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NOVA ONDA DE MAMAÇOS COMEÇA AMANHÃ
Uma das principais lutas feministas é pela autonomia do corpo da mulher, para que tenhamos o direito de fazer o que quiser com o nosso corpo. Parece óbvio que o corpo é meu e quem manda nele sou eu, mas o corpo feminino é um intenso campo de batalha, sempre vigiado e punido. A gente vê isso no dia a dia: nos caras que bolinam mulheres no trasporte público ou na rua, na demonização das mulheres que exercem sua sexualidade, na cobrança constante que mulheres se enquadrem num padrão único de beleza, na violência doméstica que fisicamente agride o corpo, nos feminicídios que vêm da concepção que o corpo da mulher é propriedade masculina, na ideia que barriga de grávida é algo público e todo mundo pode por a mão ou dar palpite, na violência obstétrica que humilha a mulher, na obrigação à cesárea, que determina como e quando a mulher dará à luz, no estupro (que é tomar um corpo à força) e na ameaça do estupro (que interfere no nosso direito constitucional de ir e vir), na negação do direito de abortar (prometo falar em breve da decisão do Conselho Federal de Medicina, que se manifestou a favor da interrupção da gravidez até a 12a semana; como disse o presidente do conselho, "defendemos o caminho da autonomia da mulher"). Uma das lutas é também para que o corpo feminino (cis ou trans) seja visto como um corpo poderoso, com várias habilidades e possibilidades. Nossa sociedade ainda acha que mulher serve pra apenas duas coisas: pra ser mãe, ou pra ser decorativa (sendo que essas "missões" não são excludentes: a mãe também tem que ser ornamental, e a modelo será cobrada para ser mãe). Então um dos desafios é insistir que o corpo feminino não seja apenas objeto de contemplação sexual.E aí chegamos aos mamilos. Todo mundo tem mamilos. Mas, nos homens, mamilos (apesar de serem zonas erógenas pra eles também) podem ser exibidos sem problema algum, sem serem erotizados. Nas mulheres, não. Seios são quase sempre vistos como sexuais, mesmo quando não são. Precisam estar encobertos ou ser usados pra alavancar as vendas de algum produto. Mulheres que fazem topless ou que exibem os seios para protestar (caso de algumas moças nas Marchas das Vadias) são mal vistas. Tem quem olhe feio até pra mães que amamentam em público.Há resistência cultural em amamentar. Como confidenciou uma leitora num post que escrevi sobre o assunto: "Existe uma enorme pressão para que não consigamos amamentar; parece que a sociedade toda se esforça para provar que amamentar é o melhor, mas ao mesmo tempo se esforça em dizer que você não vai conseguir, e que deve se sentir culpada por isto. Pior: mulheres que não conseguem amamentar também são criticadas. Isto é, dando o peito ou a mamadeira, você vai ser julgada de qualquer jeito!". Pois é. Condenar mulheres através de julgamentos morais é querer tirar delas sua autonomia. Ninguém é menos mulher por não ser mãe, por não poder amamentar, por ter feito cesareana. Mas é preciso criticar o sistema (nunca a mulher individualmente) que dita que cesareana é o único parto possível, o sistema que dita que leite em pó é mais nutritivo pro bebê que leite materno.Além da questão estética, do mito de que os peitos vão murchar com a amamentação, da questão econômica (a mãe que está no mercado informal e não tem direito à licença maternidade vai amamentar como?), da questão capitalista (marcas de leite em pó fazem lobby com médicxs e enfermeirxs pra empurrar seu produto), há muita insegurança, muitos mitos de que "o bebê não vai querer o peito" e "meu leite é fraco". Ainda assim, existe um consenso entre especialistas de que a amamentação é importantíssima pro bebê e pra mãe. Infelizmente, reaças continuam tentando mandar no corpo alheio. Nos últimos tempos, pipocaram casos de instituições que proibiram (mesmo que por alguns momentos) mulheres de amamentar em público, e de programas de TV que zombaram do direito de aleitação pública (como o CQC, que fez um programa em maio de 2011 pra lamentar que só mulheres feias e exibidas amamentam em público, só aquela mulher "que não precisa de sutiã, precisa de joelheira").Só