GUEST POST: AMAmentaÇÃO
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GUEST POST: AMAmentaÇÃO


Jaqueline Pascon tem 24 anos, mora em Assis, interior de SP, é psicóloga, e fez a gentileza de compartilhar conosco um artigo de conclusão de curso que escreveu no ano passado. Vocês podem ler o artigo inteiro aqui (são onze páginas que valem a pena). O que segue é um post fascinante sobre os caminhos e as origens da amamentação no Brasil.

Diante das discussões sobre a amamentação que vieram à tona devido à proibição de uma mãe de amamentar seu filho no Itaú Cultural, em São Paulo; ao texto “Mamonas celestinas” de João Pereira Coutinho, colunista da Folha, que colocou no mesmo balaio o direito das mulheres de amamentar seus filhos em lugares públicos e a reivindicação do direito de se fazer outras cositas em público como masturbação, sexo, necessidades fisiológicas e até mesmo um banho na fonte; e à discussão do trio de apresentadores do programa CQC 3.0, decidi escrever para nossa querida Lola e acrescentar algo para o debate.
O tema obviamente é a amamentação. Quando comecei a estudar o assunto, meu objetivo era passar rapidamente pela história da amamentação; em um segundo momento discorrer sobre a visão médica, em especial, a atuação dos pediatras com as mães e os bebês, e finalmente falaria da importância da amamentação para a construção do vínculo mãe-bebê. Contudo, conforme fui lendo e refletindo a respeito do aleitamento materno e da construção da maternidade, meu objetivo inicial tornou-se insustentável por vários motivos. Abdicar de escrever sobre a importância da amamentação para a construção do vínculo mãe-bebê a princípio não me foi claro, pois como o artigo destinava-se à conclusão de uma graduação em Psicologia, discorrer unicamente sobre a história da amamentação parecia-me “pouco”. Com as leituras e com a orientação de uma pessoa muito sensível, a psicóloga Karin Prado Telles, fui compreendendo que olhar para a amamentação como uma construção social, atravessada por interesses político-econômicos e influenciada pelo contexto cultural, poderia ser muito importante justamente para a relação da mãe com seu bebê. Contribuir para o esclarecimento das formas de regulação do comportamento feminino exercidas pelos discursos vigentes de cada período histórico, que restringem as inúmeras possibilidades de construção da maternidade, seja por meio da amamentação, do parto e por tudo mais que se possa transformar em conhecimento especializado algo que antes fazia parte do conhecimento popular, poderia encorajar as mulheres a tornarem-se protagonistas de sua maternidade. E aí entra outro impasse que divido com vocês, a dissociação entre a academia e a vida. No meu caso, decidi fazer desse artigo uma ferramenta para sensibilizar os profissionais de saúde às demandas de cada mãe e cada bebê, e isso eu posso autorizar-me a fazer porque sou uma profissional de saúde. Eu também poderia facilmente ter feito desse artigo um instrumento para dizer às mães que a Psicologia (com a letra maiúscula da Ciência) sabe que amamentar o bebê é primordial para o vínculo entre elas e seus bebês, como seu eu, sob a égide da ciência, pudesse dizer-lhes que só existe uma maneira correta de ser mãe, eu que nem mesmo sou mãe, que nunca amamentei. Reconhecer que cada mulher é dona de seu corpo e tem o direito de exercer a sua maternidade a partir dos gestos, das palavras, dos saberes, enfim daquilo que lhe faz sentido, considerando que as decisões relativas ao processo de tornar-se mãe cabem a elas, e não simplesmente aos médicos, é mexer na relação de poder que os mestres do conhecimento científico estabelecem com a sociedade contemporânea. Eliane Brum, colunista da Época, presenteou-nos com um belo texto, “Parto com Prazer”, sobre o parto humanizado. Em um trecho ela relata a experiência de uma mãe que ao fazer perguntas sobre o parto ao seu médico teve de ouvir a seguinte frase: “Por que você está tão preocupada com o parto? Cuide das roupinhas e da decoração do quarto e deixe que do parto cuido