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GUEST POST: HORA DE REPENSAR A UTILIDADE DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
Apresento o guest post da Carol, que tem 24 anos, é mestranda da FGV em marketing, e dona de um blog que está do outro lado do meu espectro político. Ela pediu para escrever um post respondendo à reclamação da Maíra sobre a instalação de um parque tecnológico numa federal, e ei-lo aqui. Quero lembrar que o propósito de guest posts é justamente este: publicar ideias diferentes das minhas. Geralmente os guest posts trazem experiências e conhecimentos que eu não tenho, muito mais que opiniões contrárias. Mas acho interessante trazer um ponto de vista diferente para termos um bom debate. Antes de qualquer coisa, agradeço a Lola pelo espaço em seu blog. Em segundo lugar, antes de entrar no assunto, eu gostaria de dizer que, apesar de não concordar com muita coisa que a Lola escreve (claro que há coisas com as quais concordo também!), eu sou leitora assídua deste espaço. E qual o principal motivo? Exatamente o ponto de vista diferente. Em minha opinião, entender como o outro pensa é muito mais importante do que ler opiniões que só reiteram nosso ponto de vista. Dito isso, vamos ao que interessa.Esse texto é um contraponto ao guest post da Maíra, publicado na semana passada. Quando li o texto dela, percebi que ela estava emitindo uma opinião mais moral que utilitária. Nada contra, mas acho que analisar a questão sob um ponto de vista mais pragmático ajuda a entender o problema. Existem assuntos cuja discussão presume a presença de imperativos categóricos morais: pena de morte é um deles. É impossível discutir isso sem analisar o imperativo de que a vida humana é inviolável, uma verdade para grande parte das pessoas (eu, inclusive). Mas será que esse é o caso da presença da iniciativa privada na universidade brasileira? Não creio. Para começar porque não estamos falando aqui do indivíduo, mas sim da forma como organizar uma construção humana. E organizações evoluem conforme mudam os fatores que as cercam. Isso aconteceu em universidades européias. Hoje, na Itália e na Alemanha, por exemplo, universidades públicas cobram mensalidades (baratas, e claro que há bolsas para quem não pode pagar). E há um movimento no Brasil de mudança da academia. A própria defesa da Maíra em relação a produzir para a comunidade é um sinal disso: as universidades tendem a deixar de serem as torres de marfim que eram antigamente. Hoje, pesquisa tem que trazer resultados práticos, mesmo que no longuíssimo prazo (quantos de vocês não escreveram alguma coisa como “contribuir com o desenvolvimento... em seus trabalhos de conclusão de curso?). E isso é bom.E é exatamente para isso que existem centros tecnológicos: para fazer o conhecimento gerado na universidade ir para a sociedade. O pesquisador tem seu trabalho patenteado (e ganha com isso), os estudantes têm oportunidade de estagiar em sua área e novas empresas são criadas. Qual o problema nisso? Também já escutei muitas pessoas de diretórios estudantis condenando as fundações com uma justificativa moral de “privatizar a universidade”. Nunca entendi a razão. Na minha faculdade funciona uma fundação que fornece cursos latu sensu. Os professores chegam a ganhar o mesmo tanto dando aulas na fundação do que ganham com um mês de trabalho na USP. A fundação banca entidades estudantis, bolsas de pesquisa, infra-estrutura física, parte da limpeza do prédio e, além disso, como os professores têm contatos com profissionais da área, ficam atualizados com as práticas. No mais, os horários das aulas não batem com os das aulas convencionais e ainda surgem oportunidades de estágio para os alunos, que continuam estudando de graça, só que em uma faculdade melhor. Qual o problema nisso?Outro ponto que Maíra aborda é o das pesquisas financiadas por empresas. Também não entendo o problema moral aqui. Diz-se que o retorno nesse caso não vai para a comunidade. Ela até usa o exemplo da Avon de que resultados de pesquisas poderiam ser usados pelo governo para fazer protetores solares baratos. Mas será que isso faz sentido ou é só mais um julgamento moral? Na prática, o óbvio é que não, nem governo nem universidades vão conseguir criar um protetor solar mais barato que o da Avon. Simplesmente porque a Avon tem milhares de funcionários pensando o dia inteiro em como criar um protetor solar barato (não nos esqueçamos que a Avon é uma empresa voltada para as classes média e baixa). Como nem governo nem universidades conseguiriam (simplesmente porque têm competências diferentes), o custo acabaria saindo dos cofres públicos. Então vejamos: se a Avon patrocinar minha pesquisa, eu ganho, a empresa ganha e os consumidores ganham com um produto mais barato SEM ATRAPALHAR ninguém. Porque já ouvi argumentos do tipo: “ah, empresas controlariam a pauta de pesquisa”. Bom, isso não faz muito sentido, porque mesmo com empresas patrocinando, a Capes, a CNPQ, a Fapesp, etc. continuariam ali financiando os melhores projetos. Dados tais exemplos, teorizo. Por que o governo deve financiar as universidades? Têm de existir uma questão utilitária por trás desse financiamento, ou seja, isso tem de trazer algum benefício à sociedade, já que não faz sentido o governo financiar coisas que não beneficiem o todo, certo? Bom, a idéia é que o governo financia o universitário para que ele traga externalidades positivas para a nação (externalidade positiva é uma consequência de uma ação que é boa para todos, ainda que não seja o fim per se dessa ação). Mas sabe-se pouco o “quanto” de externalidade positiva que é produzida. E foi por isso que alguns países decidiram que estudantes deveriam pagar, pois o governo investia demais para estudantes terem resultados individuais altos e sociais baixos. No Brasil é diferente. Não temos a renda per capita da Alemanha e, portanto, não faz sentido pensar nisso ainda. Mas vale a pena pensar em como nós, universitários públicos, somos privilegiados e sempre pedimos mais.Sim, a palavra é privilégio. Vou falar da USP porque é a universidade na qual me formei, mas a situação das federais não difere muito. Quem banca a USP é o ICMS estadual (9% do total). O ICMS é um imposto cobrado nos produtos, ou seja, diferentemente do IR que varia conforme a renda, todo mundo paga o mesmo tanto de ICMS quando compra determinado produto, seja rico, seja pobre. Exemplo: se, em uma cesta de produtos, o ICMS totaliza R$ 10, tanto o cara que ganha R$ 100, quanto o cara que ganha R$ 10.000 pagam o mesmo tanto de impostos. Só que R$ 10 representa 10% da renda do cara que ganha R$ 100 e somente 0,1% da renda do cara que ganha R$ 10.000. Isso se chama imposto regressivo, ou seja: imposto que penaliza os pobres. E parte dessa arrecadação vai para bancar a alimentação dos estudantes da USP, que não pagam nem estacionamento, mas pagam desde 2004 R$ 1,90 no restaurante (isso porque tivemos uma inflação de mais ou menos 20% no período). Basicamente: o dinheiro da tia da limpeza bancando o dinheiro dos bonitos de classe média que reclamam da falta de vagas para seus carros (eu, inclusive, que vivia reclamando disso). E não achem que em federais o esquema de imposto é diferente não. No bolo geral estão IPI, IOF, todos sobre importações, etc. que são também regressivos. Enfim, vale a reflexão: será que não está na hora de deixar as coisas acontecerem pensando na prática, tentando diminuir o peso tributário para os mais pobres e realmente devolvendo alguma coisa para a sociedade em forma de, por exemplo, novos remédios, protetores solares acessíveis e maquinários para as indústrias brasileiras produzidos aqui? É isso que a universidade pública precisa buscar. É isso que a interação entre empresas, pesquisadores e sociedade pode trazer.
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