pra deixar claro: ser contra a amamentação em público equivale a ser contra a amamentação, ponto. Porque quem tem que decidir onde, quando e como amamentar é a mãe, e o bebê. O nenê sente fome, independente do completo estranho que sente desejo por ver um seio exposto (nunca deve ter visto um, tadinho), ou nojo (novidade pra você: é recíproco).No primeiro semestre de 2011, houve um incidente no Itaú Cultural, quando um funcionário proibiu uma mãe de amamentar porque lá não era um espaço de alimentação. A instituição se desculpou rapidamente, e fez treinamento entre funcionários para que tal constrangimento não se repetisse. Pra protestar contra mais essa tentativa de cercear a liberdade feminina, mães organizaram um mamaço. Em 2011 (que foi também o primeiro ano da Marcha das Vadias) tivemos mamaços espalhados por todo o Brasil.A Bruna, de Recife, explica: "o mamaço é um evento de promoção ao aleitamento materno. Trata-se de um bocado de mulher junta, amamentando, trocando experiências, assitindo palestras sobre os benefícios da amamentação. Enfim, o ato mais pacífico do mundo. Ocorre em lugares que por quaisquer motivos não tenham incentivado o aleitamento materno de alguma forma, seja impedindo ou constrangendo ou censurando o livre direito da mulher de aleitar o seu filho. Geralmente, depois de um episódio de não promoção da amamentação ter ocorrido, o lugar procura se desculpar e como forma de retratação (porque os danos sociais em decorrência destes atos pedem mais do que um pedido de desculpas e esclarecimentos) evidencia a importância desta prática para a saúde de mães e babês, abrigando e apoiando mamaços".Esses dias, na Livraria da Vila, no Shopping JK, em SP, uma mãe estava amamentando, e uma funcionária mandou que ela fosse ao fraldário. Ao chegar lá, a mãe constatou que tratava-se apenas de um banheiro, e voltou para falar com outra funcionária. Esta lhe pediu desculpas, explicou que aquele não era o procedimento-padrão, e arrumou uma poltrona para que pudesse amamentar. Talvez, a partir desse ocorrido, a livraria abra as portas para rodas de conversa pra incentivar a amamentação.Na semana passada outro caso de constrangimento ocorreu, desta vez em Recife, no Instituto Ricardo Brennad. Nas palavras de Ellis: "Mães que amamentam e sociedade, eu achava que isso não aconteceria comigo, mas aconteceu! 'Fui convidada' a me retirar do castelo de Ricardo Brennant por amamentar meu filho de 8 meses! A funcionária me viu amamentando, sentada (num local permitido) e veio me dizer que eu não podia ficar ali, fazendo 'aquilo', e que eu deveria ir para fora (já apontando o local). Obviamente questionei a razão pela qual estava sendo 'convidada a me retirar', e ela me respondeu que era pela umidade (?) e me adiantou que era a regra do local. Pessoas com garrafas de água pode, amamentar em público, não? Antes que alguém pergunte, não, eu não estava pelada,nem mostrando meus seios, mas sim, fui constrangida publicamente por amamentar meu filho! Me sinto chateada, humilhada, desrespeitada! Afinal, garanto que a sucção do meu filho gera infinitamente menos ou nada de umidade do que garrafas de água, cabelos molhados e a fonte de água do local onde jogam moedas... Quero um mamaço lá, já!"A instituição tentou se explicar, mas não foi convincente. Há inclusive uma lei estadual recente, sancionada em outubro, que assegura às mães o direito de amamentar em lugares públicos.
Portanto, haverá um mamaço lá amanhã, às 15 horas.
Também acontecerá um mamaço amanhã, no mesmo horário, em Salvador. Um dos lemas dos mamaços é "Não precisa ter peito para participar. Apoie a amamentação e a promoção da saúde e bem-estar entre mães e bebês." Me disseram que tem muita gente que vai participar levando bonecas.Muito mais relevante do que invidualizar a culpa, dando o nome dxs funcionárixs envolvidxs, ou que vilanizar o lugar em que o constrangimento ocorreu, é promover esses protestos legítimos. Muitas vezes, as mães que organizam os mamaços nem se assumem feministas, mas elas sabem que é a automia de seus corpos que está em jogo. E esta é uma causa feminista.
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