eu”. Mais à frente, Eliane coloca que a internet permite às mães trocar informações sobre seus partos humanizados, resgatando uma tradição perdida: a das mulheres mais velhas ou experientes que compartilham seu conhecimento com as mais novas. Nossa sociedade legitimou o discurso “neutro” da academia, que desqualificou as experiências das mulheres, substituindo o conhecimento construído a partir dos acontecimentos da vida por protocolos técnicos. Não há dúvida de que os recursos da medicina são importantes para a realização de alguns partos e para o auxílio de situações específicas durante a vida de uma criança, mas o que coloco aqui é o direito da mulher, e do homem também, em decidir como trazer seu bebê ao mundo e como cuidar dele, pois afinal o bebê é deles e não da equipe de saúde. Bom, como se diz aqui no interior, para não espichar a prosa, sugiro que leiam o texto de Eliane Brum, pois nos faz acreditar que existem formas de descontruir práticas e discursos que desconsideram as vivências femininas, que velam seu machismo pedindo às mães que amamentem seus bebês em banheiros ou com paninhos porque o macho alfa do alto da sua racionalidade não pode evitar que diante de tamanha obscenidade seus instintos sexuais venham à tona.
A história da amamentação no Brasil nasce do embate cultural entre os índios tupinambás -– que amamentavam seus bebês –- os colonizadores portugueses -– que trouxeram na mala o hábito de mães ricas não amamentarem seus filhos -– e os escravos africanos -– deduz-se que amamentavam suas crianças a partir de retratos do tráfico negreiro. Não demorou muito para que se implantasse na sociedade brasileira a cultura de que não era apropriado às mulheres pertencentes à classe social dominante utilizar seus seios para alimentar seus filhos. Em Portugal, coube às saloias, camponesas da periferia, amamentar as crianças das famílias abastadas, e aqui no Brasil, com a recusa das índias em desempenhar essa atividade, as escravas africanas foram comercializadas e utilizadas como as conhecidas amas-de-leite.
A partir do século XIX a Igreja, o Estado e Medicina uniram-se na construção do amor materno e na valorização da maternidade como estratégia de controle social das mulheres. Os higienistas tratavam a amamentação como uma obrigação da mãe, que era vista como um ser determinado biologicamente, sem influências sociais e psicológicas.
No fim do século XIX e começo do século XX, o aleitamento materno deu lugar ao aleitamento artificial. A industrialização, a urbanização, a entrada da mulher no mercado de trabalho, a redução da importância social da maternidade e a descoberta das fórmulas de leite em pó foram os principais fatores que contribuíram para a diminuição da amamentação.
No início da década de 70 do século XX, foi discutida mundialmente a prescrição e o uso indiscriminado de leite em pó, especialmente nas áreas pobres como Ásia, África e América Latina. Nesses locais as precárias condições de higiene e até mesmo a ausência de saneamento básico favoreciam a mortalidade infantil por desnutrição, desidratação e doenças infecciosas. As mães, ao prepararem as mamadeiras de seus filhos, utilizavam água de péssima qualidade e não utilizavam a proporção adequada de leite em pó para economizarem.
Na sociedade brasileira, a partir da década de 80, inicia-se um movimento de valorização da prática do aleitamento materno graças ao desenvolvimento, em 1981, do Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM). Desde então, várias políticas públicas de incentivo ao aleitamento materno têm sido desenvolvidas com o apoio da OMS e da UNICEF. Hoje contamos com os dez passos para o sucesso na amamentação, considerados um divisor de águas na promoção do aleitamento materno e um pré-requisito básico em todo o mundo para que uma instituição de saúde receba o título de Amigo da Criança, implantado no Brasil em 1992.
Bom, gente, é isso. Fico feliz em poder contribuir com a discussão, já que ainda não posso participar dos “mamaços”.




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