, centro, direita, do nível educacional e financeiro, ou da cor de pele. A homofobia aglutina e mobiliza as massas.Aqui no Brasil, protestantes, evangélicos e católicos optaram por uma eficaz “divisão social do trabalho”. Enquanto a Igreja Católica se concentra prioritariamente em entravar as discussões sobre direito de aborto e em minar os direitos das mulheres, as Igrejas Evangélicas disseminam todas as formas possíveis de homofobia e tentam entravar a aprovação do PL122. Há exceções? Claro, mas são EXCEÇÕES, logo, elas não fazem a regra. Há exceções crentes? Há, mas eles e elas (me incluo aí) muitas vezes não têm opção, só podem escolher entre uma igreja mais ou menos homofóbica. Para quem acha que congregar não é importante, ótimo, mas eu não pertenço a este grupo e não acredito em Cristianismo vivido de forma solitária, até porque o serviço ao próximo deveria fazer parte das nossas prioridades. Enfim, é nessas horas que não estar mais morando no Rio me parece muito saudável.E acreditem, eu achava que aqui em Brasília, onde moro, a coisa estava irritante, que receber e-mails terroristas do tipo “Querem acabar com a família” ou “Boicotem o BBB10 por causa dos gays na casa” já era ruim, mas no Rio está muito, muito, muito pior. Silas Malafaia (joguem o nome dele no Youtube) é a grande voz e se ancora em sua popularidade para unir as várias denominações em uma espécie de cruzada anti-gay. 9 entre 10 piadas são homofóbicas, os gays são ridicularizados e desqualificados moralmente por serem homossexuais. A coisa é muito violenta mesmo, pois antes do “Jesus te ama!” você já discriminou, ridicularizou, torturou psicologicamente, acusou de conduta criminosa. Por exemplo, associar pedofilia à prática homossexual começou com a Cúpula Católica, mas os evangélicos e protestantes já se apropriaram do discurso. E basta pegar estatísticas para ver que boa parte dos pedófilos são homens, heterossexuais, muitas vezes casados. Às vezes eu sentia vergonha de meus parentes e amigos/as. E olha que eles/as nem estão entre os piores, aliás, bem longe disso, só que repetem em menor ou maior grau as ideias que vêm se tornando hegemônicas dentro do grupo.E antes que alguém pergunte: sim, no Congresso as bancadas católicas e evangélicas vão se unir e votar juntas. Afinal, como disse um ex-aluno meu, futuro pastor (eu dou aula de História do Cristianismo para futuros pastores), “Roubar todo mundo rouba, mas ser gay é um pecado muito mais sério”. Aqui em Brasília, vocês sabem, há pastores que oram agradecendo a propina. Trata-se do “uma mão lava a outra”, com a conivência, em alguns casos, do Estado que recua para não perder votos em questões de interesse “maior”. Obviamente, rodam primeiro os direitos das mulheres (lésbicas também são mulheres, mas homossexuais – perigosos ou de verdade – são somente os homens, na opinião de muitas pessoas), mas os dos gays vem logo em seguida. Só para terminar, acredito que essa fixação pela homossexualidade tem raízes profundas no dispositivo da sexualidade que Michel Foucault apresentou e discutiu tão bem no primeiro volume do seu História da Sexualidade. O sexo tornou-se o centro de nossas vidas, motivador de nossas ações, por ele se mata e se morre; enfim, controlar a sexualidade alheia é uma das formas mais poderosas de exercitar o poder. E não lembro em qual post a Lola comentou isso (acho que foi quando falou das acusações de que homens gays assediam heteros): os homossexuais são vistos como seres sexuais. Antes de vê-los como pessoas, o tarado de plantão imagina o que fazem entre quatro paredes. Triste, mas o bordão repetido por uma propaganda famosa (“Sexo é vida!”) ganhou peso de realidade. Nada melhor do que controlar a vida alheia. Só para terminar, um caso e um ponto. Minha ênfase na homossexualidade masculina é porque o discurso homofóbico prioriza os homens. É humilhante, perigoso e ofensivo em uma sociedade patriarcal ver homens que, pelo menos na opinião machista, optam por “serem mulheres”. A invisibilidade lésbica também advém do fato de lésbicas serem mulheres (preciso explicar?) e da Bíblia, por mais que tentem torcer, não citar ou condenar diretamente práticas homossexuais femininas. Nos textos bíblicos, sexo só é sexo se tiver falo. Se não tiver pênis, não é sexo, logo (e eu já li isso no livro de um rabino) lésbicas não existem. São só mulheres confusas. O caso é o seguinte. Nas férias passadas, dezembro/2008-janeiro/2009, eu estava abrindo um vídeo de um amigo no Youtube. Ele é gay, cristão, casado e, na época, pai de uma filha (hoje são três menininhas). Era um vídeo de Natal, mostrando uma família americana normal, com toda aquela doçura característica desses vídeos. Meu irmão, o dono do computador, e o mais incomodado da casa com os homossexuais na família (como a histeria é recente, são os jovens e adultos jovens os mais veementes na condenação), parou para ver, achou o vídeo lindo, perfeito, até que percebeu que eram dois pais. Aí pronto! Não havia nada mais para ser apreciado. Pergunto-me por quanto tempo nos daremos o direito de sermos juízes da sexualidade alheia, cerceadores da cidadania, difamadores; por quanto tempo concentraremos as nossas forças em impedir que outras pessoas sejam felizes. Eu percebo – e lamento – a perda de foco do discurso cristão. Crimes, como roubar, por exemplo, são colocados como coisas menores, dando espaço à uma caça às bruxas que mobiliza, aliena e, sim, provoca a catarse. Eu lembro dos rostos de alguns alunos e já tive até pesadelos. Não estou mentindo. E haveria outros exemplos – o terremoto no Haiti mostrou isso – mas a bandeira principal, aqui no Brasil, é a da homofobia. O amor ao próximo e o acolhimento, esses parecem cada vez mais esquecidos quando se pensa nos gays.
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